Perguntas e respostas sobre a COP27
2) Por que a crise climática também é uma crise de direitos humanos?
3) Quais seriam as implicações das decisões na COP27 para os direitos humanos?
5) Que tipo de restrições ao espaço cívico poderiam ser impostas durante a COP27?
6) Por que a Human Rights Watch descreveu a situação no Egito como uma “crise de direitos humanos”?
10) Houve cúpulas climáticas anteriores em que a participação da sociedade civil foi restrita?
A COP27 é a 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Nela se reunirão os Estados Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), bem como milhares de especialistas, jornalistas e representantes de empresas e organizações não governamentais. A COP27, prevista para novembro de 2022, é um fórum para os Estados discutirem as ações climáticas, baseadas em direitos, necessárias para permitir que os países cumpram coletivamente a meta de manter o aumento global das temperaturas em 1,5 graus Celsius, previsto no Acordo de Paris.
De florestas em chamas a cidades sufocadas, de fazendas áridas a costas castigadas por tempestades, a crise climática está causando um impacto crescente em vidas e meios de subsistência em todo o mundo. E, a menos que os governos atuem rapidamente e com ousadia para reduzir as emissões de gases de efeito estufa em larga escala, a situação pode piorar de forma inimaginável.
Nos próximos anos, o aumento do nível do mar e grave escassez de alimentos ameaçam expulsar centenas de milhões de pessoas de suas casas. As mudanças climáticas agravam as desigualdades existentes e o impacto do fracasso em limitar as emissões de gases de efeito estufa é especialmente sentido por comunidades que já enfrentam graves violações de direitos humanos, incluindo povos indígenas, pessoas idosas, pessoas com deficiência, pessoas LGBT, mulheres, crianças e aqueles em situação de pobreza. A capacidade dos Estados de protegerem os direitos das populações em maior risco pode ser severamente prejudicada e, em muitos lugares, inviabilizada.
A capacidade de evitar esse futuro distópico, afetando as crianças de hoje e as gerações futuras, provavelmente dependerá, em grande medida, do que os governos fizerem agora para proteger os direitos humanos. Para garantir que as autoridades eleitas e os líderes de indústrias escutem as demandas públicas por ações climáticas mais ambiciosas, os Estados precisam garantir os direitos das pessoas em todos os lugares, especialmente grupos de risco, e ouvir o crescente movimento de jovens ativistas climáticos ao redor do mundo alertando sobre a necessidade urgente de uma ação climática robusta e que respeite direitos.
Os governos têm a obrigação de direitos humanos de enfrentar as mudanças climáticas, inclusive reduzindo rapidamente as emissões de gases de efeito estufa e ajudando as pessoas a se adaptarem ao impacto da crise climática. Na COP deste ano, os governos deveriam adotar uma recomendação específica para abandonar rapidamente todo o uso e produção de combustíveis fósseis.
Há um consenso crescente, inclusive da Agência Internacional de Energia e do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, de que, para os governos cumprirem as metas climáticas globais, não pode haver o desenvolvimento de novas fontes derivadas de petróleo, gás ou carvão. Os governos na COP27 deveriam se comprometer a encerrar a autorização de qualquer novo projeto de combustíveis fósseis. Além disso, deveriam acabar com todas as formas de suporte, incluindo subsídios e financiamento internacional, para desenvolvimento de petróleo, gás e carvão a fim de reduzir rapidamente as emissões e limitar os impactos das mudanças climáticas sobre os direitos humanos.
Os governos também deveriam se comprometer a proteger os direitos das comunidades diretamente afetadas pelas operações com combustíveis fósseis, incluindo as pessoas que vivem dentro e ao redor dos locais de exploração, produção, armazenamento, transporte, uso e descarte de combustíveis fósseis. Os governos deveriam se comprometer a proteger aqueles que estão em maior risco e garantir sua participação e representação na tomada de decisões sobre mudanças climáticas.
Na COP deste ano, os governos também deveriam definir as regras para o mercado internacional de créditos de carbono a fim de garantir que eles defendam e promovam os direitos humanos das comunidades afetadas por projetos de compensação de carbono e estabeleçam um mecanismo de reclamação para quando essas salvaguardas falharem. Além disso, as decisões sobre financiamento e adaptação climáticas deveriam beneficiar aqueles que são mais afetados pela crise climática e menos capazes de se adaptar. Essas decisões deveriam ser tomadas em conjunto com esses grupos, incluindo indígenas, pessoas idosas e com deficiência.
Apesar dos esforços necessários para conter as emissões de gases de efeito estufa e se adaptar aos impactos das mudanças do clima, a crise climática causará consequências irreparáveis, físicas, econômicas e relacionadas ao deslocamento forçado, ou perdas e danos. Os países mais vulneráveis ao impacto das mudanças climáticas, incluindo pequenos Estados insulares em desenvolvimento, estão pressionando os governos na COP27 a estabelecer um mecanismo de financiamento para lidar com perdas e danos urgentes.
Grupos da sociedade civil internacional e egípcia temem que as severas restrições impostas pelas autoridades egípcias nos últimos anos impeçam a participação plena e significativa de jornalistas, ativistas, defensores de direitos humanos, sociedade civil, grupos de jovens e representantes de povos indígenas na COP27. Além disso, o governo egípcio poderia tentar usar seu papel como presidência da COP27 para promover uma imagem de abertura e tolerância, mesmo que a opressão política imposta pelo governo do presidente Abdel Fattah al-Sisi tenha causado uma das piores crises de direitos humanos do país em décadas.
Várias fontes informaram à Human Rights Watch que as autoridades egípcias, por meio dos Ministérios do Meio Ambiente e das Relações Exteriores, pediram a vários grupos egípcios, em reuniões fechadas, que participem dos eventos da COP27, principalmente sobre temas “bem-vindos”. O Secretariado da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças do Clima disse à Human Rights Watch que concedeu uma admissão especial para participar da COP27 – fora do processo usual de credenciamento – para mais de 30 grupos egípcios, todos “endossados” pelo governo do país.
Espaço de protesto: em entrevista à Associated Press em 24 de maio, o ministro das Relações Exteriores do Egito, Sameh Shoukry, disse que seu governo planeja designar “uma instalação adjacente ao centro de conferências” em Sharm el-Sheikh, na Península do Sinai, onde a reunião será realizada, para os ativistas poderem realizar protestos e expressar suas opiniões. Ele também disse que o governo dará aos participantes “acesso, como é tradicionalmente feito em um dos dias das negociações, à sala de negociação em si”. Dadas as restrições existentes a protestos e reuniões no Egito, que equivalem a uma efetiva criminalização, os comentários do ministro das Relações Exteriores implicam que as autoridades egípcias não tolerarão protestos fora desse espaço “designado pelo governo”.
Represálias: mesmo que as autoridades egípcias não impeçam o acesso ou protestos durante a COP27, experiências passadas sugerem que os temores de represálias contra os ativistas egípcios após a conclusão da COP27 são bem fundamentados. As autoridades processaram ou puniram de forma diversa, inclusive por meio de proibições de viagens e congelamento de bens, muitos defensores de direitos humanos e jornalistas independentes por se envolverem com mecanismos da ONU e funcionários estrangeiros, ou criticarem o governo.
Vigilância e outras restrições de segurança: Considerando que as forças de segurança no Egito em grande parte não são responsabilizadas por abusos e agem acima da lei, a perspectiva de vigilância física e digital contra os participantes da COP27 é real. As forças de segurança do Egito identificam pessoas LGBT em aplicativos de namoro de pessoas do mesmo sexo e redes sociais. Pessoas LGBT são presas e processadas com base em evidências digitais que a polícia encontra ao revistar seus dispositivos pessoais, e muitas enfrentam tortura durante a detenção. O risco de armadilha e segmentação digital contra participantes LGBT durante e após a COP27 pode ser maior.
Quando o Egito sediou a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos em abril e maio de 2019, também em Sharm el-Sheikh, onde a COP27 está sendo realizada, ativistas africanos relataram uma série de abusos. Dezenas de participantes relataram que as autoridades atrasaram ou impediram a obtenção de vistos ou atrasaram a entrega dos crachás necessários para participar da cúpula oficial. Muitos disseram que foram seguidos e espionados, e alguns relataram que sofreram agressões físicas por agentes de segurança egípcios. Eles também disseram que os hotéis não permitiam o aluguel de salas de reunião, citando “instruções de segurança”.
Acesso à informação: desde 2017, as autoridades egípcias bloquearam o acesso a cerca de 700 sites, incluindo as poucas remanescentes plataformas de imprensa independentes e sites de direitos humanos que ainda existiam no país. As autoridades também bloquearam temporariamente milhares de sites e aplicativos de mensagens de texto e chamadas durante eventos que resultaram em grandes protestos, como os protestos de rua de 2019. Essa censura maciça, juntamente com prisões e processos sistemáticos contra jornalistas, restringiu severamente o acesso a informações e reportagens sobre temas considerados proibidos pelo governo, incluindo questões ambientais.
Desde que os militares removeram à força o presidente Mohamed Morsy em julho de 2013, o governo do presidente Abdel Fattah al-Sisi, então ministro da Defesa, tem perseguido implacavelmente críticos, dissidentes, jornalistas e ativistas políticos e de direitos humanos. A repressão em massa a opositores incluiu assassinatos em massa de centenas de manifestantes pacíficos em 2013, que possivelmente se enquadrariam como crimes contra a humanidade, bem como a prisão e julgamento de dezenas de milhares de pessoas por motivos políticos.
Sob o pretexto de combater o terrorismo, agências de segurança, particularmente a Agência de Segurança Nacional do Ministério do Interior, têm realizado abusos desenfreados, incluindo tortura sistemática e generalizada e desaparecimentos forçados, todos com impunidade quase absoluta, aparentemente como parte de uma política estatal para reprimir a oposição pacífica, possivelmente equivalente a crimes contra a humanidade. As forças do Ministério do Interior também mataram dezenas de supostos terroristas em execuções extrajudiciais disfarçadas de tiroteios. As autoridades também rotularam virtualmente todos os opositores pacíficos como terroristas e processaram centenas deles perante tribunais extraordinários de emergência militares ou de terrorismo.
Desde 2014, sob o governo do presidente al-Sisi, o Egito está quase todos os anos entre os três piores países do mundo em número de jornalistas presos, de acordo com registros do Comitê para a Proteção de Jornalistas, uma organização internacional que promove a liberdade de imprensa e defende os direitos de jornalistas. O Egito também foi classificado em 2021 como o terceiro pior país em número de execuções. O presidente al-Sisi emitiu leis que prejudicaram gravemente a independência do judiciário. Milhares de pessoas, incluindo crianças, foram processadas em julgamentos em massa, em processos injustos sem quaisquer semelhanças com o devido processo legal, resultando em longas sentenças de prisão e números sem precedentes de sentenças de morte.
No Sinai do Norte, adjacente a Sharm el-Sheikh, onde a COP27 está sediada, os militares e a polícia egípcia cometeram abusos flagrantes e crimes de guerra, incluindo vários incidentes de execuções extrajudiciais, enquanto combatiam um grupo relativamente pequeno afiliando ao Estado Islâmico.
O Egito prende e detém arbitrariamente pessoas com base em sua orientação sexual ou identidade de gênero e as submete a tortura e maus-tratos sob detenção, incluindo exames anais forçados. Em março de 2020, durante sua terceira Revisão Periódica Universal no Conselho de Direitos Humanos da ONU, o Egito rejeitou as recomendações de vários Estados para acabar com as prisões e a discriminação com base na orientação sexual e identidade de gênero. O Egito respondeu que “não reconhece os termos mencionados nesta recomendação”, negando a existência de pessoas LGBT.
Desde 2014, as autoridades egípcias têm intensificado as restrições a grupos de direitos humanos e ambientais em uma das mais duras repressões governamentais em décadas, resultando em espaço reduzido para organização e reuniões independentes.
As políticas cada vez mais repressivas reduziram severamente a capacidade dos grupos ambientalistas de realizar um trabalho independente essencial para proteger o meio ambiente do país e contribuir com a formulação de políticas. Os grupos têm enfrentado ameaças de segurança e táticas de intimidação, incluindo prisões e proibições de viagens, criando uma atmosfera geral de medo.
As restrições ao recebimento de financiamento afetaram gravemente os grupos de direitos humanos e ambientais. Desde 2014, várias leis, incluindo uma emenda de 2014 ao código penal, bem como as antigas e novas leis sobre grupos não governamentais, restringem arbitrariamente fundos e doações de fontes estrangeiras e nacionais.
De forma crescente desde 2014, o governo tem processado dezenas de organizações independentes de direitos humanos e da sociedade civil, algumas delas com trabalho ambiental, por receber fundos estrangeiros; e impôs proibições de viagens e congelamento de bens a líderes ativistas. Esses processos tiveram um impacto assustador sobre esses grupos.
A repressão do governo forçou dezenas dos principais ativistas e grupos da sociedade civil do Egito, incluindo aqueles que trabalham com questões ambientais e de direitos humanos, a deixar o país ou a diminuir ou abandonar seu ativismo. Várias organizações estrangeiras de direitos humanos e ambientais fecharam seus escritórios no Egito desde 2014.
- Por que a participação da sociedade civil e dos povos indígenas é essencial para o sucesso da COP27?
A ação climática eficaz exige que mais pessoas expressem suas opiniões e saiam pacificamente às ruas, não menos. Uma ação climática robusta e que respeite os direitos requer a participação plena e significativa da sociedade civil, incluindo crianças e jovens ativistas. Isso inclui aqueles que estão na linha de frente da crise climática e as populações sob maior risco das consequências das mudanças climáticas, incluindo povos indígenas, pessoas com deficiência e idosas, crianças e jovens, mulheres, pessoas LGBT, minorias e pessoas que vivem em situação de pobreza.
O Egito está aumentando ativamente a produção doméstica de petróleo e gás, seu uso e capacidade de exportação, com planos de se tornar um exportador significativo de Gás Natural Liquefeito (GNL). O Egito é responsável por mais de um terço do consumo total de gás metano na África e é o segundo maior produtor de gás do continente, e está realizando esforços para aumentar o consumo de gás em quase todos os setores. Embora o Egito tenha atualizado sua Contribuição Nacionalmente Determinada em julho de 2022, o Climate Action Tracker ainda classifica as metas e políticas climáticas gerais do Egito como “altamente insuficientes”. Essa classificação indica que essas metas não são consistentes com os objetivos do Acordo de Paris, inclusive porque o Egito poderia facilmente atingir suas fracas metas de emissões agora, sem introduzir novas políticas.
Há uma falta geral de dados e informações sobre muitos aspectos das mudanças climáticas no Egito. As autoridades egípcias efetivamente proíbem jornalistas e defensores dentro do país de pesquisar questões ambientais sensíveis. Eles estão impedidos de estudar o impacto nas comunidades locais e o custo ambiental das operações de combustíveis fósseis, incluindo operações de produção, refino e exportação. Eles também estão impedidos de determinar o impacto da vasta e pouco transparente atividade comercial dos militares no Egito, como formas depredatórias de exploração em pedreiras, fábricas para o engarrafamento de água e outras de cimento, bem como de projetos de infraestrutura “nacionais”, como uma nova capital administrativa, muitos dos quais estão associados ao gabinete do presidente ou aos militares.
Ao mesmo tempo, o governo critica o Norte Global e sua contribuição para as mudanças climáticas e incentiva o envolvimento de grupos egípcios em questões relacionadas porque se conectam à narrativa e os interesses do governo, enquanto suas próprias políticas sobre clima e meio ambiente permanecem sem controle.
Representantes da sociedade civil e dos povos indígenas há muito lutam por seu direito de participar das negociações climáticas. Por exemplo, na COP24 em Katovice, o governo polonês impediu a entrada de alguns ativistas do clima no país e revistou alguns deles em seus quartos de hotel. Na COP26 em Glasgow, os observadores tiveram dificuldade para acessar as salas de negociação, online e presencialmente.
- O que o governo egípcio deveria fazer para permitir uma participação plena e significativa na COP27?
As autoridades egípcias deveriam diminuir o controle do espaço cívico e defender os direitos à liberdade de expressão, associação e reunião pacífica para permitir uma cúpula climática bem-sucedida.
As autoridades egípcias deveriam libertar imediata e incondicionalmente as pessoas detidas arbitrariamente apenas pelo exercício pacífico de seus direitos humanos ou por sua religião, identidade de gênero ou orientação sexual. As autoridades também deveriam alterar as leis domésticas para alinhá-las com as obrigações do Egito sob o direito internacional. Deveriam revogar ou alterar substancialmente as leis que restringem e criminalizam indevidamente o exercício dos direitos humanos, incluindo a Lei nº 107 sobre protestos, Lei nº 10 sobre reuniões e a Lei de 2019 sobre Regulamentação do Trabalho das Associações Civis, conhecida como Lei das ONGs. As autoridades deveriam comprometer-se a defender o direito à liberdade de reunião pacífica em todos os momentos, inclusive durante eventos internacionais, e abster-se de limitar indevidamente os protestos a uma área específica designada.
- O que os Estados membros da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima e o Secretariado deveriam fazer para pressionar o Egito a acabar com os abusos de direitos humanos?
O Secretariado da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima deveria trabalhar com o governo egípcio para fornecer espaço de participação diversificada da sociedade civil nas negociações sobre o clima. Isso inclui garantir que as instalações sejam inclusivas e acessíveis a todos, e que os observadores, incluindo grupos críticos ao governo, tenham acesso ao registro e às negociações e possam protestar e expressar suas posições livremente.
Os Estados membros da ONU que participam da COP27 deveriam instar as autoridades egípcias a acabar com as limitações à liberdade de reunião, associação e expressão, e tomar outras medidas significativas para garantir a participação segura e significativa da sociedade civil. Os Estados deveriam recomendar reformas estruturais concretas para garantir que as mudanças positivas perdurem além da COP27.