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Alison Quinotoa olha seu celular enquanto recebe aulas pela internet, em sua casa em La Josefina, Equador, em setembro de 2020, devido ao fechamento de sua escola por causa da pandemia de Covid-19 © 2020 AP Photo / Dolores Ochoa
  • O fechamento de escolas devido à Covid afetou de forma desigual as crianças, pois nem todas possuem as oportunidades, ferramentas ou acesso necessários para continuar aprendendo durante a pandemia. 
  • Para milhões de estudantes, o fechamento das escolas não será uma interferência temporária em sua educação, mas o fim abrupto dela. 

  • A educação deve estar no centro dos planos de recuperação de todos os governos, e torná-la gratuita e acessível a todas as crianças em todo o mundo. 

(Londres) - Os governos devem agir rapidamente para reparar os danos causados à educação das crianças devido a interrupção de aulas por causa da pandemia de Covid-19, disse a Human Rights Watch em um relatório divulgado hoje. O relatório da Human Rights Watch contém um recurso interativo que explora obstáculos frequentes à educação que foram agravados durante a pandemia. 

 

O relatório de 125 páginas, “‘Os anos não esperam por eles: Aumento das desigualdades no direito à educação das crianças devido à pandemia de Covid-19”, documenta como o fechamento de escolas por causa da Covid afetou as crianças de forma desigual, já que nem todas possuíam oportunidades, ferramentas ou acesso necessários para continuar aprendendo durante a pandemia. A intensa dependência do ensino à distância exacerbou a já desigual distribuição de apoio à educação, concluiu a Human Rights Watch. Muitos governos não tinham políticas, recursos ou infraestrutura para implementar o ensino à distância de uma forma que garantisse que todas as crianças pudessem participar em condições de igualdade. 

“Com milhões de crianças privadas do direito à educação durante a pandemia, agora é a hora de fortalecer a proteção do direito à educação através da reconstrução de sistemas educacionais de melhor qualidade, mais equitativos e robustos”, disse Elin Martinez, pesquisadora sênior em educação da Human Rights Watch. “O objetivo não deve ser apenas retornar a como as coisas eram antes da pandemia, mas corrigir as falhas nos sistemas que há muito impedem as escolas de serem abertas e acolhedoras para todas as crianças.” 

A Human Rights Watch entrevistou mais de 470 alunos, pais e professores em 60 países entre abril de 2020 e abril de 2021. 

“A professora deles me ligou para me dizer para comprar um grande telefone [smartphone] para ensino online”, disse uma mãe de sete filhos em Lagos, Nigéria, que perdeu sua renda quando a universidade onde trabalhava na área da limpeza fechou devido à pandemia. “Não tenho dinheiro para alimentar minha família e estou lutando para sobreviver. Como posso pagar por um telefone e internet?”. 

Em maio de 2021, 26 países tinham fechado escolas em todo território nacional e em outros 55 países, escolas permaneceram parcialmente abertas, seja apenas em alguns locais ou apenas para alguns níveis de ensino. Estima-se que 90% das crianças em idade escolar no mundo tiveram sua educação interrompida pela pandemia, segundo a UNESCO

Para milhões de estudantes, o fechamento de escolas não será uma interferência temporária em sua educação, mas o fim abrupto dela, disse a Human Rights Watch. Crianças começaram a trabalhar, casaram-se, tornaram-se pais, ficaram desiludidos com a educação, concluíram que não conseguem recuperar o tempo perdido ou perderam a escolaridade gratuita ou obrigatória garantida pelas leis do seu país. 

Mesmo para os alunos que voltaram ou que voltarão às suas salas de aula, a evidência sugere que nos próximos anos eles continuarão a sentir as consequências da perda de aprendizado durante a pandemia. 

Os prejuízos à educação de muitas crianças têm como base problemas pré-existentes: uma em cada cinco crianças estava fora da escola antes mesmo de Covid-19 começar a se espalhar, de acordo com dados da ONU. O fechamento de escolas induzido pela Covid tendeu a prejudicar particularmente os estudantes de grupos que enfrentavam discriminação e exclusão da educação mesmo antes da pandemia. 

Isso inclui crianças que vivem em situação de pobreza ou em risco de pobreza; crianças com deficiência; minorias étnicas e raciais em um país; meninas em países com desigualdades de gênero; crianças lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT); crianças em áreas rurais ou áreas afetadas por conflitos armados; e crianças deslocadas, refugiadas, migrantes e requerentes de asilo. 

“Os governos tinham anos de evidências robustas mostrando exatamente quais grupos de crianças tinham maior probabilidade de sofrer educacionalmente durante o fechamento das escolas, e ainda assim essas crianças enfrentaram alguns dos maiores obstáculos para continuar seus estudos”, disse Martinez. “Apenas reabrir escolas não irá desfazer os danos, nem mesmo garantir que todas as crianças retornarão à escola.” 

As escolas entraram na pandemia mal preparadas para oferecer educação remota a todos os estudantes de forma igualitária, concluiu a Human Rights Watch. Isso se deve ao fracasso de longo prazo dos governos em remediar a discriminação e as desigualdades em seus sistemas educacionais ou em garantir serviços governamentais básicos, como eletricidade estável e acessível nas residências, ou facilitar o acesso à internet com preços acessíveis. 

Crianças de famílias de baixa renda estavam mais propensas a serem excluídas do aprendizado online porque não tinham acesso à internet ou dispositivos suficientes. Particularmente as escolas que já sofriam com um histórico de poucos recursos e com estudantes que já enfrentavam obstáculos de aprendizado maiores tiveram dificuldades para alcançá-los em meio às barreiras digitais. Os sistemas de educação muitas vezes falham em fornecer treinamento em alfabetização digital para alunos e professores a fim de garantir que eles possam usar essas tecnologias com segurança e confiança. 

A educação deveria estar no centro dos planos de recuperação de todos os governos, disse a Human Rights Watch. Os governos deveriam enfrentar tanto o impacto da pandemia na educação das crianças, quanto os problemas pré-existentes. À luz da forte pressão financeira que a pandemia impôs sobre as economias nacionais, os governos devem proteger e priorizar o financiamento da educação pública. 

Os governos precisam retomar rapidamente os compromissos assumidos em 2015, por meio dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, para garantir que todas as crianças recebam uma educação primária e secundária inclusiva de qualidade até 2030, disse a Human Rights Watch. Deveriam   trabalhar intensamente para garantir que as crianças sob maior risco de evasão escolar ou de enfrentar obstáculos voltem à escola. 

Os governos e as escolas deveriam analisar quem abandonou a escola e quem voltou, e garantir que os programas de volta às aulas busquem todos aqueles que evadiram, inclusive fornecendo benefícios financeiros e sociais. O alcance das campanhas de volta às aulas deve ser amplo e acolher crianças e jovens que já estavam fora da escola quando as escolas tiveram que fechar. 

Todos os governos, e os doadores e atores internacionais que os apoiam, deveriam ser firmes em seus compromissos de fortalecer sistemas de educação pública inclusivos. Construir sistemas de melhor qualidade requer investimento adequado e distribuição igualitária de recursos, bem como remover rapidamente políticas e práticas discriminatórias, adotar planos para reparar o direito à educação para milhões de estudantes e fornecer internet de baixo custo, estável e acessível para todos os alunos. 

“A educação das crianças foi prejudica em um esforço para proteger a vida de todos do coronavírus”, disse Martinez. “Para compensar o sacrifício das crianças, os governos deveriam finalmente enfrentar o desafio e urgentemente tornar a educação gratuita e acessível para todas as crianças em todo o mundo”. 

Décadas de progresso lento – embora estável – pela educação de cada vez mais crianças em todo o mundo terminaram abruptamente em 2020. Em abril, um número sem precedentes de 1,4 bilhão de estudantes foram excluídos de suas escolas pré-primárias, primárias e secundárias em mais de 190 países, em um esforço para enfrentar a disseminação do novo coronavírus, de acordo com a UNESCO. Escolas em alguns países reabriram posteriormente, ou abriram parcialmente, enquanto em outros lugares não houve retorno às aulas presenciais desde então. Durante o fechamento das escolas, na maioria dos países, a educação tornou-se online ou foi ministrada de outra forma remota, mas com grandes diferenças no sucesso e na qualidade. Questões como acesso à internet, conectividade, acessibilidade, preparação do material, treinamento de professores e situações em casa, influenciaram fortemente na viabilidade do aprendizado remoto. 

A Human Rights Watch encontrou tendências e padrões comuns entre os países, mas não fez descobertas generalizadas sobre como a pandemia afetou a educação e outros direitos das crianças  em países individuais. Pessoas foram entrevistadas em 60 países: Armênia, Austrália, Bangladesh, Bélgica, Brasil, Burkina Faso, Camboja, Camarões, Canadá, República Centro-Africana, Chile, China, Costa Rica, Croácia, República Democrática do Congo, Dinamarca, Equador, Finlândia, França, Alemanha, Gana, Grécia, Guatemala, Índia, Indonésia, Irã, Iraque, Israel, Itália, Japão, Jordânia, Cazaquistão, Quênia, Quirguistão, Líbano, Madagascar, México, Marrocos, Nepal, Holanda, Nova Zelândia, Nigéria, Papua Nova Guiné, Paquistão, Polônia, Rússia, Sérvia, África do Sul, Coréia do Sul, Espanha, Sudão, Suécia, Suíça, Síria, Tailândia, Uganda, Reino Unido, Estados Unidos, Venezuela e Zâmbia. 

Testemunhos selecionados do relatório 

Um professor de ensino médio na zona rural da Califórnia, nos Estados Unidos, disse: “Muitos desses problemas que enfrentamos com o ensino à distância são problemas que enfrentamos todos os dias na sala de aula: falta de internet em casa, falta de recursos, falta de apoio dos pais em casa, caos em casa, falta de rotina em casa, incerteza quanto à alimentação, incerteza quanto à moradia. Esses não são problemas novos. Eles simplesmente se tornaram muito, muito aparentes quando, de repente, os professores se sentaram na primeira fila para vê-los nas casas dessas crianças através do Zoom ou pelo fato de que elas não estavam na escola”. 

Uma estudante de 16 anos de Garissa, no Quênia, disse que quando sua escola não ofereceu nenhuma orientação sobre como estudar durante o fechamento, ela tentou entrar em contato com um professor. “Ele disse que não poderia ir para a casa de ninguém, mas eles poderiam ir para a casa dele. Como meninas, temíamos ir para a casa dele, mas ouvi dizer que os meninos têm ido”. Ela disse que às vezes assistia às aulas pela televisão, mas não conseguia assistir a todas por causa das tarefas domésticas, pois mora com duas avós que dependem de seus cuidados. “Ajudá-las toma uma parte significativa do meu dia. Minhas tarefas aumentaram, é claro, porque as escolas fecharam”. 

Uma mãe na Armênia disse que seu filho do 7º ano, que tem deficiência auditiva, frequenta aulas de Zoom usando um smartphone: “É muito difícil para ele ver a linguagem de sinais pelo telefone (...) Imagine assistir no telefone (...) [e imagine também a tela do telefone dividida em sete”. 

No Cazaquistão, um menino de 16 anos disse que sua escola queria dar aulas através do Zoom, mas a internet não era capaz de suportá-lo: “Houve falhas de conexão e mau funcionamento da internet”. 

Um pai em Mumbai, Índia, que tem dois filhos, disse: “Temos um computador na família. Minha esposa e eu estamos trabalhando em casa, então precisamos disso. Agora as duas crianças têm aulas, então precisam estar no computador. Duas crianças com aulas ao mesmo tempo, então, na verdade, precisamos de dois computadores. Estamos tendo cortes salariais, como podemos comprar outro laptop? Então, uma criança está faltando às aulas”. 

Um professor da segunda série de uma escola perto de Potsdam, Alemanha, disse: “Veio o anúncio de que o Skype seria instalado nos computadores da escola, para que os professores pudessem usá-lo para manter contato com alunos e pais (...). Descobriu-se que os computadores da escola não tinham câmeras, então o assunto foi encerrado (...). As condições para os professores trabalharem online ou no computador não são oferecidas, o que limita a capacidade dos professores de fornecer educação aos alunos enquanto as escolas estão fechadas”. 

Um professor de uma escola particular de ensino médio em São Paulo, Brasil, que ele descreveu como “extremamente privilegiada”, disse que já ensinava usando uma plataforma digital há cinco anos: “Então eu ensino da mesma forma que ensinava antes (...). No meu mundo, as coisas são muito fáceis.” 

No Nepal, um menino de 14 anos começou a trabalhar quando sua escola fechou e sua família ficou sem comida. “Por um tempo pensei que voltaria quando a escola reabrisse, mas não acho mais isso”, disse ele. “Eu gosto de dirigir e ganhar dinheiro, então o que vou fazer voltando para a escola agora? Mesmo se eu voltar para a escola, não será por muito tempo. ” 

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