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Brasil: Lula deveria enfrentar a crise na Amazônia com urgência

O presidente eleito precisará trabalhar para restaurar o Estado de Direito e reduzir o desmatamento

Área desmatada na Terra Indígena Yanomami, localizada nos estados brasileiros de Roraima e Amazonas, em junho de 2021. © 2021 Gabriel Chaim

(São Paulo) – Durante a COP27 no Egito, o presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, deveria se comprometer com medidas concretas para materializar suas promessas em relação ao meio ambiente, disse hoje a Human Rights Watch.

Em sua primeira declaração pública após vencer a eleição em 30 de outubro, Lula prometeu esforços para zerar o desmatamento na Amazônia, defender os direitos dos indígenas e outros povos da floresta, e assumir um protagonismo na luta contra a crise climática. A gestão do atual presidente Jair Bolsonaro, cujo mandato termina em 31 de dezembro de 2022, representará o Brasil na 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP27). Mas Lula também deve comparecer.

“Com o início da COP27 após uma semana da eleição, Lula deveria especificar como pretende garantir o Estado de Direito na Amazônia e proteger tanto a floresta quanto seus defensores,” disse Maria Laura Canineu, diretora do Brasil da Human Rights Watch. “Ele deveria se comprometer com o fortalecimento das agências ambientais e indigenista”.

Lula herdou uma das maiores taxas anuais de desmatamento da Amazônia já registradas quando assumiu a presidência em 2003. No fim do seu segundo mandato, em 2010, a taxa de desmatamento havia caído 67%.

Entre as medidas que levaram a esse resultado estavam a efetiva fiscalização ambiental, a criação de áreas protegidas, a demarcação de territórios indígenas e a restrição de crédito a produtores em posse de terras públicas e propriedades irregulares ou que violavam leis ambientais. Mas comunidades e organizações locais criticaram o grande impacto ambiental e social de hidrelétricas e outros projetos que sua administração promoveu na Amazônia.

No ano passado, durante a COP26 em Glasgow, o Brasil aderiu a iniciativas para reverter a perda florestal e prometeu acabar com o desmatamento ilegal até 2028. Contudo, as políticas do governo Bolsonaro permitiram na prática o aumento do desmatamento ilegal na Amazônia brasileira, um ecossistema vital para o combate às mudanças climáticas, e criaram um ambiente de impunidade para os responsáveis.

Sob Bolsonaro, o desmatamento na Amazônia aumentou 73% entre 2018 e 2021, atingindo seu mais alto nível em 15 anos. Segundo dados oficiais, cerca de 34.000 km² de floresta foram desmatados na Amazônia entre 2019 e 2021. Quase a totalidade dos alertas de desmatamento registrado em 2021 apresentava algum indício de irregularidade.

As queimadas, provocadas frequentemente para converter áreas desmatadas em pastagens ou plantações, aumentaram junto com o desmatamento. Entre 2019 e outubro de 2022, foram registrados na Amazônia 368.642 focos ativos de calor, indicando atividades de queimadas. O número de queimadas entre janeiro e outubro de 2022 já é o maior para o período desde 2010.

Cientistas têm alertado que o aumento do desmatamento e queimadas estão levando a Amazônia a um ponto de não retorno, quando a floresta tropical não se recuperaria, ressaltando assim a urgência de ações para reverter os danos.

Se a destruição continuar, vastas áreas da floresta tropical podem secar nos próximos anos, liberando bilhões de toneladas de carbono armazenado, perturbando os padrões climáticos em toda a América do Sul e prejudicando a agricultura. Um estudo liderado pela Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada, um consórcio de organizações da sociedade civil, mostrou que grandes áreas da Amazônia já foram exploradas e degradadas, reduzindo a capacidade de regeneração da floresta.

A destruição da Amazônia está relacionada a graves violações de direitos, como a invasão de áreas protegidas, e a violência e intimidação contra povos indígenas e outras comunidades que desempenham um papel fundamental na proteção da floresta. Desde 2019, pelo menos 89 pessoas foram mortas em conflitos por terras e recursos naturais na Amazônia, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT). As invasões, extração de madeira, grilagem e outras incursões ilegais em terras indígenas aumentaram 180% em 2021, em comparação com 2018, ano anterior à posse do presidente Bolsonaro, segundo o Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

Em abril, o governo Bolsonaro apresentou uma atualização do seu plano de ação climática –a “Contribuição Nacionalmente Determinada” ou NDC, na sigla em inglês – que na prática permitiria reduções de emissões de gases de efeito estufa menores do que o compromisso apresentado em 2016. Isso contraria a obrigação do Brasil de aumentar progressivamente a ambição de suas metas no âmbito do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas.

Como um dos 10 maiores emissores do mundo, o Brasil tem contribuído para a crise climática que cada vez mais impacta negativamente os direitos humanos. Dados recentes mostram que o Brasil emitiu 2,42 bilhões de toneladas brutas de CO2 em 2021, segundo análise do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), uma rede de especialistas em clima. Este é um aumento de 12% em relação a 2020. O desmatamento tem impulsionado o aumento de suas emissões.

Segundo pesquisadores do Centro de Estudos Integrados sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no ritmo atual, o Brasil poderia ainda ultrapassar em até 137% sua meta de emissões até 2030.

Os Estados têm a obrigação de direitos humanos de proteger as pessoas dos danos previsíveis das mudanças climáticas e reduzir as emissões de gases de efeito estufa que os impulsionam. O dever do Brasil de proteger os defensores da floresta e outros da violência e intimidação de grupos criminosos envolvidos na destruição ambiental — e de levar os responsáveis por esses atos à justiça — também é uma obrigação sob o direito internacional dos direitos humanos.

A equipe de transição de Lula deveria preparar uma estratégia com medidas concretas para reverter a destruição ambiental desenfreada que ocorreu sob a presidência de Bolsonaro, incluindo:

  • Um plano de ação climática atualizado, que seja mais ambicioso do que a submissão original em 2016 e consistente com o objetivo de manter o aquecimento global abaixo de 1,5 graus Celsius. O plano deveria incorporar compromissos previstos na Declaração de Glasgow sobre Florestas e o Compromisso Global do Metano, e incluir uma estratégia detalhada de implementação;
  • Um plano com etapas operacionais concretas e metas mensuráveis para reduzir drasticamente o desmatamento e as queimadas, inclusive restaurando a capacidade das agências ambientais a fim de garantir a fiscalização efetiva das leis ambientais, desenvolvido em consulta com grupos não-governamentais e comunidades afetadas;
  • Medidas para garantir a proteção dos direitos dos povos indígenas, inclusive por meio da retomada da demarcação de territórios indígenas, a proteção dessas áreas contra incursões ilegais, e o fortalecimento da FUNAI (Fundação Nacional do Índio);
  • Um plano nacional de proteção aos defensores do meio ambiente e articulação com governadores e o Ministério Público a fim de garantir que os responsáveis por atos de violência e intimidação sejam rigorosamente investigados e processados; e
  • Uma estratégia para que os projetos de lei em tramitação no Congresso que restringiriam arbitrariamente os direitos dos povos indígenas aos seus territórios e acelerariam o desmatamento não sejam aprovados.

Em maio, o Observatório do Clima, uma coalizão de organizações da sociedade civil brasileira, divulgou uma agenda abrangente com recomendações importantes em política ambiental para o próximo governo.

Como dois dos principais parceiros comerciais do Brasil, a União Europeia e os Estados Unidos deveriam adotar leis que restrinjam a importação de commodities agrícolas, como gado, soja, óleo de palma e produtos derivados, que estejam ligados ao desmatamento ilegal e a violações de direitos humanos.

A União Europeia não deveria considerar a ratificação de um acordo comercial pendente com o Mercosul até que o Brasil mostre que está pronto para cumprir seus compromissos para proteger a floresta amazônica e combater a violência contra os defensores da floresta. O acordo comercial, firmado no início de 2019, inclui compromissos para defender o Acordo Climático de Paris e combater o desmatamento.

Os membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também deveriam se assegurar de que o Brasil tomou medidas concretas para deter o desmatamento e proteger os defensores do meio ambiente antes de considerar a acessão do país à organização. Em junho, a OCDE adotou um “roadmap” enfatizando que o Brasil deve adotar e implementar plenamente políticas alinhadas com suas metas climáticas, inclusive combatendo a perda florestal, fortalecendo as agências ambientais, protegendo os direitos dos povos indígenas e comunidades locais e enfrentando a impunidade da violência e intimidação contra os defensores do meio ambiente.

“O Brasil perdeu muito tempo no enfrentamento da urgente crise climática”, disse Canineu. “A comunidade internacional deveria continuar monitorando de perto a situação na Amazônia e apoiar os esforços para combater o desmatamento e proteger os defensores da floresta”.

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