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Presidente João Lourenço de Angola durante a 10ª Cúpula do BRICS em Joanesburgo, África do Sul, 26 de julho de 2018.  © 2018 Vladimir Astapkovich / Sputnik via A

O presidente angolano João Lourenço foi reeleito para um segundo mandato nas eleições gerais realizadas em 24 de Agosto de 2022, cujos resultados foram muito contestados. A Human Rights Watch insta o presidente e o governo angolanos a colocar os direitos humanos no centro das suas considerações políticas e a alicerçar todas as suas políticas, tanto a nível interno como externo, no respeito pelos direitos humanos e pelo Estado de direito.

Estando na presidência da Conferência Internacional para a Região dos Grandes Lagos, o governo Angolano também deve demonstrar liderança em toda a região para salvaguardar os direitos humanos e promover a justiça.

Eis aquelas que sugerimos que devem ser as principais prioridades do novo governo para promover e proteger os direitos humanos:

1. Investigar as Violações de Direitos das Forças de Segurança

 As forças de segurança do Estado têm sido repetidamente implicadas em graves violações dos direitos humanos, incluindo execuções sumárias, uso excessivo de força contra manifestantes pacíficos e detenções arbitrárias. Durante a crise da COVID-19, as forças de segurança estiveram envolvidas em comportamentos abusivos durante a aplicação das regras de confinamento e das restrições de circulação. Apesar das recomendações de grupos de direitos humanos, incluindo a Human Rights Watch, o governo angolano não considerou alternativas à prisão, nem evitou deter pessoas por crimes não violentos ou infrações menores, como violações do estado de emergência.

Desde que assumiu o cargo em 2017, o governo de João Lourenço foi incapaz de investigar e julgar adequadamente os agentes da polícia que cometeram graves violações dos direitos humanos. O presidente também não se distanciou da decisão controversa do seu antecessor, José Eduardo dos Santos, de recusar os pedidos do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos para criar uma comissão independente para investigar o alegado massacre de membros de uma seita religiosa na província do Huambo.

Nas raras ocasiões em que oficiais do governo admitiram a responsabilidade e se comprometeram a investigar as violações, não foram divulgadas publicamente quaisquer informações sobre o estado das investigações.

De acordo com o direito internacional, Angola tem o dever de investigar de forma imparcial e julgar adequadamente as violações graves dos direitos humanos. Os governos têm o dever não só de prevenir estas violações, mas também de investigar as violações quando ocorrem e de levar os responsáveis à justiça.

Recomendações

• Introduzir reformas concretas e significativas à conduta e supervisão da polícia, para promover o pleno respeito pelos direitos humanos e o estado de direito.

• Introduzir medidas para prevenir, investigar e julgar adequadamente as execuções extrajudiciais e outras violações graves cometidas pela polícia.

• Investigar imediatamente todas as alegações de uso excessivo de força e outras violações de direitos humanos por agentes da polícia, militares e outros oficiais do Estado e levar todos os responsáveis a prestar contas em julgamentos públicos e justos.

• Informar o público sobre os resultados das investigações às violações e responder prontamente às queixas individuais de abusos policiais.

2. Revogar as Leis de Difamação Criminal

Durante muitos anos, o governo angolano manteve e defendeu o uso de leis repressivas, incluindo cláusulas de difamação com conteúdo vago que ameaçam o trabalho da comunicação social, e violam as obrigações internacionais do país de respeitar a liberdade de imprensa.

Em Janeiro de 2017, o então presidente José Eduardo dos Santos promulgou uma lei de imprensa que criminaliza, no artigo 82.º, a publicação de texto ou imagens que sejam “ofensiva para indivíduos”. O código penal de Angola, aprovado em Janeiro de 2019 pelo Presidente João Lourenço, também criminaliza a difamação e a calúnia com multas e prisão até 18 meses. Algumas figuras políticas angolanas, incluindo oficiais do governo, já recorreram a estas leis para reprimir críticos e jornalistas. Em 2022, apesar das críticas de grupos de direitos humanos, o parlamento aprovou um projeto de alteração da lei de imprensa, que conserva a cláusula de difamação.

Na Resolução 169.º de 2010, a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos pediu a revogação das leis de difamação criminal no continente, observando que abrem caminho a abusos e podem resultar em consequências muito duras para jornalistas que expõem casos de abuso de poder, corrupção e violações dos direitos humanos, todos eles abundantes em Angola.

Recomendações

• Revogar as leis de difamação criminal existentes. As leis de difamação civil e incitação criminal são suficientes para proteger reputações e manter a ordem pública.

• Pôr fim à perseguição de indivíduos ao abrigo das leis de difamação criminal e arquivar os casos de difamação criminal contra jornalistas, comentadores das redes sociais e outros indivíduos que expressam opiniões na comunicação social.

• Libertar, sem condicionamentos, todos os indivíduos atualmente na prisão por difamação criminal.  

• Garantir que as leis de difamação civil e incitação criminal são redigidas de forma clara e inequívoca e usadas de forma a proteger a liberdade de expressão e evitar o seu uso indevido por oficiais do governo.

3. Defender os Direitos à Liberdade de Expressão e Reunião Pacífica

O artigo 47.º da Constituição de Angola permite aos cidadãos protestar sem autorização, desde que informem previamente as autoridades. No entanto, há muitos anos que o Estado angolano bloqueia e dispersa repetidamente, protestos pacíficos contra o governo, fazendo uso de força desnecessária ou excessiva e recorrendo a detenções arbitrárias.

De acordo com as Diretrizes sobre a Liberdade de Associação e de Reunião em África da Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos , “Participar e organizar uma reunião ou manifestação é um direito e não um  privilégio e, portanto, o seu exercício não exige autorização do Estado”. As Diretrizes da Comissão Africana estabelecem ainda “que a presunção seja sempre favorável à realização de reunião ou manifestação e que as mesmas não sejam automaticamente penalizadas, por meio da dispersão ou  sanção, por não notificação. A falta de notificação não deve ser entendida como forma de tornar ilegal uma reunião ou manifestação.”

Recomendações

• Garantir que as autoridades, incluindo a polícia e outras agências de aplicação da lei, respeitam os direitos à liberdade de expressão e reunião pacífica.

• Garantir que os grupos separatistas pacíficos e os ativistas pró-democracia e de direitos humanos podem exercer as suas atividades e criticar as políticas governamentais sem intimidação, assédio ou detenções arbitrárias.

• Libertar qualquer indivíduo detido por ter participado em manifestações pacíficas e retirar todas as acusações com motivação política.

4.Proteger os Direitos dos Refugiados e Requerentes de Asilo

Milhares de refugiados e requerentes de asilo, fugindo de décadas de conflito em vários países, incluindo a República Democrática do Congo, Ruanda, Mauritânia e outros, procuraram refúgio em Angola. Em Outubro de 2018, mais de 400 000 refugiados e requerentes de asilo foram obrigados a regressar ao país de origem ou fugiram de Angola, durante uma operação policial angolana contra a mineração ilegal de diamantes na província da Lunda Norte. Muitas das vítimas relataram graves violações por parte das forças de segurança angolanas durante o processo de repatriamento, incluindo assassinatos, espancamentos, agressões sexuais, queima de casas, saque e destruição de propriedades, cobrança ilegal de impostos e detenções arbitrárias.

Em 2022, a Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) retomou o repatriamento voluntário de refugiados de Angola para a República Democrática do Congo (RDC) após uma pausa de dois anos, após a COVID-19 ter levado ao encerramento a longo prazo das fronteiras.

Recomendações

• Garantir que nenhum refugiado ou requerente de asilo é obrigado a regressar a um país ou destino onde possa ser vítima de perseguição, danos graves ou outras ameaças à sua vida ou liberdade.  

• Proteger os refugiados e requerentes de asilo ao abrigo da jurisdição de Angola, inclusive contra abusos por parte da polícia, militares ou outros agentes do Estado.

5. Promover os Direitos Humanos na Região

Angola tem desempenhado um papel essencial na mediação e construção da paz na África Central e Austral e na região dos Grandes Lagos. Os esforços políticos e diplomáticos do país na região têm sido amplamente reconhecidos e incentivados. Em 2022, a União Africana elegeu o Presidente de Angola João Lourenço para ser o presidente da Conferência Internacional para a Região dos Grandes Lagos e para mediar as conversações entre o Presidente da República Democrática do Congo, Félix Tshisekedi, e o seu homólogo ruandês, Paul Kagame, face às tensões crescentes entre os dois países.

No seu discurso de posse, o presidente Lourenço reiterou o compromisso do seu governo com a resolução pacífica dos conflitos na região da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral e na República Centro-Africana, bem como nas zonas fronteiriças entre a República Democrática do Congo, o Ruanda e o Uganda. As tropas angolanas também estiveram envolvidas em missões de paz na África Central, bem como em operações de contraterrorismo contra grupos islâmicos armados na província de Cabo Delgado, norte de Moçambique.

Recomendações

• Exortar os demais governos africanos a garantir que todas as forças de segurança destacadas em operações de contraterrorismo são responsabilizadas de acordo com as leis e normas de direitos humanos.

• Exortar os demais governos africanos a fazer valer a operacionalização de tribunais móveis locais para cada contingente africano envolvido em operações de paz e contraterrorismo.

• Pressionar os líderes regionais para garantir o respeito e a aplicação do direito internacional humanitário e dos direitos humanos.

• Pressionar a Comunidade da África Oriental a criar um componente de conformidade e monitorização dos direitos humanos para a zona oriental da República Democrática do Congo.

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