(Joanesburgo) – As autoridades de Moçambique devem retirar uma proposta de lei sobre as organizações sem fins lucrativos, que poderá prejudicar o trabalho dos grupos da sociedade civil e o direito à liberdade de associação no país, anunciou hoje a Human Rights Watch.
O governo diz que a proposta de lei que regula a criação, organização e funcionamento das organizações sem fins lucrativos visa combater a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo, em resposta aos combates entre as forças de segurança nacionais e o grupo armado ligado ao Estado Islâmico (ISIS), conhecido localmente como Al-Shabab ou Mashababos, no norte do país. A proposta de lei permite uma interferência excessiva por parte do governo nos assuntos dos grupos não-governamentais, concedendo-lhe inclusivamente autoridade para encerrar uma organização.
“As autoridades moçambicanas não devem usar a luta contra o Al-Shabab local como desculpa para reprimir as organizações da sociedade civil”, disse Ashwanee Budoo-Scholtz, diretora adjunta para África da Human Rights Watch. “O governo deve retirar imediatamente a proposta de lei sobre as organizações sem fins lucrativos do parlamento.”
O Parlamento deverá aprovar a lei durante a sessão que começa em 22 de fevereiro de 2023. O governo moçambicano aprovou a proposta de lei em setembro de 2022, após o Grupo de Ação Financeira (GAFI), uma influente organização intergovernamental que supervisiona os esforços dos países para combater o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, ter apertado a vigilância a Moçambique em 2021.
Em outubro de 2022, o grupo de ação adicionou Moçambique à sua “lista cinzenta”, desencadeando possíveis sanções económicas de instituições internacionais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, bem como um enfraquecimento do comércio. Entre outras recomendações, o GAFI recomendou que Moçambique avaliasse o risco de as organizações sem fins lucrativos se tornarem frentes de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo. No entanto, os principais grupos da sociedade civil do país criticaram a proposta de lei, acusando-a de ser uma ferramenta do governo para silenciar os críticos pacíficos, incluindo as organizações não-governamentais.
Paula Monjane, diretora executiva do Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil (CESC), disse à Human Rights Watch: “O governo está propositadamente a tentar fechar as portas das organizações que lutam pela transparência e pela boa governação”.
Edson Cortez, diretor executivo do Centro de Integridade Pública, disse que “Esta é uma tentativa de controlar as organizações da sociedade civil, num contexto em que a Frelimo [o partido no poder] sente que as únicas vozes estruturadas que apresentam argumentos contra a sua governação estão na sociedade civil”.
A proposta de lei contém vários artigos que infringem a Constituição moçambicana e os instrumentos regionais e internacionais em matéria de direitos humanos dos quais Moçambique é parte, incluindo a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, as Diretrizes da Comissão Africana sobre Liberdade de Associação e Reunião e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
O artigo 12.º da proposta de lei exige “a existência de um mínimo de 10 membros maiores de 18 anos” para a criação de uma organização não governamental nacional. Este requisito viola as Diretrizes da Comissão Africana sobre Liberdade de Associação e Reunião, que estabelecem que “não é necessário mais do que duas pessoas para fundar uma associação”.
O artigo 33.º exige que as organizações não-governamentais nacionais apresentem, anualmente, prova de bom e regular funcionamento, incluindo a contabilização dos seus fundos e atividades. Nos termos do artigo 36.º, o Ministério da Justiça, e não um tribunal, tem a capacidade de dissolver qualquer organização que não apresente esta informação.
As Diretrizes da Comissão Africana estabelecem que a suspensão de uma associação por uma “grave violação da legislação nacional (...) só pode ser tomada após a ordem judicial e a dissolução apenas, após um procedimento judicial completo e o esgotamento de todos os mecanismos de recurso disponíveis.”
“O governo atribui-se a si próprio o poder de extinguir associações naquilo que é uma clara violação tanto da Constituição de Moçambique como da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos”, disse Adriano Nuvunga do Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD). “[Esta proposta de lei] vem silenciar o espaço cívico e a democracia em Moçambique.”
As resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas exigem que os países criminalizem o financiamento do terrorismo. No entanto, o Conselho de Segurança e a força-tarefa do GAFI também alertaram para a necessidade de estas medidas respeitarem plenamente os direitos à liberdade de expressão e associação, inclusive no que diz respeito ao trabalho das organizações da sociedade civil.
Em 2016, após anos de críticas de organizações não-governamentais em todo o mundo de que os governos estão a fazer uso de medidas de combate ao financiamento do terrorismo para restringir o seu trabalho, a força-tarefa reviu as suas diretrizes sobre os riscos relacionados com o sector sem fins lucrativos e começou a informar os países de que “[n]em todas as organizações sem fins lucrativos são de alto risco e algumas podem representar pouco ou nenhum risco”. No entanto, as interações da força-tarefa com os governos sobre a adoção ou alteração das leis de combate ao financiamento do terrorismo continuam a ser opacas e estas leis continuam a ter um efeito destrutivo para a sociedade civil, dizem os críticos.
A Comissão Africana deve pressionar o governo de Moçambique a respeitar as diretrizes do órgão regional e garantir que toda a legislação nacional está alinhada com as obrigações regionais do país, disse a Human Rights Watch. Os parceiros internacionais, incluindo o GAFI, devem alertar o governo moçambicano para os danos que a proposta de lei representa para os grupos da sociedade civil e instar o governo a retirá-la imediatamente.
“O governo de Moçambique deve garantir que todas as leis do país são conformes às normas internacionais e regionais”, disse Budoo-Scholtz. “Mesmo que o governo nunca aja contra um grupo não-governamental, o mero facto de esta lei existir poderá ter um grave efeito inibidor no que diz respeito aos direitos de liberdade de expressão e associação no país.”