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Se o Brasil deseja ingressar na OCDE precisa proteger os defensores do meio ambiente

Publicado em: Valor Econômico

O mundo ficou chocado com os assassinatos do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, exonerado do cargo de coordenador-geral de Índios Isolados e de Recém Contatados da Fundação Nacional do Índio (Funai) logo após a posse do presidente Jair Bolsonaro. 

Parlamentares britânicos pediram ao então primeiro-ministro Boris Johnson que tornasse o caso uma “prioridade diplomática”. O governo dos Estados Unidos pediu justiça. E o Escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas instou o Brasil a fortalecer as agências responsáveis pela proteção dos povos indígenas, seus territórios e do meio ambiente. 

Dom e Bruno estão longe de ser os primeiros defensores da Amazônia a serem assassinados na região. Só em 2021, 28 pessoas foram mortas na Amazônia no contexto de conflitos pelo uso da terra e de recursos naturais, segundo a Comissão Pastoral da Terra. O problema da violência e da impunidade é, portanto, muito maior em toda a Amazônia e só piorou durante o governo do presidente  Bolsonaro. Mas a comunidade internacional vem se mostrando cada vez mais atenta. Em 7 de julho, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução, exigindo que “as autoridades brasileiras tomem medidas imediatas para prevenir violações dos direitos humanos e proteger os defensores do meio ambiente e dos povos indígenas”.

É por isso também que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – em um movimento que pode ter consequências importantes para o engajamento do Brasil na economia mundial – insistiu no combate à violência e à impunidade e na proteção dos direitos dos povos indígenas como princípios fundamentais do “roadmap” que o Brasil deverá seguir caso pretenda tornar-se membro do grupo. 

O roadmap enfatiza que o Brasil deve “adotar e implementar integralmente políticas públicas alinhadas a seus objetivos climáticos, incluindo reverter e interromper a perda de biodiversidade e o desmatamento, conforme acordado durante a COP26” – a conferência de mudanças climáticas da ONU realizada em 2021 em Glasgow. Reflete ademais o compromisso assumido em Glasgow de “frear e reverter a perda de biodiversidade, o desmatamento e a degradação da terra até 2030”. 

Além disso, a OCDE examinará, como parte da avaliação geral sobre possível adesão do Brasil, se o governo está “fortalecendo a capacidade das agências ambientais”, “lutando contra a impunidade por violações das leis ambientais” e “incentivando a participação da sociedade civil nos esforços [de fiscalização ambiental]”. 

Por fim, a OCDE considerará se o país está “respeitando e implementando os direitos dos povos indígenas e comunidades locais” e “garantindo que atos de violência e intimidação contra defensores do meio ambiente sejam rigorosamente investigados”. A inclusão desses critérios reflete o entendimento crucial de que não conseguiremos proteger nossas florestas sem também proteger as pessoas que estão na linha de frente dos esforços para salvá-las. 

A importante decisão da OCDE de incorporar essas questões se deu após mais de dois anos de incidência por organizações independentes, incluindo a nossa, junto a Estados-membros, no sentido de garantir que, como parte do processo de adesão, a OCDE insista que o Brasil proteja a Amazônia e seus defensores. Trabalhamos ainda com outras organizações pedindo à OCDE que garanta que o processo de adesão fortaleça a democracia e os esforços anticorrupção no Brasil. Em uma carta pública com a Transparência Internacional, o WWF e a Anistia Internacional, destacamos políticas e ações brasileiras que são incompatíveis com as diretrizes da OCDE sobre o fortalecimento do Estado de Direito.

Cumprir o roadmap exigirá que o Brasil abandone as desastrosas políticas ambientais do presidente Bolsonaro. Desde que assumiu o cargo, há três anos, o governo tem sabotado as agências de fiscalização ambiental. Ele dificultou a participação de grupos da sociedade civil na formulação de políticas públicas, bem como manteve uma postura hostil em relação aos povos indígenas, apoiando iniciativas legislativas que restringiriam arbitrariamente seus direitos sobre seus territórios – entre os mais protegidos da Amazônia. E sem provas, culpou pequenos agricultores, brigadistas voluntários, indígenas e grupos ambientalistas pela destruição da Amazônia. 

A Constituição Federal reconhece o direito dos povos indígenas às “terras que tradicionalmente ocupam”. A demarcação – e, portanto, a proteção – dos territórios indígenas devem ser asseguradas por meio de decreto presidencial. Com pelo menos 240 procedimentos de demarcação pendentes, o presidente Bolsonaro interrompeu os procedimentos e não demarcou nenhum território sequer.  

As políticas do governo deram, na prática, sinal verde às redes criminosas que estão impulsionando grande parte do desmatamento da Amazônia. Esses grupos atacam e intimidam os defensores da floresta, sejam eles agentes ambientais, indígenas ou outros moradores. Os responsáveis pela violência quase nunca são levados à justiça. 

Se o Brasil continuar no caminho de destruição da floresta amazônica, colocará em risco sua candidatura à OCDE. Ainda mais importante, arriscará produzir consequências catastróficas para os defensores das florestas e das comunidades indígenas, bem como para os esforços globais que buscam evitar os piores efeitos da crise climática.

 

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