Síntese
Numa tarde de sexta-feira, em outubro de 2015, Luciana Caroline Albuquerque Bezerra, secretária executiva de vigilância em saúde do estado de Pernambuco, recebeu um telefonema de seu chefe, o secretário de saúde do estado. Dois neurologistas pediátricos que atendiam em hospitais diferentes o haviam procurado para reportar um fenômeno estranho: ambos tinham notado um aumento no número de bebês nascidos com microcefalia — na qual a circunferência da cabeça do bebê é significativamente menor que a média, algo associado ao desenvolvimento incompleto do cérebro. Na segunda-feira seguinte, ficou claro que algo estava seriamente errado. A secretaria estadual de saúde instituiu uma notificação compulsória ao sistema de vigilância de novos casos de bebês nascidos com microcefalia. Luciana ficou chocada quando instituições de todo o estado reportaram 600 novos casos antes do fim de novembro, quando em um ano típico o número de casos registrados não passa de uma dúzia. Ela concluiu que era o princípio de uma nova epidemia — mas ainda não havia descoberto sua origem.
A poucas centenas de quilômetros, no estado da Paraíba, Adriana Melo, médica especializada em gravidez de alto risco, estava acompanhando as notícias de Pernambuco. Ela havia atendido duas mulheres grávidas em um curto período de tempo, cujos ultrassons apresentavam desenvolvimento incomum do cérebro fetal — microcefalia e outras complicações. Ela coletou amostras do líquido amniótico de ambas as pacientes e as enviou para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), uma instituição científica no Rio de Janeiro, para análise. Ambas as amostras deram positivo para o vírus Zika, estabelecendo a primeira ligação concreta entre a microcefalia e a doença transmitida por mosquitos.
Ninguém tem certeza exatamente quando ou como o vírus Zika foi introduzido no nordeste brasileiro, mas as condições para sua rápida disseminação são ideais. O Zika é transmitido predominantemente através da picada de um mosquito Aedes aegypti infectado, que se proliferou de forma desenfreada no clima quente e úmido dos estados nordestinos. Pesquisas sugerem que o fenômeno climático El Niño em 2015, ocorrido no contexto das mudanças climáticas e de aumento constante das temperaturas, favoreceu a transmissão do Zika. Ser a região mais pobre do país, e décadas de escassez de investimentos em serviços públicos de água e esgoto exacerbaram a proliferação do mosquito, que também pode transmitir outros sérios vírus, incluindo dengue, chikungunya e febre amarela. O surto ocorreu num momento em que o país enfrentava sua pior recessão econômica em décadas, forçando as autoridades a tomarem decisões difíceis sobre a alocação de recursos na resposta.
A dengue já estava presente no Brasil há décadas, então quando centenas de milhares de pessoas com o que se pensava ser um caso mais ameno de dengue começaram a chegar nas clínicas de saúde no fim de 2014, houve preocupação, mas não uma surpresa — isso até surgir a onda de crianças nascidas com microcefalia. Os governos estaduais da região tentaram responder rapidamente e, em novembro de 2015, o governo brasileiro declarou uma emergência de saúde nacional à medida que os casos de microcefalia aumentavam. Em fevereiro de 2016, a Organização Mundial da Saúde declarou uma emergência global de saúde pública em resposta à disseminação de Zika. Até maio de 2017, o vírus já havia sido detectado em 85 países e territórios do mundo.
Quase um ano depois que os médicos deram o alarme, a Human Rights Watch começou uma pesquisa em Pernambuco e na Paraíba—dois dos estados mais atingidos pelo vírus— para entender os impactos do surto de Zika nos direitos humanos de mulheres e meninas e em crianças com a Síndrome de Zika. Conversamos com mais de 180 pessoas, incluindo mais de vinte mães de crianças com Síndrome de Zika e 44 mulheres e meninas grávidas ou que tiveram bebês durante a epidemia.
Descobrimos que o surto do vírus Zika no Brasil impactou desproporcionalmente as mulheres e as meninas e agravou antigos problemas de direitos humanos, incluindo o acesso inadequado à água e ao saneamento, as disparidades raciais e socioeconômicas no acesso à saúde e as restrições aos direitos sexuais e reprodutivos. Esses problemas existiam muito antes de o governo confirmar a transmissão local do vírus Zika. No entanto, o surto e a resposta nacional e internacional trouxeram atenção renovada a esses desafios de saúde pública e direitos humanos no Brasil. A Human Rights Watch analisou esses problemas de direitos humanos através da lente do surto de Zika. Nossa pesquisa encontrou lacunas na resposta das autoridades brasileiras que têm impactos particularmente prejudiciais sobre mulheres e meninas e deixam a população em geral vulnerável a surtos contínuos de doenças graves causadas por mosquitos.
A resposta das autoridades brasileiras à epidemia de Zika se concentrou no combate ao mosquito, ou no controle vetorial, no acesso a serviços para populações afetadas e no desenvolvimento tecnológico, educação e pesquisa. No entanto, as autoridades brasileiras em todos os níveis não abordaram problemas sistêmicos relacionados aos serviços públicos de água e saneamento que exacerbaram a crise de Zika, contribuindo para a existência de condições ideais para a proliferação de mosquitos. Anos de surtos de dengue deveriam ter deixado mais que claro que as condições de água e saneamento são perigosas e requerem atenção e investimento, mesmo considerando outras prioridades concorrentes. Mais de um terço da população brasileira não tem acesso a um abastecimento contínuo de água. Esse acesso intermitente à água deixa as pessoas sem escolha, salvo encher tanques e outros recipientes com água para uso doméstico, que podem se tornar involuntariamente focos potenciais de proliferação de mosquitos se forem deixados descobertos e sem tratamento. A infraestrutura de esgotamento sanitário deficiente acumula água parada nas comunidades. Em visitas a regiões dos estados de Pernambuco e Paraíba, a Human Rights Watch observou esgoto não tratado fluindo por canais a céu aberto, bueiros, estradas, rios ou córregos próximos a comunidades, que muitas vezes são obstruídos por lixo, provocando o acúmulo de água estagnada e insalubre, condições ideais para a reprodução de mosquitos, contrariando uma crença falsa, mas popular, de que os mosquitos só se reproduzem em água limpa.
Desde 2015, a economia brasileira sofreu uma profunda recessão, com altas taxas de desemprego e inflação. Mas muito antes da crise econômica recente, inclusive em períodos de crescimento econômico, os investimentos governamentais em infraestrutura de água e saneamento eram inadequados. Anos de negligência contribuíram para as condições de água e esgoto que permitiram a proliferação do mosquito Aedes e a rápida disseminação do vírus.
Em 2007, após mais de duas décadas de investimentos limitados em saneamento, o Congresso aprovou uma nova lei sobre saneamento, e em 2010, o decreto que a regulamenta, dando impulso a investimentos no setor. O investimento total cresceu de R$ 4,238 bilhões em 2007 para R$ 12,175 bilhões em 2015. Ainda assim, a expansão no fornecimento de serviços de saneamento tem sido dolorosamente lenta. Problemas institucionais e de gestão — incluindo a simples escassez de projetos qualificados — criaram gargalos na promoção do financiamento, um risco previsível após décadas de negligência nos investimentos. No contexto da atual recessão econômica, será difícil para as autoridades brasileiras superarem o déficit nos investimentos em projetos de água e esgotamento e alocar os recursos necessários para lidar de forma sustentável com os sistemas deficientes.
Em vez de planejar investimentos adicionais em infraestrutura de água e saneamento para controlar a proliferação de mosquitos, a resposta do governo federal e estadual ao surto de Zika focou bastante em incentivar os esforços a nível doméstico, especificamente a limpeza de recipientes de armazenamento de água, a eliminação de água parada nas casas e a pulverização para a erradicação de mosquitos. Mulheres e meninas são muitas vezes responsáveis por essas tarefas de controle vetorial em suas casas. Em uma fase de emergência, o controle de vetores com foco doméstico é fundamental, mas é um método insustentável de controle vetorial no longo prazo. Os esforços das mulheres e das meninas para controlar a proliferação de mosquitos em casa são onerosos e, muitas vezes, inúteis sem a necessária atenção do Estado às falhas estruturais nos serviços de água e esgotamento.
Em março de 2016, o relator especial das Nações Unidas para o direito humano à água e ao saneamento afirmou: “Há um forte vínculo entre sistemas de saneamento deficientes e o surto atual do vírus Zika, bem como a dengue, a febre amarela e a chikungunya, sendo todos eles transmitidos por mosquitos”, acrescentando que “a maneira mais efetiva de enfrentar esse problema é melhorar esses serviços”.
Nossa pesquisa também analisou o nexo entre o surto de Zika e a saúde reprodutiva. Muitas mulheres e meninas, assustadas com a notícia da epidemia, procuraram evitar ou adiar a gravidez. No entanto, muitas pessoas que entrevistamos disseram que achavam difícil evitar uma gravidez não planejada — seja porque elas não possuíam informações básicas claras e acessíveis sobre saúde reprodutiva, ou porque enfrentavam barreiras no acesso a métodos contraceptivos, principalmente de longo prazo. Nossas descobertas indicam que o sistema público de saúde brasileiro pode não estar fornecendo informações sobre e serviços completos de saúde reprodutiva para algumas mulheres e meninas. Além disso, a criminalização do aborto no Brasil obriga muitas mulheres a recorrer a procedimentos clandestinos e muitas vezes inseguros para interromper uma gravidez indesejada — colocando em risco sua saúde e até mesmo suas vidas. Em 2015, cerca de meio milhão de mulheres no Brasil tiveram abortos, a grande maioria, de forma clandestina. Alguns médicos entrevistados haviam tratado mulheres e meninas no último ano que usaram ácido ou outros métodos inseguros para tentar induzir o aborto. Algumas mulheres entrevistadas pela Human Rights Watch experimentaram ou testemunharam complicações de abortos inseguros. O aborto inseguro continua a ser a quarta causa de mortalidade materna no Brasil. Desde 2005, pelo menos 911 mulheres morreram de aborto inseguro no país — em grande parte, mortes maternas que poderiam ser evitadas. Aproximadamente 17 por cento das mortes relacionadas ao aborto entre 2011 e 2015 ocorreram entre adolescentes e jovens de 10 a 19 anos.
O risco de infecção por Zika durante a gravidez e as consequências resultantes provavelmente levarão ainda mais mulheres a buscar abortos inseguros e clandestinos. Um estudo de julho de 2016 publicado no The New England Journal of Medicine detectou um aumento de 108 por cento nas solicitações de aborto do Brasil recebidas pela Women on Web — uma organização sem fins lucrativos que fornece medicação para aborto em países onde os serviços de aborto seguro são altamente restritos — após o anúncio da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) relacionado aos riscos do vírus Zika. O estudo concluiu: “Garantir a autonomia reprodutiva por meio do acesso a uma gama completa de escolhas reprodutivas é atualmente uma peça ausente da resposta da saúde pública ao Zika.”
As mulheres grávidas e as meninas entrevistadas para este relatório disseram que muitas vezes sofriam de ansiedade e incerteza relacionadas à possibilidade de contrair Zika durante a gravidez e disseram que, em suas experiências pessoais, o sistema público de saúde brasileiro não forneceu a informação e o apoio necessários para que elas pudessem se proteger do vírus. Muitas mulheres e meninas disseram que, em suas consultas pré-natal, não receberam informações abrangentes sobre como prevenir a transmissão de Zika durante a gravidez. Muitos entrevistados não sabiam que o Zika pode ser transmitido sexualmente e, portanto, poucas mulheres grávidas com as quais conversamos estavam usando preservativos de maneira constante para proteger a si mesmas e ao feto da transmissão de Zika durante a gestação.
Além disso, algumas mulheres grávidas e meninas que temiam ou acreditavam ter sido expostas ao vírus Zika disseram à Human Rights Watch que tinham dificuldades em ter acesso aos testes de diagnóstico ou ultrassons necessários para descobrir se realmente tinham Zika ou se suas gestações poderiam ter sido afetadas pelo vírus. Mulheres grávidas de famílias de baixa renda disseram que não tinham meios para comprar repelentes para o uso diário.
Mesmo que suas histórias desapareçam das manchetes, mais de 2.600 crianças no Brasil nascidas com microcefalia e outras complicações do vírus Zika — agora conhecidas como síndrome de Zika — precisarão de apoio e cuidados no longo prazo. Os principais cuidadores são muitas vezes mulheres cujas vidas são profundamente alteradas após o nascimento de filhos com deficiência e sem receber o apoio total de que precisam do governo e da sociedade. Mães de crianças com a síndrome de Zika disseram à Human Rights Watch que enfrentaram obstáculos ao acesso a informações adequadas e a apoio tanto no momento do nascimento quanto agora, à medida que seus filhos crescem e se desenvolvem. Elas enfrentam dificuldades para comprar medicamentos caros, ir a centros urbanos para consultas e manter um trabalho remunerado. Muitas mães entrevistadas expressaram medo e dúvidas sobre o futuro dos seus filhos com síndrome de Zika, particularmente em relação ao acesso a serviços prestados pelo Estado. Esses medos e preocupações são particularmente relevantes dada a aprovação de medidas de austeridade fiscal pelas autoridades brasileiras que podem diminuir o financiamento da saúde pública, educação e outros serviços que permitiriam que as crianças com síndrome de Zika e seus cuidadores tivessem a melhor qualidade de vida possível no longo prazo.
Em dezembro de 2016, o Congresso Nacional aprovou uma emenda constitucional que congelou as despesas públicas por um período de 20 anos, corrigindo-as apenas pela inflação. Antes que a emenda fosse aprovada pelo Congresso, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), uma instituição pública de pesquisa e tecnologia da saúde, publicou uma carta ao governo federal e ao Congresso alertando que a emenda proposta, se aprovada, “implicaria em danos significativos à saúde e à vida das pessoas”. A Fiocruz se mostrou particularmente preocupada com o impacto da mudança das leis na capacidade do Brasil de responder ao Zika e outras epidemias: “Cabe assim a pergunta: como assegurar controle de epidemias como Zika, dengue e chikungunya, incluindo pesquisas, assistência, controle de vetores, medicamentos e vacinas necessárias, com congelamento de recursos? Em especial, o impacto sobre as pesquisas, fundamentais para novos produtos e novas soluções que já são subfinanciadas em nosso país, terá dimensão incalculável, comprometendo no longo prazo a capacidade de resposta e autonomia nacional.”
O relator especial das Nações Unidas para pobreza extrema e direitos humanos, Philip Alston, chamou a Proposta de Emenda Constitucional de “uma medida radical, desprovida de toda nuance e compaixão”. E acrescentou: “Vai atingir com mais força os brasileiros mais pobres e mais vulneráveis, aumentando os níveis de desigualdade em uma sociedade já extremamente desigual e, definitivamente, assinala que para o Brasil os direitos sociais terão uma prioridade muito baixa nos próximos 20 anos”. A emenda constitucional entrou em vigor no início de 2017, e novas medidas de austeridade continuam sendo discutidas pelo governo e pelo Congresso.
A resposta nacional, estadual e local ao surto de Zika não deve relevar os homens e meninos ou reforçar os estereótipos de gênero sobre saúde e cuidados. Quando as autoridades de saúde não comunicam informações claras sobre a transmissão sexual do vírus, muitas pessoas percebem a prevenção da transmissão de Zika durante a gravidez como responsabilidade exclusiva das mulheres grávidas.
As mulheres, entrevistadas para este relatório e alguns de seus parceiros do sexo masculino falaram da necessidade de as autoridades darem mais apoio aos pais e mães em seus esforços para prevenir a transmissão de Zika e enfrentar a carga econômica e psicossocial de ter uma criança afetada pelo vírus. Os prestadores de serviços de saúde disseram à Human Rights Watch que os pais precisam de apoio adicional para participar ativamente da assistência. O pai de uma criança com síndrome de Zika no estado de Pernambuco descreveu a necessidade de maior assistência por parte dos prestadores de serviços e organizações de apoio aos pais de crianças impactadas pelo vírus, para facilitar seu papel no apoio a suas parceiras e no cuidado de seus filhos. “As mães são guerreiras”, disse ele. “Eu acho que os pais às vezes estão ausentes, mas as mães estão sempre aqui.” Mas ele disse que não acredita que deveria ser assim. As autoridades devem evitar reforçar os estereótipos negativos de gênero em políticas ou mensagens em torno da prevenção de Zika e na prestação de serviços às famílias afetadas pelo vírus.
Em fevereiro de 2017, a Diretora-Geral da Organização Mundial da Saúde declarou que a epidemia de Zika não era mais uma emergência de saúde pública de interesse internacional e afirmou: “A OMS e os países afetados precisam manejar o zika não em uma situação de emergência, mas da mesma forma continuada em que respondemos a outros patógenos propensos a epidemias, como dengue e chikungunya, que vem e vão, em ondas recorrentes de infecção”. Ela acrescentou “o zika revelou falhas na preparação coletiva do mundo. O acesso deficiente aos serviços de planeamento familiar foi um deles. O desmantelamento de programas nacionais de controle de mosquitos foi outro”. A justaposição dessas declarações não é algo acidental.
Em maio de 2017, o governo brasileiro declarou que a emergência nacional de saúde pública relacionada ao vírus Zika havia terminado, 18 meses depois que os médicos no nordeste identificaram pela primeira vez uma ligação entre o Zika e a microcefalia. O número de casos de Zika e o número de bebês nascidos com deficiência ligada ao vírus foram drasticamente menores nos primeiros meses de 2017, em comparação com o mesmo período de 2016. Ainda assim, as condições subjacentes que permitiram que o surto se alastrasse no Brasil permanecem em grande parte sem solução, deixando a população vulnerável a futuros surtos.
À medida que o Brasil se prepara para enfrentar as implicações a longo prazo do surto de Zika, as autoridades devem tomar medidas adicionais para melhorar as condições subjacentes que tornaram seus impactos iniciais tão graves. Sem investimentos estatais na infraestrutura de água e saneamento, surtos de vírus graves e potencialmente fatais transmitidos por mosquitos podem continuar ameaçando a saúde pública no Brasil. A fim de garantir os direitos humanos fundamentais de mulheres e meninas, o governo deve garantir que elas tenham acesso a informações sobre e serviços abrangentes de saúde reprodutiva, incluindo autonomia total para interromper gestações. O governo também deve garantir que as crianças com síndrome de Zika e seus cuidadores tenham acesso no longo prazo a uma variedade de serviços para terem a melhor qualidade de vida possível. Mães e prestadores de serviços entrevistados para este relatório temiam que o Estado se esquecesse das crianças afetadas pelo vírus à medida que a taxa de novos casos e a atenção da mídia e do público para o surto diminuíssem.
De acordo com o direito internacional dos direitos humanos, a população brasileira tem direito a serviços de água e saneamento adequados, seguros e acessíveis. As pessoas com deficiência e suas famílias têm direito a um padrão de vida adequado. O governo tem a obrigação de garantir o acesso a informações sobre e serviços de saúde reprodutiva. Também está obrigado a eliminar restrições excessivas ao acesso ao aborto seguro e legal. Este relatório examina as obrigações de direitos humanos do governo brasileiro em relação à sua resposta à epidemia de Zika, incluindo o descumprimento de obrigações relacionadas aos direitos reprodutivos das mulheres.
Essas garantias de direitos humanos devem guiar os esforços do Brasil à medida que o país avança. Uma abordagem do surto de Zika baseada nos direitos humanos deve preencher, em particular, lacunas relativas ao cumprimento dos direitos a água e saneamento, direitos reprodutivos das mulheres e meninas e direitos das pessoas com deficiência e seus cuidadores. Para melhor respeitar e proteger os direitos humanos, as autoridades federais, estaduais e locais devem trabalhar de forma conjunta para:
- Resolver problemas generalizados que afetam os direitos a água e saneamento para conter a disseminação de doenças transmitidas por mosquitos. Uma abordagem de controle vetorial baseada no nível doméstico fracassará no longo prazo se os problemas sistêmicos não forem resolvidos.
- Desenvolver medidas conjuntas para reduzir a gravidez não planejada, fornecendo a mulheres e meninas informações sobre e serviços abrangentes de saúde reprodutiva, incluindo opções contraceptivas de longo prazo, e identificar e resolver quaisquer problemas e obstáculos na distribuição e acesso aos mesmos.
- Fornecer às mulheres grávidas e aos seus parceiros informações e serviços completos e precisos para prevenir a transmissão do vírus Zika durante a gravidez, inclusive relacionados à transmissão sexual de Zika.
- Prestar apoio contínuo aos serviços de curto e longo prazo para as famílias de crianças com síndrome de Zika que permitirão que as crianças afetadas pelo vírus e seus familiares vivam com dignidade.
- Envolver homens e meninos na prevenção da gravidez não planejada, no combate à propagação do vírus Zika e no apoio às crianças com síndrome de Zika.
Por uma questão de urgência, o Congresso Nacional deve aprovar legislação para descriminalizar o aborto e garantir que mulheres e meninas não tenham que recorrer a procedimentos clandestinos que colocam suas vidas em risco para interromper uma gravidez não planejada e que elas não desejam continuar.
Como uma mulher cujo filho tem síndrome de Zika disse à Human Rights Watch, “há uma grande oportunidade de prestar atenção e prevenir outros casos no futuro”. Se as autoridades brasileiras nos níveis federal, estadual e local não atuarem, o risco de as mulheres e meninas continuarem sendo afetadas pelo surto de Zika, ou futuras epidemias, permanecerá.
Recomendações
Às autoridades de saúde federais, estaduais e municipais
Melhorar a prevenção, detecção e resposta ao vírus Zika:
- Assegurar esforços integrados em todos os níveis de governo para combater o mosquito Aedes e prevenir a transmissão de Zika e outros vírus transmitidos por mosquitos.
- Estabelecer grupos de trabalho interministeriais ou interinstitucionais em nível nacional, estadual e municipal para assegurar uma colaboração estreita entre as autoridades de água, saneamento e meio ambiente no controle vetorial nos curto, médio e longo prazos.
- Reforçar os sistemas de vigilância epidemiológica para identificar todos os casos de vírus Zika e síndrome congênita de Zika, incluindo o monitoramento após a primeira infância.
- Como parte de uma resposta abrangente para combater a transmissão do vírus Zika, garantir que os protocolos de assistência pré-natal nacionais, estaduais e municipais incluam os seguintes pontos:
- Aconselhamento abrangente sobre a prevenção do vírus Zika como componente obrigatório de todas as consultas iniciais de pré-natal. Garantir que o aconselhamento inclua informações baseadas em evidências sobre a transmissão sexual de Zika e a importância do uso do preservativo durante a gravidez;
- Acesso total aos testes de diagnóstico de Zika e ultrassons, incluindo exames voluntários de anomalia fetal, para mulheres e meninas grávidas que acreditam que foram expostas ao vírus Zika e desejam realizar o teste. Garantir que os resultados sejam explicados de forma completa e compartilhados em tempo hábil;
- Acesso a serviços de apoio psicológico de alta qualidade e regulares para mulheres e meninas cujas gestações são afetadas pelo vírus Zika e para seus parceiros. Oferecer apoio psicológico aos primeiros sinais de uma anomalia na gravidez e continuar oferecendo durante toda a gestação e após o parto;
- Disponibilizar repelentes de insetos acessíveis e gratuitos a todas as mulheres grávidas no sistema público de saúde.
- Revisar as campanhas federais, estaduais e locais de educação e sensibilização do público e as comunicações relacionadas ao vírus Zika para garantir que incluam as melhores evidências científicas sobre a prevenção de Zika, incluindo a transmissão sexual e as consequências do vírus, particularmente quando mulheres grávidas são expostas a ele. Revisar materiais para garantir que eles não sugiram de forma desproporcional ou injusta que as mulheres e meninas devem ser as encarregadas de prevenir a transmissão de Zika. Incluir o papel dos homens e meninos como corresponsáveis pela prevenção ao vírus Zika.
- Garantir que os protocolos de saúde nacionais, estaduais e locais sejam regularmente revisados e atualizados para refletir os novos desenvolvimentos na literatura científica relacionados ao vírus Zika e à evolução das necessidades de crianças nascidas com a síndrome de Zika.
- Garantir que os esforços de educação pública nacional, estadual e local e o aconselhamento individual envolvam casais e homens, e não indique que apenas as mulheres grávidas têm a responsabilidade de se prevenir contra o Zika durante a gravidez. Os esforços devem garantir que os homens compreendam o risco de transmitir Zika a suas parceiras e sejam encorajados a fazer exames antes de tentar ter um filho. Se uma mulher já está gravida, seu parceiro deve receber aconselhamento sobre os benefícios do uso de preservativos durante a gravidez para prevenir Zika e outras infecções sexualmente transmissíveis.
Fornecer assistência médica abrangente sobre saúde sexual e reprodutiva
- Expandir no sistema público de saúde o acesso a métodos contraceptivos reversíveis de longa duração e esterilização voluntária para reduzir o número de casos de gravidez não planejada.
- Atualizar protocolos de saúde nacionais, estaduais e locais relevantes para garantir que homens e meninos recebam aconselhamento e informações sobre métodos contraceptivos e planejamento familiar e tenham acesso a preservativos e esterilização voluntária.
- Garantir que todos os protocolos nacionais, estaduais e locais de saúde reprodutiva relevantes incluam:
- Um processo de triagem para determinar se mulheres e meninas grávidas planejavam e queriam a gravidez, e quais opções podem estar disponíveis para aquelas com gravidez não planejada, incluindo o aborto legal;
- Aconselhamento para redução de danos com informações sobre cuidados pós-aborto para mulheres e meninas que indicarem que podem interromper a gestação clandestinamente; e
- Aconselhamento de rotina após o parto sobre métodos contraceptivos para garantir que todas as mulheres e meninas que dão à luz tenham informações abrangentes e precisas sobre como prevenir a gravidez.
- Desenvolver e implementar um extenso programa de treinamento para garantir que todos os prestadores de serviços de saúde possam implementar de forma competente e consistente protocolos de saúde sexual e reprodutiva, incluindo as disposições listadas acima.
Ao Ministério da Saúde
- Estabelecer uma força-tarefa para corrigir lacunas nos serviços de saúde reprodutiva do Brasil e identificar barreiras no acesso a informações sobre e serviços de planejamento familiar, particularmente para populações tradicionalmente desassistidas ou vulneráveis, incluindo meninas adolescentes, mulheres mais velhas, negras e pessoas de comunidades de baixa renda.
- Realizar um estudo nacional que leve à adoção de medidas para garantir que as mulheres e as meninas tenham acesso aos serviços de aborto legal previstos na lei e na norma técnica de 2011, sem obstáculos geográficos ou institucionais. Com base no resultado, atualizar a norma técnica para eliminar os obstáculos identificados.
- Garantir o acesso universal aos serviços de aborto, quando legal, dentro do sistema nacional de saúde e em todos os estados brasileiros.
- Desenvolver um extenso programa de treinamento para garantir que todos os prestadores de serviços de saúde possam implementar de forma competente e consistente todos os protocolos relacionados ao Zika e à saúde sexual e reprodutiva, incluindo as disposições listadas acima. Trabalhar com autoridades estaduais e locais de saúde para implementar o programa de treinamento.
Às autoridades nacionais, estaduais e municipais em todos os setores
Apoiar as famílias de crianças com a síndrome de Zika
- Compilar dados sobre casos confirmados de crianças com síndrome de Zika e a disponibilidade de prestadores de serviços com treinamento e habilidades para tratá-los. Mapear as áreas onde serviços adicionais são necessários de acordo com a evolução das necessidades das crianças nascidas com síndrome de Zika. Na medida do possível, canalizar recursos para áreas onde uma cobertura adicional seja necessária.
- Garantir que os cuidadores (homens e mulheres) e familiares de crianças com síndrome de Zika tenham acesso total a apoio psicológico contínuo, conforme necessário.
- Avaliar os processos burocráticos necessários para famílias com síndrome de Zika para ter acesso a serviços especializados localizados fora dos municípios onde vivem. Simplificar esses processos para garantir que as famílias de crianças com síndrome de Zika não sejam forçadas a atrasar o tratamento devido a obstáculos processuais.
- Expandir o acesso a serviços de transporte seguros, confiáveis e financiados pelo Estado para que as famílias possam levar seus filhos com síndrome de Zika a consultas e tratamentos, bem como para outros serviços fundamentais, conforme apropriado, como educação, saúde e reabilitação.
- Obter resposta das famílias de crianças com síndrome de Zika sobre suas necessidades no longo prazo.
Apoiar as crianças com síndrome de Zika
- Desenvolver e implementar uma política educacional que inclua crianças com síndrome de Zika no sistema escolar. Desenvolver e realizar um extenso programa de treinamento para garantir que todos os cuidadores e educadores da primeira infância possam servir as crianças e atender suas necessidades com competência e consistência.
- Desenvolver iniciativas para incluir crianças com síndrome de Zika em programas alternativos de cuidado, como famílias adotivas ou parentes, caso suas próprias famílias não possam fornecer o apoio adequado.
- Desenvolver programas específicos para garantir que as crianças com síndrome de Zika e outras deficiências não sejam colocadas em internatos, e para que tenham cuidados alternativos adequados no longo prazo.
- Desenvolver programas de intervenção precoce, começando o mais cedo possível, para estimular e habilitar adequadamente as crianças com síndrome de Zika, com base em avaliações multidisciplinares, particularmente nas áreas de saúde, educação e serviços sociais. Estabelecer e manter serviços para crianças com síndrome de Zika o mais próximo possível de suas próprias comunidades, tanto nas áreas urbanas como rurais.
Às autoridades federais, estaduais e municipais envolvidas em infraestrutura e investimentos nas áreas de meio ambiente, água e esgoto
- Estabelecer grupos de trabalho interministeriais ou interinstitucionais a nível nacional, estadual e municipal para garantir uma colaboração estreita entre as autoridades ambientais, de saúde, água e saneamento envolvidas no controle vetorial de curto prazo para garantir que esforços a médio e longo prazo sejam adotados e implementados por agências ou autoridades não relacionadas com a saúde.
- Investigar os sistemas de água, saneamento e esgoto para determinar se eles estão contribuindo com a proliferação de mosquitos e implementar um plano para melhorar o controle vetorial nas regiões onde estes ativos estão.
- Adaptar os investimentos de capital e o planejamento de serviços de água, saneamento e esgoto para que eles sejam direcionados às comunidades mais afetadas por surtos de mosquitos.
- Garantir que os investimentos de capital e planejamento de serviços de água, saneamento e esgoto estejam incluídos nos planos governamentais para a erradicação de mosquitos e controle vetorial.
- Revisar as políticas de mudança climática para incluir estratégias que abordem os riscos crescentes de doenças transmitidas por vetores, como Zika, e seu impacto nos direitos humanos das mulheres. Garantir que o Plano Nacional de Adaptação e outras políticas de adaptação às mudanças climáticas incluam estratégias para combater os riscos elevados de doenças transmitidas por vetores que as mulheres enfrentam.
Ao Congresso Nacional
- Modificar a Lei nº 13.301, de 2016, para garantir que todas as famílias de crianças com síndrome de Zika tenham acesso ao benefício financeiro (Benefício da Prestação Continuada) fornecido a pessoas com deficiência no Brasil. Garantir que todas as crianças com complicações de saúde no longo prazo relacionadas à transmissão de Zika, não apenas aquelas com microcefalia, possam receber o benefício.
- Revogar disposições do código penal que criminalizam o aborto, especialmente aquelas que punem as mulheres por realizar o aborto ou os profissionais médicos que prestam serviços de aborto seguros.
- Aprovar leis que proporcionem às mulheres e meninas acesso a serviços de aborto voluntários e seguros.
- Modificar a Lei de Planejamento Familiar nº 9.263, de 1996, para garantir o acesso a serviços de planejamento familiar e respeitar a autonomia reprodutiva das mulheres. Excluir os requisitos de idade e número de crianças para ter acesso a métodos contraceptivos permanentes.
Ao Supremo Tribunal Federal
- Na medida do permitido pela legislação nacional, considerar a relevância e aplicabilidade das obrigações internacionais do Brasil em matéria de direitos humanos nas ações de controle de constitucionalidade que tratam sobre direitos reprodutivos das mulheres, conforme detalhado nos amici curiae apresentados ao Supremo Tribunal Federal pela Human Rights Watch em abril de 2017.
Ao UNFPA, ao UNICEF, à OMS, a outras agências da ONU e a financiadores
- Fornecer suporte para o monitoramento e vigilância contínuos de Zika e outros vírus transmitidos por mosquitos, inclusive ultrapassando as fronteiras geográficas.
- Fornecer orientação, apoio técnico e outros tipos de suporte aos países afetados pelo Zika na erradicação do mosquito, nos serviços de saúde reprodutiva e em pesquisa.
- Apoiar e ajudar a implementar programas de longo prazo para apoiar crianças com síndrome de Zika e ajudar suas famílias a obter a melhor qualidade de vida possível.
- Apoiar pesquisas contínuas sobre os impactos a longo prazo do Zika e garantir o compartilhamento do conhecimento.
- Facilitar o desenvolvimento e compartilhamento das melhores práticas para os testes, diagnósticos e esforços de erradicação de Zika.
- Eliminar todas as restrições à assistência externa que limitam o exercício de direitos humanos fundamentais, incluindo os direitos sexuais e reprodutivos.
Metodologia
A Human Rights Watch realizou pesquisas para este relatório no fim de 2016 e início de 2017 em dois estados da região nordeste do Brasil, Pernambuco e Paraíba. A maioria das entrevistas foi realizada em duas cidades: Recife, em Pernambuco, e Campina Grande, na Paraíba. Muitos entrevistados residem em outras partes dos dois estados, mas viajam regularmente para uma dessas duas cidades em busca de serviços de saúde ou outros serviços para crianças com síndrome de Zika.
Entrevistamos 96 mulheres e meninas de 15 a 63 anos, incluindo 44 que estavam grávidas ou tiveram filhos recentemente, e 28 com crianças com síndrome de Zika; nove homens, de 19 a 62 anos, que vivem em comunidades afetadas pelo surto de Zika, quatro dos quais eram parceiros de mulheres e meninas entrevistadas para o relatório; 25 prestadores de serviços de saúde; e outros 28 especialistas, como promotores públicos, defensores públicos, pesquisadores acadêmicos e representantes de organizações não-governamentais (ONGs). A Human Rights Watch também entrevistou autoridades de saúde e saneamento de entidades governamentais federais, estaduais e municipais, incluindo o Ministério da Saúde, o Ministério das Cidades, as Secretarias de Saúde de Pernambuco e da Paraíba, as Secretarias de Saúde e Saneamento de Recife, dentre outros. No total, a Human Rights Watch entrevistou 181 pessoas para este relatório.
A Human Rights Watch identificou os entrevistados ao abordá-los em serviços de saúde e em comunidades afetadas pelo vírus Zika, com a assistência de ativistas, pesquisadores, prestadores de serviços de saúde e ONGs.
A maioria das entrevistas foi realizada em português, às vezes por meio de intérpretes. Quando possível, a Human Rights Watch realizou entrevistas individuais e privadas, embora em alguns casos, os entrevistados preferiram ter outra pessoa presente. As entrevistas foram realizadas principalmente em residências, espaços comunitários e serviços de saúde.
A Human Rights Watch informou a todos os entrevistados o propósito da entrevista, sua natureza voluntária e as formas em que as informações seriam coletadas e usadas. Os entrevistadores garantiram aos participantes que eles poderiam encerrar a entrevista a qualquer momento ou se recusar a responder a quaisquer perguntas, sem qualquer consequência negativa. Todos os entrevistados forneceram consentimento verbal e informado para participar.
As entrevistas foram semiestruturadas e abordaram temas relacionados à saúde reprodutiva, acesso a informações e serviços e condições ambientais no contexto da epidemia do vírus Zika. A maioria das entrevistas durou de 30 a 60 minutos, e todas as entrevistas foram feitas pessoalmente. Com as vítimas de trauma, foram tomadas medidas para minimizar o risco traumatizá-las novamente ao terem de que recontar suas experiências. Quando apropriado, a Human Rights Watch forneceu o contato de organizações que oferecem serviços legais, de aconselhamento, de saúde ou de assistência social. A Human Rights Watch não forneceu compensação nem outros incentivos para que as pessoas participassem.
A Human Rights Watch também analisou as leis e políticas relevantes e fez uma revisão de fontes secundárias, incluindo dados epidemiológicos, estudos de saúde pública, relatórios da Organização Mundial de Saúde e de entidades de saúde federais, estaduais e municipais brasileiras, e outras fontes.
Os nomes das mulheres, meninas e homens entrevistados foram modificados para proteger sua privacidade e segurança, exceto quando eles pediram que seu nome verdadeiro fosse usado. Os nomes dos prestadores de serviços de saúde, autoridades e especialistas não foram modificados. Alguns pediram anonimato, o que é indicado nas notas de rodapé relevantes.
Neste relatório, a palavra “criança” refere-se a qualquer pessoa com idade inferior a 18 anos, e “menina” se refere a uma criança do sexo feminino.
A Human Rights Watch não usou um método de amostragem aleatória para identificar os entrevistados. As experiências dos indivíduos entrevistados podem não ser representativas da população mais ampla da região nordeste, nem do país como um todo. No entanto, a Human Rights Watch observou padrões e semelhanças nas experiências de entrevistados de várias cidades e povoados nos dois estados. Nossa pesquisa sugere fortemente que muitas outras mulheres e meninas no Brasil enfrentam desafios similares relacionados aos seus direitos sexuais e reprodutivos e ao acesso a informações e serviços no contexto da epidemia de Zika.
I. Contexto
Em 2015, os primeiros casos confirmados de infecção pelo vírus Zika no Brasil colocaram o país no epicentro de uma nova epidemia. A crise de saúde pública que se seguiu exacerbou as difíceis condições de vida de muitas comunidades marginalizadas e, ao mesmo tempo, a própria crise foi exacerbada e amplificada pelo acesso inadequado a água e saneamento, por disparidades raciais e socioeconômicas em relação ao acesso a serviços de saúde e restrições aos direitos sexuais e reprodutivos. Embora esses problemas existissem muito antes de o governo confirmar a transmissão local do vírus Zika, a epidemia e a resposta nacional e internacional a ela chamaram novamente a atenção para antigos desafios de saúde pública e direitos humanos no Brasil, incluindo os direitos a água e saneamento básico, e os direitos sexuais e reprodutivos.
A epidemia do vírus Zika no Brasil
Embora cientistas tenham identificado o vírus Zika em humanos na África em 1952, o primeiro grande surto ocorreu décadas mais tarde, na Micronésia, em 2007. Em 2013 e 2014, ocorreram surtos em quatro outros grupos de ilhas do Pacífico.[1]
No fim de 2014, autoridades de saúde no nordeste do Brasil começaram a relatar casos de uma doença caracterizada por exantema e febre. Em maio de 2015, as autoridades de saúde confirmaram a transmissão local do vírus Zika no Brasil. Na época, as complicações relacionadas à gravidez eram desconhecidas. Em 2016, o Ministério da Saúde brasileiro informou a existência de 214.193 casos prováveis e 128.266 casos confirmados do vírus Zika[2], embora muitos casos provavelmente não tenham sido notificados. O governo estimou que ocorreram entre 500.000 e 1,5 milhão de casos de 2015 até o início de 2016.[3] Até maio de 2017, 85 países e territórios relataram casos documentados de transmissão do vírus Zika.[4]
O vírus Zika é transmitido predominantemente através da picada de um mosquito Aedes aegypti infectado. O vírus também pode ser transmitido da gestante para o feto durante a gravidez e por meio de relações sexuais sem proteção.[5] Os indivíduos infectados com o vírus Zika são frequentemente assintomáticos, ou apresentam sintomas leves, como febre, dores musculares e nas articulações, conjuntivite e exantema.[6] Exames de sangue e urina podem confirmar a infecção por Zika.[7]
O Zika está associado a complicações neurológicas graves, particularmente quando uma gestante é infectada e seu feto é exposto ao vírus no útero. A infecção confirmada no primeiro trimestre representa o maior risco, com 15 por cento dos bebês nascidos com deficiência.[8] O surto no Brasil tem sido associado ao nascimento de milhares de bebês com desenvolvimento atípico do cérebro e outras complicações, incluindo convulsões, problemas auditivos e de visão, diferenças musculoesqueléticas e microcefalia, quando o cérebro e a cabeça são subdesenvolvidos. Juntas, a gama de complicações observadas em lactentes que foram expostos ao vírus Zika no útero são chamadas de síndrome congênita de Zika.[9] Pesquisas sugerem que bebês que foram expostos ao Zika na fase pré-natal e que nasceram sem microcefalia podem desenvolver a doença e outros problemas associados ao desenvolvimento cerebral após o nascimento.[10]
O vírus também foi associado à síndrome de Guillain-Barré, um distúrbio neurológico raro que pode levar à paralisia e morte em casos graves, com a maioria das pessoas se recuperando completamente no decorrer de semanas ou meses.[11] De acordo com a Organização Mundial de Saúde, “existe um consenso científico de que o vírus Zika é uma causa da microcefalia e da síndrome de Guillain-Barré”.[12]
O Brasil é responsável pela esmagadora maioria dos casos de síndrome congênita de Zika em todo o mundo.[13] O Ministério da Saúde começou a registrar um aumento sem precedentes nos casos de bebês nascidos com microcefalia em outubro de 2015.[14] Entre 2015 e abril de 2017, foram confirmados 2.698 casos de síndrome de Zika em lactentes no Brasil e mais de 3.000 permanecem sob investigação.[15] Relatos da imprensa sugerem que nem todas as autoridades estaduais e municipais de saúde estão notificando com precisão os casos, por isso o total pode estar subestimado.[16] No estado do Rio Grande do Norte, uma auditoria realizada pelo Ministério da Transparência relatou casos de prefeitos que não notificaram casos suspeitos de síndrome de Zika para que isso não refletisse de forma negativa na imagem do município.[17]
De acordo com dados do Ministério da Saúde, o número de casos de Zika e o número de bebês nascidos com deficiências ligadas ao vírus foram drasticamente menores nos primeiros meses de 2017, em comparação com 2016.[18]
O contexto de clima, água e esgoto
O clima úmido e tropical do Brasil — particularmente na estação chuvosa — contribuiu para a proliferação de mosquitos e a disseminação rápida de Zika e outras doenças transmitidas por mosquitos. A epidemia de Zika no Brasil pode ter sido alimentada por condições climáticas incomuns durante o surto. Um estudo recente sugere que temperaturas excepcionalmente elevadas relacionadas ao fenômeno climático El Niño de 2015, que ocorrem no contexto de temperaturas cada vez mais altas devido à mudança climática, favoreceram a transmissão de Zika na América do Sul.[19] Com o aumento das temperaturas, o ciclo reprodutivo dos mosquitos se acelera: quanto maior a temperatura do ar, mais rápido o vírus se reproduz no mosquito para ser transmitido a outra pessoa. Temperaturas mais altas também podem fazer com que os mosquitos amadureçam mais rapidamente. Secas, exacerbadas pelas mudanças climáticas, também podem ser uma causa da disseminação de doenças se as famílias armazenam mais água em recipientes, proporcionando um ambiente perfeito para a reprodução de mosquitos.[20]
Nas próximas décadas, as mudanças do clima provavelmente elevarão a propagação de mosquitos transmissores de doenças.[21] Embora ainda sejam necessárias mais pesquisas sobre a relação entre o Zika e as mudanças climáticas, um estudo recente sugere que a faixa de habitat potencial do mosquito Aedes que transmite Zika e outras doenças poderia aumentar, no mundo, mais de 10 por cento até 2061-2080, como resultado das altas emissões de gases de efeito estufa e do crescimento populacional.[22]
O governo federal brasileiro desenvolveu várias políticas para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas, incluindo um Plano Nacional sobre Mudança do Clima (2008), um Plano Setorial da Saúde para Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima (2013) e um Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (2016). O Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA) reconhece que “questões de raça e gênero” são “fatores que contribuem” para a vulnerabilidade social e que certos grupos socioeconômicos são desproporcionalmente impactados pela mudança climática.[23] O PNA também reconhece a importância de utilizar critérios “sensíveis ao gênero” para desenvolver medidas de adaptação.[24]
Embora o reconhecimento de questões de raça e gênero nessas políticas seja positivo, o PNA não inclui uma análise de gênero em sua Estratégia de Povos e Populações Vulneráveis. Ao discutir medidas para mitigar os impactos das mudanças do clima, o PNA avaliou como diversos grupos socioeconômicos, incluindo os povos indígenas, os agricultores familiares e pescadores são particularmente vulneráveis a esses impactos. O PNA, no entanto, não considera como as mulheres são afetadas pelas mudanças do clima.
O PNA também reconheceu que as mudanças no padrão climático “impactam os vetores de algumas doenças” e que os efeitos das mudanças climáticas, como “mudança nos padrões de precipitação pluvial e aumento da frequência de eventos climáticos extremos, associados a fatores como saneamento deficiente” reduzem a disponibilidade de água potável, que, por sua vez, expõe as populações a doenças transmitidas por vetores.[25] O PNA não reconhece que as mulheres enfrentam maiores riscos de doenças transmitidas por vetores, como o Zika.
Condições precárias de água e saneamento também contribuem para o crescimento da população de mosquitos. Em uma declaração conjunta divulgada em março de 2016, vários especialistas da ONU explicaram como o acesso restrito a serviços públicos de água e saneamento contribui para a disseminação de Zika e outros vírus. Leilani Farha, relatora especial da ONU para Moradia Adequada, disse: “Quando as pessoas têm condições de vida e de moradia inadequadas e não têm acesso a serviços bem geridos de abastecimento de água, elas tendem a armazenar água de maneira insegura, favorecendo a propagação de mosquitos. Além disso, os sistemas precários de esgotamento sanitário, nos quais o esgoto escorre em canais abertos e é disposto em fossas inadequadas, resultam em água estagnada — a condição perfeita para a proliferação de mosquitos”. [26]
Mais de um terço dos 208 milhões de habitantes do Brasil não têm acesso a um abastecimento contínuo de água, enquanto 3,8 milhões não têm acesso a água potável.[27] Os habitantes que não têm acesso contínuo à água precisam armazená la em tanques, baldes e outros recipientes. Se deixada descoberta e sem tratamento, a água armazenada pode ser um ambiente fértil para a reprodução de mosquitos. O mosquito Aedes–que transmitem Zika, bem como outros graves vírus, incluindo dengue, chikungunya e febre amarela—deposita ovos em recipientes com água parada, inclusive naqueles utilizados para o armazenamento doméstico de água. Ele também deposita ovos em objetos que podem acumular água, como pneus usados e recipientes descartados de alimentos e bebidas.[28]
Serviços de coleta de lixo precários também podem contribuir para a proliferação de mosquitos. Em 2014, aproximadamente 55,7 por cento da população tinha acesso a serviços adequados de coleta de lixo, enquanto 32,7 por cento eram servidos por um serviço precário e 11,6 por cento não tinham acesso a nenhum tipo de serviço.[29]
Mais de 35 milhões de pessoas no Brasil carecem de serviços adequados de esgotamento sanitário — definido como o fornecimento de instalações e serviços para a eliminação segura de urina e fezes humanas.[30] Outros milhões não possuem gestão adequada de esgoto em suas casas ou comunidades. Como resultado, o esgoto não tratado é despejado em canais e outras vias pluviais, que, juntamente com outros resíduos sólidos, obstruem o fluxo de água e criam focos de água parada e estagnada. Apenas cerca de 50 por cento da população estava conectada a um sistema de esgotamento sanitário em 2015 e menos de 43 por cento do volume total de esgoto do país foi tratado. Na região nordeste brasileira, a situação é ainda pior: em 2015, menos de 25 por cento da população estava conectada a um sistema de esgotamento sanitário e apenas 32 por cento do esgoto foi tratado.[31]
No Brasil, os governos federal, estadual e municipal compartilham a responsabilidade de desenvolver e implementar políticas de saneamento. Os três são competentes para regulamentá-las de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo governo federal, que também é o principal financiador.[32] Enquanto os municípios possuem a competência original para a prestação de serviços de água e saneamento, os estados, por meio de empresas públicas, com frequência assumem a prestação desses serviços, como nos casos de Pernambuco e da Paraíba.[33] Assim, uma resposta para melhorar as condições exige a cooperação de todos os níveis de governo.
Responder à mudança do clima e às condições precárias de água e esgoto será fundamental para a redução a longo prazo da transmissão de Zika, mas também é urgente devido a outros graves, e potencialmente fatais, vírus transmitidos por mosquitos que ameaçam a saúde pública no Brasil. A maior epidemia do vírus da dengue na história recente ocorreu em 2013, mas ainda foram registrados mais de 1,5 milhão de casos de dengue e mais de 640 óbitos confirmados no Brasil no ano passado.[34] A incidência de chikungunya no Brasil aumentou drasticamente nos últimos anos. De 2015 a 2016, o número de casos de chikungunya aumentou quase sete vezes, de aproximadamente 38.000 em 2015 para mais de 265.000 em 2016, predominantemente na região nordeste do país.[35]
Desde dezembro de 2016, o Brasil também vem registrando um aumento da incidência de febre amarela, com centenas de casos confirmados e pelo menos 240 mortes.[36] O surto de febre amarela é o maior no Brasil desde que as autoridades de saúde começaram a rastrear o vírus em 1980.[37] Até 31 de maio de 2017, as autoridades de saúde relataram mais de 3.200 casos suspeitos em dezessete estados, transmitidos pelos mosquitos Haemagogus e Sabethes encontrados em áreas rurais, e 792 casos confirmados em 9 estados (Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Rio de Janeiro, Pará, Tocantins, Mato Grosso, Goiás e Distrito Federal).[38] Os relatos também sugerem um alto número de transmissão epizoótica em primatas não humanos. [39] Se o vírus chegar às áreas urbanas, e o mosquito Aedes começara a transmiti-lo, o número de casos pode aumentar dramaticamente.[40]
Populações marginalizadas vulneráveis à epidemia de Zika
Os impactos de longo prazo do surto de Zika recaíram desproporcionalmente sobre mulheres jovens, solteiras e meninas negras. A região nordeste do Brasil, uma das mais pobres do país,[41] é responsável por mais de 75 por cento dos casos confirmados de bebês nascidos com a síndrome de Zika desde o início da epidemia.[42]
Dados não publicados do Ministério da Saúde, obtidos por meio de um pedido de informação feito pelo jornal Estadão, sugerem que cerca de 25 por cento das mulheres e meninas que tiveram bebês com microcefalia entre novembro de 2015 e setembro de 2016 tinham menos de 20 anos (em comparação, somente 18 por cento das gestações ocorrem entre adolescentes com menos de 20 anos).[43] Mais de 760 adolescentes e jovens entre 10 a 19 anos deram à luz bebês com microcefalia durante esse período, [44] incluindo 35 meninas de 10 a 14 anos.[45] Deve-se destacar que meninas menores de 14 anos no Brasil são consideradas abaixo da idade do consentimento sexual, independentemente da idade de seus parceiros.[46]
Cerca de metade das mulheres — 48 por cento — e meninas que tiveram bebês com microcefalia são solteiras (em comparação com 40 por cento na população em geral) e mais de 75 por cento se identificam como “preta” ou “parda” (em comparação com 59 por cento na população em geral).[47]
Saúde sexual e reprodutiva e direitos no Brasil
Em janeiro de 2016, em meio à incerteza científica em torno dos impactos a longo prazo do vírus Zika, autoridades de vários países da América Latina recomendaram que as mulheres adiassem a gravidez.[48] Suas recomendações provocaram novos debates sobre o acesso a informações e serviços de saúde sexual e reprodutiva em países afetados pela epidemia.[49] O Brasil, como epicentro da epidemia, publicou um protocolo que destacava o acesso das mulheres à contracepção como um dos principais pilares da resposta à epidemia, mas falhou em reconhecer as significativas barreiras que as mulheres enfrentam para ter acesso a contracepção ou o que poderia ser feito nos casos em que o método contraceptivo falhasse.[50] Recentemente, o Ministério da Saúde desenvolveu um novo plano integrado contra a epidemia de Zika, que incluiu um foco em saúde sexual e reprodutiva, para os municípios de seis estados — Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe e Bahia.[51] O protocolo mais recente sobre emergências de saúde pública, divulgado em dezembro de 2016, aumentou a lista de ações relacionadas à saúde e os direitos sexuais e reprodutivos, incluindo uma recomendação sobre o uso de preservativos durante a gravidez.[52]
Mulheres e meninas no Brasil têm direitos constitucionais e legais garantidos de acesso à contracepção gratuita sob diversas formas em serviços de saúde administrados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).[53] Apesar disso, um estudo demográfico e de saúde nacional publicado em 2008 concluiu que quase metade das gestações no Brasil não é planejada ou é indesejada, indicando uma necessidade de contracepção não atendida.[54] Do mesmo modo, um estudo mais recente, publicado em 2016, envolvendo cerca de 24 mil mulheres brasileiras que tiveram filhos recentemente, mostrou que 55 por cento delas relataram que suas gestações mais recentes não foram intencionais. [55] Mulheres mais jovens, solteiras e meninas negras sem trabalho remunerado e com menos escolaridade eram mais propensas a relatar uma gravidez não intencional.[56] Em linha com esses dados, a ONU estima que mais de 2,3 milhões de mulheres e meninas brasileiras de 15 a 49 anos, casadas ou amasiadas, têm uma necessidade de planejamento familiar não atendida.[57] Essas estimativas refletem uma necessidade pré-existente à epidemia e não incluem mulheres e meninas que não são casadas ou amasiadas.
As adolescentes podem ter uma maior necessidade de contracepção não atendida que outros segmentos da população. Quase 20 por cento dos nascidos vivos no Brasil são de partos de mulheres adolescentes e meninas de 10 a 19 anos, representando mais de 560.000 nascimentos por ano. [58] Uma pesquisa nacional envolvendo cerca de 1.000 mulheres jovens e meninas sexualmente ativas de 15 a 19 anos em 2013 descobriu que 21 por cento não estavam usando nenhum método contraceptivo e apenas 17 por cento tinham visitado um agente de saúde pública para discutir o planejamento familiar nos 12 meses anteriores à pesquisa.[59]
Mulheres e meninas no Brasil que engravidam e desejam interromper a gravidez não planejada têm poucas opções legais para ter acesso ao aborto. O aborto é legal no Brasil apenas em casos de estupro, quando necessário para salvar a vida de uma mulher, ou quando o feto apresenta anencefalia, uma doença cerebral congênita fatal.[60] De acordo com o código penal, as mulheres e meninas que interrompem a gravidez sob qualquer outra circunstância podem enfrentar penas de até três anos de prisão, enquanto as pessoas que realizam abortos podem ser punidas com até quatro anos de prisão, se condenadas.[61] Segundo relatos na imprensa, em 2014, pelo menos 33 mulheres foram presas por terem abortado, sendo que sete foram denunciadas por médicos depois de procurarem atendimento pós-aborto em hospitais. Uma dessas mulheres passou três dias algemada em uma cama de hospital.[62]
Resposta nacional e internacional à epidemia
Em novembro de 2015, à medida que os casos de microcefalia aumentavam, o governo brasileiro declarou estado de emergência em saúde pública de importância nacional e criou um sistema para a notificação imediata de todos os casos suspeitos.[63] Menos de uma semana depois, a Organização Mundial da Saúde (OMS), através da sua entidade regional, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), emitiu um alerta epidemiológico pedindo aos países que notificassem casos de microcefalia e outras complicações neurológicas.[64] Em 22 de janeiro de 2016, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos ativaram seu Centro de Operações de Emergência, seguido, em 1o de fevereiro de 2016, por uma declaração da OMS de que o “cluster” de distúrbios neurológicos e microcefalia era uma “emergência em saúde pública de interesse internacional”.[65] A OPAS Brasil estabeleceu uma “Sala de Situação” para coordenar informações sobre o vírus Zika e suas consequências para o país e o mundo, com foco na cooperação internacional e interagências, na comunicação e gestão do conhecimento, apoio logístico e análise epidemiológica.[66]
No fim de 2015, o governo brasileiro lançou o Plano Nacional de Enfrentamento ao Aedes e à Microcefalia com três eixos de ação: 1) mobilização e combate ao mosquito; 2) atendimento à população; e 3) desenvolvimento tecnológico, educação e pesquisa.[67]
A OMS tem um Plano de Resposta Estratégica ao Zika, desenvolvido em fevereiro de 2016 e revisado em junho, que estabeleceu a base para a coordenação e colaboração entre a OMS e seus parceiros até dezembro de 2017.[68] O plano propõe quatro áreas de intervenção: 1) desenvolvimento de sistemas integrados de vigilância em todos os níveis; 2) prevenção de complicações para a saúde; 3) fortalecimento dos sistemas de saúde e social para apoiar a população afetada; e 4) pesquisa. A OMS também uniu esforços com o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e ONU Mulheres. Dentro da Sala de Situação, a OMS, ONU Mulheres e UNFPA se reuniram com organizações da sociedade civil para liderar a coordenação, monitoramento e defesa dos direitos e empoderamento das mulheres no contexto de Zika.[69] Como parte deste esforço conjunto, o UNFPA lançou a campanha “Mais direitos, menos Zika”, engajando jovens e mulheres da Bahia — outro dos estados mais atingidos pelo Zika — e de Pernambuco para mobilizar a comunidade em ações de vigilância em saúde e fornecer acesso a informações sobre o surto de Zika a fim de minimizar seu impacto nos direitos.[70]
Em 2016, o UNFPA, a ONU Mulheres e a OMS, juntamente com o governo brasileiro, organizaram campanhas de comunicação, incluindo programas de rádio, reportagens na televisão, panfletos e cartazes que abordam os direitos das mulheres no contexto de Zika.[71]
Dez meses depois de declarar estado de emergência, a OMS declarou que a epidemia de Zika não era mais uma “emergência em saúde pública de interesse internacional”.[72] Ao explicar a decisão, a Dra. Margaret Chan, diretora-geral da OMS, disse: “Em grande parte do mundo, o vírus está agora firmemente enraizado. A OMS e os países afetados precisam manejar o zika não em uma situação de emergência, mas da mesma forma continuada em que respondemos a outros patógenos propensos a epidemias, como dengue e chikungunya, que vem e vão, em ondas recorrentes de infecção”. [73] Alguns especialistas criticaram a decisão, argumentando que os governos e os doadores desacelerariam suas respostas, enquanto o público em geral poderia entender isso como um sinal de que o surto acabou.[74]
Em maio de 2017, o governo brasileiro anunciou que o estado de emergência nacional em saúde pública relacionado ao vírus Zika havia terminado, 18 meses depois de declarar o Zika uma emergência em saúde pública “de importância nacional”. Um dos requisitos da Organização Mundial de Saúde para manter um estado de emergência é que o evento seja incomum ou inesperado. Esse já não é o caso no Brasil, já que há evidências científicas suficientes que associam o vírus Zika a complicações neurológicas congênitas. Autoridades do setor de saúde disseram que o monitoramento, a vigilância e os esforços para combater os vírus transmitidos por mosquitos continuariam.[75]
Resposta dos estados de Pernambuco e Paraíba à epidemia de Zika
A gestão da epidemia é um sistema tripartite entre os governos federal, estadual e municipal. No entanto, as ações iniciais para identificar e responder a um aumento no número de casos de microcefalia ocorreram no nível estadual. Em 27 de outubro de 2015, a Secretaria de Saúde de Pernambuco exigiu a notificação imediata de todos os casos suspeitos de microcefalia em recém-nascidos.[76] Duas semanas depois, após um alto volume de notificações, a Secretaria desenvolveu o primeiro protocolo clínico e epidemiológico sobre a microcefalia, que serviu de referência para a versão nacional.[77] O protocolo do estado de Pernambuco estabeleceu os critérios para a identificação da microcefalia em recém-nascidos no estado, e definiu os fluxos dos serviços de diagnóstico, vigilância, atendimento pré-natal e de recém-nascidos. Uma versão atualizada, lançada um mês depois, ampliou o foco para mulheres grávidas cujo feto tenha suspeita de microcefalia e mulheres grávidas que tenham exantema durante a gravidez.[78] Em novembro de 2015, o governo da Paraíba também divulgou seu próprio protocolo com o mesmo objetivo.[79]
Ambos os protocolos apresentam recomendações gerais de ações de âmbito individual, por exemplo, medidas para proteger contra picadas de mosquitos. Nenhum protocolo estadual faz recomendações explícitas para evitar ou adiar a gravidez, nem oferece às mulheres aconselhamento ou informações sobre planejamento familiar e métodos contraceptivos.[80] As versões mais recentes dos protocolos em ambos os estados, de dezembro de 2015, não abordam o risco de transmissão sexual de Zika e apresentam informações desatualizadas. Até 31 de maio de 2017, o protocolo da Paraíba afirma incorretamente que o vírus Zika não é transmitido através de relações sexuais.[81]
No fim de 2015, os governos do estado de Pernambuco e da Paraíba declararam estado de emergência e lançaram seus próprios planos estaduais para combater as doenças transmitidas pelo mosquito Aedes. Ambos os planos tinham medidas semelhantes, abrangendo atenção em saúde, vigilância epidemiológica e sanitária, comunicação, gestão e monitoramento das ações implementadas e pesquisa.[82] Um ano depois, o governo do estado de Pernambuco renovou pela segunda vez o status de emergência e lançou um novo plano.[83]
Financiamento da resposta à epidemia de Zika
A resposta à epidemia de Zika exigiu esforços nas esferas internacional, nacional, estadual e municipal e engajou especialistas e autoridades de vários setores, incluindo saúde, educação e pesquisa. A maior parte do financiamento foi para os principais pilares do plano nacional brasileiro, que se concentraram na mobilização e no combate ao mosquito, prestação de serviços à população afetada e promoção do desenvolvimento tecnológico, educação e pesquisa.
Em março de 2016, o governo federal anunciou planos de investir R$ 649 milhões (US$ 203 milhões) na erradicação de mosquitos, controle de vetores, diagnóstico e pesquisa.[84] O Ministério da Saúde também transferiu R$ 2,7 bilhões (US$ 840 milhões) para estados e municípios em 2016 para financiar programas estaduais e municipais de vigilância sanitária e medidas para controlar o mosquito Aedes, representando um aumento de aproximadamente R$ 800 milhões (US$ 250 milhões) em desembolsos federais para a vigilância em saúde em relação ao ano anterior.[85]
O governo federal também investiu recursos significativos na garantia de serviços para as populações afetadas, incluindo a aquisição de mais testes de Zika e de gravidez, e repelentes para mulheres grávidas inscritas no Bolsa Família, um programa de transferência de renda para famílias em situação de pobreza, bem como na construção e reforma de centros especializados em reabilitação , para pessoas com deficiência.[86] Em março de 2017, 52 novos centros estavam em operação, com um custo estimado de R$ 114 milhões (US$ 35,7 milhões) por ano.[87] Entre dezembro de 2015 e janeiro de 2017, o Ministério da Saúde expandiu o sistema de saúde pública para incluir 63 novos centros especializados de reabilitação, com um custo operacional anual de R$ 128 milhões.[88] Em 2017, a Secretaria de Saúde de Pernambuco vai expandir os serviços de reabilitação especializados em crianças com a síndrome de Zika para as 12 regionais de saúde. Atualmente, esses serviços existem em apenas 10 regiões.[89]
Na área de desenvolvimento tecnológico, educação e pesquisa, o governo brasileiro anunciou investimentos de mais de R$ 250 milhões (US$ 78,1 milhões) no desenvolvimento de vacinas contra Zika e dengue, tecnologias inovadoras de controle vetorial e na pesquisa sobre prevenção, diagnóstico e tratamento de Zika.[90]
Embora o plano nacional de Zika não destaque investimentos em infraestrutura de água e esgoto para combater os mosquitos, o Plano Nacional de Saneamento, lançado em 2013, estabelece como objetivos o acesso universal aos sistemas de água e coleta de lixo em áreas urbanas e a ampliação do acesso aos sistemas de esgotamento sanitário para 93 por cento das residências nas áreas urbanas até 2033.[91] O plano estimou a necessidade de um total de R$ 508,4 bilhões (US$ 158,9 bilhões) para alcançar esses objetivos.[92] Em 2014 e 2015, os investimentos totais em sistemas de água e esgotamento sanitário totalizaram aproximadamente R$ 12,2 bilhões (US$ 3,8 bilhões) por ano.[93] Um estudo recente publicado pela Confederação Nacional da Indústria concluiu que, se a atual tendência de investimentos continuar, toda a população brasileira estaria totalmente conectada a um sistema de esgotamento sanitário em 2054.[94] Uma infraestrutura de água e esgoto inadequada representa uma ameaça significativa para os esforços mais amplos do governo federal para combater o mosquito Aedes e as doenças que ele transmitem.
Os estados também investiram em medidas de erradicação. Pernambuco orçou seu plano de combate a todas as doenças transmitidas pelos mosquito Aedes em R$ 25 milhões (US$ 7,8 milhões) em 2016.[95] Desse total, R$ 5 milhões (US$ 1,6 milhão) foram alocados para o controle vetorial e aquisição de materiais e equipamentos de proteção individual, e outros R$ 5 milhões (US$ 1,6 milhão) foram dedicados a campanhas de conscientização. Os R$ 15 milhões (US$ 4,7 milhões) restantes foram destinados à construção de centros regionais para atender crianças com a síndrome de Zika.[96] Em 2017, o governo estadual de Pernambuco anunciou investimentos de R$ 78 milhões (US$ 24,4 milhões) para combater mosquitos, auxiliar pacientes com dengue, chikungunya e Zika, e pesquisa. [97]
Para melhorar a deficitária cobertura de saneamento, Pernambuco firmou a maior parceria público-privada anunciada no Brasil em 2013. Com investimentos planejados de R$ 4,5 bilhões (US$ 1,4 bilhão) ao longo de 35 anos, o projeto tem a meta de fornecer acesso universal ao saneamento a 14 municípios da região metropolitana de Recife e ao município de Goiana. A expectativa era de que em 12 anos a taxa de coleta de esgoto aumentasse de 30 por cento para 90 por cento, beneficiando 3,7 milhões de pessoas.[98] Três anos após o acordo, a taxa de coleta de esgoto aumentou minimamente, para 32,17 por cento, as empresas responsáveis pelos investimentos enfrentam problemas financeiros, e as obras estão atrasadas.[99] Além disso, os investimentos totais em serviços de água e esgotamento sanitário em todo o estado diminuíram entre 2013 e 2015, passando de R$ 746 milhões (US$ 233 milhões) para R$ 550,3 milhões (US$ 172 milhões).[100] O estado vizinho da Paraíba registrou uma diminuição semelhante nos investimentos em serviços de água e esgotamento sanitário, passando de R$ 148,4 milhões (US$ 46,4 milhões) em 2013 para R$ 56 milhões (US$ 17,5 milhões) durante o mesmo período.[101]
II. Resultados
Em fevereiro de 2017, a diretora-geral da Organização Mundial de Saúde declarou que “o Zika revelou falhas na preparação coletiva do mundo. O acesso deficiente aos serviços de planeamento familiar foi um deles. O desmantelamento de programas nacionais de controle de mosquitos foi outro”.[102] A Human Rights Watch concluiu que as autoridades brasileiras precisam tomar medidas adicionais para solucionar muitas dessas falhas existentes antes do surto de Zika. Nossa pesquisa encontrou lacunas na resposta das autoridades brasileiras que causam impactos nocivos e diversificados em mulheres e meninas e deixam a população em geral vulnerável a contínuos e futuros surtos de doenças graves transmitidas por mosquitos.
Em vez de planejar os investimentos necessários na infraestrutura de água e saneamento para controlar a proliferação de mosquitos, as autoridades brasileiras têm encorajado esforços a nível doméstico e familiar, principalmente na limpeza de recipientes de armazenamento de água e eliminação de água parada nas residências. As mulheres e meninas são muitas vezes responsáveis por essas tarefas, mas seus esforços são onerosos, e muitas vezes inúteis, se não for dada atenção às falhas estruturais dos serviços de água e saneamento.
Os papéis tradicionais de gênero na sociedade geralmente atribuem às mulheres e meninas a responsabilidade principal pela prevenção da gravidez não planejada, mas descobrimos que algumas mulheres e meninas não têm acesso a informações e serviços abrangentes de saúde reprodutiva no sistema público de saúde. As sanções penais para o aborto obrigam as mulheres e meninas grávidas a recorrerem a procedimentos clandestinos e muitas vezes inseguros para interromper uma gravidez indesejada. As mulheres grávidas carregam o ônus de prevenir a infecção por Zika e a transmissão ao feto durante a gravidez, mas descobrimos que muitas vezes elas sofrem de ansiedade e incerteza quando não conseguem acessar as informações ou os serviços de que precisam para se proteger do vírus. Nas famílias que estão criando crianças afetadas pelo vírus, as mulheres assumem predominantemente o cuidado primário dos bebês com síndrome de Zika, muitas vezes sem o apoio que poderia proporcionar às suas famílias os melhores resultados possíveis.
Os direitos humanos devem guiar os esforços do Brasil no futuro. Uma resposta ao surto de Zika baseada nos direitos humanos deve preencher as lacunas no cumprimento dos direitos a água e saneamento, dos direitos reprodutivos das mulheres e meninas e dos direitos das pessoas com deficiência.
A erradicação de mosquitos requer medidas estruturais e a nível doméstico
Uma abordagem sustentável e que respeita os direitos humanos para combater a transmissão do vírus Zika se concentraria em problemas estruturais relativos aos direitos a água e saneamento que impedem os esforços de erradicação de mosquitos no curto prazo. Em uma fase de emergência, o controle de vetores com foco nas residências é fundamental, mas ele não será suficiente no longo prazo se os problemas sistêmicos não forem abordados.
Na fase emergencial de uma epidemia transmitida por mosquitos, o controle de vetores de emergência é crucial para uma resposta multissetorial, que inclui a integração de controles de vetores químicos, mecânicos e biológicos e esforços de prevenção individual — essencialmente a pulverização por agentes de saúde, por caminhão ou via aérea para matar mosquitos e larvas e os esforços a nível domiciliar para eliminar água parada, que é foco de proliferação de mosquitos.[103] A longo prazo, melhorar a infraestrutura de água e saneamento é fundamental para alcançar um controle vetorial duradouro.[104] Até hoje, esse investimento de longo prazo no controle vetorial duradouro não tem sido uma prioridade do governo em sua resposta à epidemia de Zika, o que provavelmente sujeita o Brasil a enfrentar durante anos repetidos surtos de doenças transmitidas por mosquitos.[105] Mesmo os esforços no médio prazo, como a remoção de plantas aquáticas, a poda de vegetação de rios e lagos para mudar a as condições de luz solar e sombra, e a manutenção de revestimento dos canais, não são definidos como um pilar da resposta.[106]
Em suas diretrizes sobrea gravidez no contexto da infecção pelo vírus Zika, a Organização Mundial da Saúde afirma: “É essencial corrigir os determinantes sociais das doenças virais que são transmitidas pelos mosquitos Aedes aegypti ao nível da população. As estratégias para reduzir consideravelmente a ameaça potencial da infecção pelo vírus Zika devem, portanto, incluir esforços coordenados para proporcionar acesso sustentável e equitativo a água segura e limpa; aplicação consistente de práticas sanitárias e de higiene; e gerenciamento adequado do esgoto a nível comunitário”.[107]
O governo brasileiro trabalhou para envolver famílias e comunidades em intervenções de controle vetorial. Através de campanhas e anúncios públicos, o Ministério da Saúde instou os moradores a destruir os locais de reprodução de mosquitos, limpando e tampando recipientes de armazenamento de água e eliminando água parada. O governo federal coordenou esforços com as autoridades estaduais e municipais para intensificar o trabalho de erradicação.[108] Após essas ações, o percentual de residências com focos de proliferação de mosquitos diminuiu de 3,37 por cento no primeiro ciclo de 2016 para 1,91 por cento no último ciclo do ano.[109] Apesar do progresso, o número ainda excede o objetivo de um por cento estabelecido pelo Plano Nacional e que deveria ter sido alcançado em junho de 2016.[110] Além disso, iniciativas e campanhas envolvendo escolas públicas e organizações da sociedade civil conscientizaram e mobilizaram a população para erradicar os focos de proliferação de mosquitos[111] A UNICEF também prestou assistência para envolver os municípios no combate ao mosquito Aedes e treinou 2.383 mobilizadores sociais em 707 municípios, incluindo 771 adolescentes.[112]
Os municípios também tomaram medidas para erradicar os mosquitos.[113] No fim de 2015, Recife declarou estado de emergência e lançou um plano para combater o Aedes aegypti.[114] Entre outras medidas, o plano incluiu a contratação de mais 300 agentes de saúde ambiental e controle de endemias.[115] Em novembro de 2016, as autoridades de Recife anunciaram o plano 2017 para combater as doenças transmitidas pelo Aedes com várias iniciativas.[116] No entanto, os investimentos em saneamento não fazem parte do plano de erradicação da dengue, Zika e chikungunya, mesmo quando há investimentos no nível local relacionados ao saneamento.[117] Uma autoridade da Secretaria de Saúde de Pernambuco reconheceu que isso não é suficiente, dizendo: “A Saúde por si só não pode resolver esta questão. Assim, as secretarias de educação, habitação e saneamento também desempenham um papel”.[118]
Os governos municipais e estaduais também fizeram uso de inseticidas e larvicidas para reduzir a proliferação de mosquitos, no entanto, uma auditoria governamental realizada em cada estado durante o período entre 2014 e 2016 descobriu que mais da metade dos estados e um quinto dos municípios investigados não aplicaram os recursos tempestivamente. Os auditores também observaram estoques de inseticidas com prazo de validade vencido e condições inadequadas de armazenamento em diversos estados. Além disso, problemas de gestão, como o uso ineficiente dos veículos para pulverização de inseticidas, superfaturamento, falta de planejamento e controle de estoque e falhas na distribuição de inseticidas aos municípios, prejudicaram os esforços.[119]
A maior parte do esforço diário de erradicação de mosquitos, no entanto, recaiu sobre as famílias. A campanha “Sábado de faxina — não dê folga para o mosquito da dengue”, lançada no fim de 2015, pedia à população que limpasse suas casas uma vez por semana.[120] Um ano depois, o Ministério da Saúde lançou uma nova campanha com a mesma abordagem e um dia de limpeza diferente (sexta-feira). [121]
Os planos para a erradicação de mosquitos não abordaram a falta de serviços de água e esgotamento sanitário em muitas comunidades. Em todos os níveis do governo, as antigas falhas estruturais nos sistemas de água e esgotamento não foram abordadas de forma efetiva — limitando a eficácia dos esforços individuais das famílias e comunidades para erradicar os mosquitos, particularmente nas comunidades mais vulneráveis.
O plano nacional de combate ao Zika não aborda as falhas sistêmicas de saneamento e esgotamento sanitário que contribuem para a proliferação de mosquitos, o que significa que não há investimentos e esforços duradouros no controle vetorial para a eliminação do risco de Zika e outros arbovírus. Em outubro de 2016, durante a primeira reunião de uma rede nacional de especialistas de Zika, o ministro da Saúde afirmou: “A água tratada, esgoto tratado e o lixo coletado e tratado são fundamentais para evitar a disseminação de doenças. Precisamos sim fazer um investimento forte em saneamento”.[122]
Em vez disso, o foco nas residências transfere a responsabilidade de compensar a falta de água e esgotamento sanitário, colocando o ônus dos esforços de erradicação dos mosquitos nas famílias. Os esforços a nível doméstico — especificamente a eliminação de água parada em torno das casas ao esvaziar, limpar, tampar, virar de boca para baixo ou jogar fora recipientes que acumulam água — são fundamentais para um esforço emergencial de controle de vetores e as autoridades agiram corretamente ao enfatizar essas necessidades de forma imediata. No entanto, eles são inúteis e onerosos no médio e longo prazo se não há investimentos federais e locais para um controle vetorial duradouro através da melhoria dos serviços de água e saneamento. Talita Rodrigues, ativista em Recife, explicou:
As autoridades estaduais e federais de saúde começaram a dizer às pessoas que elas precisavam limpar suas casas, seus bairros, não deixar água parada, mas, ao mesmo tempo, há água estagnada a céu aberto, água suja, esgoto, água da chuva, lama [em suas comunidades]. Então, era bastante confuso porque o Estado não estava enxergando sua própria responsabilidade [em resolver os problemas de água e saneamento], e estava transferindo para as pessoas a responsabilidade de manter suas casas limpas.[123]
A responsabilidade pessoal de limpar os domicílios não será suficiente para impedir a proliferação de mosquitos se a infraestrutura de água e esgoto for insuficiente. A população com difícil acesso a serviços de água e esgotamento sanitário, como muitos moradores das duas cidades onde a Human Rights Watch realizou a pesquisa para este relatório — Recife, no estado de Pernambuco, e Campina Grande, no estado da Paraíba — pode estar especialmente vulnerável a doenças transmitidas por mosquitos.[124] De fato, a maioria das pessoas entrevistadas para este relatório disse à Human Rights Watch que elas ou membros da família foram infectados por Zika, dengue ou chikungunya nos últimos anos.
Desde 2015, a economia brasileira sofre uma profunda recessão, com altas taxas de desemprego e inflação. Mas muito antes da recente crise econômica, inclusive em tempos de crescimento econômico, os investimentos governamentais em infraestrutura de água e saneamento eram inadequados.
Em 2007, após mais de duas décadas de investimentos limitados em saneamento, o Congresso aprovou uma nova lei sobre saneamento, com a regulamentação da lei sendo feita por decreto em 2010, o que deu impulso ao setor.[125] Uma autoridade do Ministério das Cidades explicou que, até então, “a legislação era dispersa, o que reflete o fato de que, durante décadas, o saneamento não fazia parte da agenda do governo”.[126] Alguns estados com mais recursos investiram no setor, mas os estados de regiões mais pobres, como o nordeste, trabalharam duro no período sem financiamento federal para evitar uma redução nas taxas de cobertura. Desde 2007, o governo federal aumentou o investimento em água e esgotamento sanitário. O investimento total cresceu de R$ 4,238 bilhões em 2007 para R$ 12,175 bilhões em 2015. [127] Ainda assim, a expansão no fornecimento de serviços de água e esgotamento tem sido dolorosamente lenta. Os problemas institucionais e de gestão — incluindo a simples falta de projetos qualificados — criaram gargalos na realização de investimentos, um risco previsível após décadas de negligência.
No entanto, houve um pequeno aumento nas taxas de cobertura desde 2007. A população brasileira com acesso a sistemas de abastecimento de água aumentou de 80,9 por cento em 2007 para 83,3 por cento em 2015, e de esgotamento sanitário, de 42,0 por cento para 50,3 por cento.[128] Em Recife, a parcela da população que tem acesso a serviços de água e esgotamento cresceu de 72,3 por cento e 15,1 por cento em 2007 para 76,3 por cento e 17,3 por cento em 2015, respectivamente.[129] Um executivo da empresa de saneamento da Paraíba resumiu o contexto: “Desde 2007, eles começaram a investir novamente, desenvolvendo novos projetos, mas não na velocidade necessária, e agora ficou complicado novamente por causa da situação [econômica] brasileira”.[130] No contexto da recessão, será difícil para as autoridades brasileiras superarem o déficit em investimentos em água e esgotamento e alocarem os recursos necessários para resolver de forma sustentável as falhas nos sistemas.
Armazenamento de água para lidar com o abastecimento descontinuado
Muitas famílias não têm acesso contínuo à água sem armazená-la em casa. Isso é particularmente verdadeiro em comunidades que dependem de conexões de água clandestinas, ou em áreas que têm problemas de abastecimento. No estado da Paraíba, Campina Grande e cidades vizinhas foram afetadas por uma grave seca nos últimos anos. A principal fonte de água da cidade caiu para níveis perigosamente baixos, e o abastecimento de água intermitente faz com que muitos moradores armazenem água em grandes recipientes em suas casas, numa quantidade que vai além de suas necessidades diárias.[131] Partes do estado de Pernambuco foram igualmente impactadas pela seca. De acordo com executivos da empresa estatal de água, os sistemas de abastecimento de água de 30 municípios estão em colapso total devido à seca e são abastecidos com água apenas por caminhão-pipa.[132] Mesmo apenas um único dia com água em um mês inteiro não qualifica o município para o abastecimento de água por caminhão-pipa. Por exemplo, em Santa Cruz do Capibaribe, o acesso à água é restrito a dois dias com água e 28 sem, mas a companhia estadual não distribui água adicional por caminhão-pipa. “Estes [caminhões-pipa] são usados apenas em casos de colapso total”, de acordo com um executivo.[133] Bairros informais dentro e ao redor de Recife geralmente vivem em condições parecidas, porque dispõem de abastecimento de água intermitente devido a conexões clandestinas ou não confiáveis com o sistema de água. A água armazenada, se não for devidamente coberta e tratada, pode criar focos de reprodução de mosquitos.
Para este relatório, a Human Rights Watch perguntou a 60 pessoas que visitaram serviços de saúde nos estados de Pernambuco e Paraíba e em bairros pobres em torno de Recife e Campina Grande sobre seu acesso à água nas diversas comunidades onde moram. Apenas um terço delas disse que tinha acesso contínuo à água em suas casas. O resto respondeu que a água só chega a suas torneiras dois ou três dias por semana, ou às vezes em menor frequência. Uma autoridade da Secretaria de Saneamento de Recife confirmou que Passarinhos, uma das comunidades que a Human Rights Watch visitou, tem acesso intermitente à água. “Eles dizem que é um dia com água e cinco sem, mas observamos que pode ser mais de cinco dias sem”, disse ela.[134] Embora não seja uma amostra representativa, nossa pesquisa sugere que existem barreiras significativas para a disponibilidade contínua de água em áreas residenciais. Um relatório da OMS e da ONU Água confirmou que mais de um terço da população brasileira não tem acesso a um abastecimento contínuo de água. [135]
Como resultado, a maioria das pessoas não tem outra alternativa senão encher tanques e outros recipientes com água para uso doméstico. Se esses recipientes não forem devidamente cobertos, eles se tornam potenciais focos de reprodução de mosquitos. Clara, moradora de 28 anos de idade de um bairro pobre de Recife e mãe de três filhos, explicou-nos em detalhe como um agente da saúde lhe ensinou como manter os recipientes onde ela armazena água livres de larvas. Ela tem um tanque grande que coleta água quando há abastecimento. Além disso, ela usa dois baldes grandes para armazenar a água que a família usa durante a semana. “Todos os sábados, eu esvazio os baldes para lavá-los e depois encho com água limpa”, disse ela.[136]
Onde a água é escassa ou cara, esse tipo limpeza não é possível. Alícia, de 36 anos, residente da Paraíba e grávida de quatro meses no momento da entrevista com a Human Rights Watch, disse ter acesso intermitente à água em casa. “Temos medo de ficar sem água”, explicou. “Então [quando a água vem], nós enchemos tudo. Onde eu moro, há vizinhos com muitos recipientes, e eles estão cheios de pequenas larvas [do mosquito], certo? A pessoa enche tudo o que pode, então, é complicado, porque não usamos toda a água e a guardamos para a semana seguinte e, assim, a situação piora.”[137]
Alguns entrevistados na Paraíba disseram que seu acesso à água diminuiu desde o início da epidemia de Zika, devido à seca e ao racionamento de água.[138] Mirella, de 48 anos, disse à Human Rights Watch: “Faz um ano ou mais que temos água apenas três dias por semana porque não está chovendo o suficiente e a água não está chegando ao reservatório”. Mirella disse que era difícil cuidar de seus quatro filhos e sua mãe idosa com um abastecimento de água descontinuado: “Tenho filhos em casa, eles sempre estão sujos e suas roupas ficam sujas. Precisamos de água para lavá-las e tomar banho. Minha mãe também mora comigo, e também preciso de água para ela”.[139]
Natália, paraibana de 30 anos, grávida de 34 semanas no momento em que foi entrevistada pela Human Rights Watch, disse ter acesso à água a cada três dias. “Devido ao racionamento, temos que armazenar água e muitos não a armazenam de forma correta”, disse ela. Ela descreveu como sua família foi afetada por um surto de dengue em sua comunidade no início de 2016: “Na minha comunidade, havia muitos, muitos casos de dengue .... Na casa de minha mãe, de quatro pessoas, minha mãe, meu pai e minha irmã tiveram dengue. Só a minha sobrinha não teve ... Foi uma epidemia lá”. [140]
Sistemas de esgotamento sanitário deficientes em comunidades de baixa renda
Sistemas de esgotamento sanitário inadequados, particularmente em comunidades pobres, tornam os esforços a nível doméstico para controlar a proliferação de mosquitos inúteis no longo prazo. Muitas das comunidades marginalizadas que a Human Rights Watch visitou em Recife possuíam canais abertos ou pântanos, onde lixo e detritos criavam áreas de água suja e estagnada. Em muitas comunidades, o esgoto e águas residuais fluíam diretamente para esses canais abertos. De acordo com autoridades da empresa estatal de água, hoje cerca de 35 por cento da população da região metropolitana de Recife têm acesso ao sistema de esgotamento sanitário. [141]
Quase todos os entrevistados disseram que cobriam seus recipientes de armazenamento de água em casa, mas muitos disseram que havia outras fontes de água parada em suas comunidades as quais eles não podiam controlar. [142] Muitos dos domicílios em bairros extremamente pobres que visitamos eram margeados por canais de água a céu aberto que serviam para coletar o esgoto não tratado. Os pesquisadores da Human Rights Watch puderam observar mosquitos e larvas nessas áreas.[143] Um estudo de 2016 detectou que bueiros, entre outros tipos de água parada, serviam de depósito de larvas e locais de repouso para mosquitos adultos que podem transmitir Zika e outros vírus. No entanto, muitas vezes eles não são incluídos nas ações de erradicação.[144]
Em várias comunidades de baixa renda, a Human Rights Watch viu esgoto não tratado fluindo em canais a céu aberto, estradas ou córregos próximos das comunidades, permitindo o acúmulo de água suja e estagnada — um ambiente ideal para a procriação de mosquitos. Alguns entrevistados disseram que a descarga de seus banheiros ia diretamente para canais abertos nas proximidades.[145] Um agente comunitário de saúde em uma favela de Recife com 12 mil habitantes explicou: “Todo o esgoto não tratado vai para o rio [...] Tem esgoto a céu aberto nas ruas”.[146] Clara, que descreveu como lava e cobre diligentemente os tanques onde armazena água, reconheceu a utilidade limitada de seus esforços porque o pântano atrás de sua casa serve como um criadouro de mosquitos. “Tenho um vaso sanitário em casa, e ele vai diretamente para o rio. Nós não temos água parada aqui em casa, mas o rio está bem atrás de nós.” [147] Isso é frustrante para ela. Um agente de saúde ambiental recentemente inspecionou seu tanque de água e lhe disse: “Parabéns, continue assim!”. Mas isso não muda o fato de que o esgoto e resíduos sólidos que abarrotam o pântano e o rio poluído continuam logo atrás da casa.[148]
Uma moradora de 19 anos de uma comunidade de baixa renda que conversou com a Human Rights Watch sentada do lado de fora de casa com seu bebê de três semanas, disse que com frequência há água parada na rua e que havia “muitos, muitos mosquitos” em sua casa. Ela teve chikungunya durante a gravidez, mas seu bebê nasceu saudável.[149]
Em outra comunidade em Recife, os pesquisadores da Human Rights Watch caminharam por ruas irregulares e não pavimentadas com Rebeca, de 25 anos, na época, grávida de gêmeos. Ela mostrou o esgoto fluindo diretamente para as ruas em seu bairro, e a água suja e parada acumulada em áreas próximas à sua casa. “Ninguém se importa com o que estamos vivendo aqui”, disse ela. Ela teve Zika antes da gravidez.[150]
Thaís, uma menina de 17 anos que deu à luz um bebê com síndrome de Zika em janeiro de 2016, mostrou à Human Rights Watch um canal aberto de esgoto perto de sua casa no estado da Paraíba. “Nós temos muitos mosquitos. O esgoto não está coberto, e à noite está cheio de mosquitos”, disse ela. Quando seu bebê tinha cinco meses de idade, Thaís e toda a família, incluindo o bebê, tiveram dengue e chikungunya. “Ninguém escapou”, disse ela. “Nós mal podíamos andar. Nossas pernas doíam muito. [Tivemos] febre, exantema. Eu tive dengue primeiro e depois chikungunya.”[151] Júlia, 23, mora na mesma comunidade e teve chikungunya durante sua gravidez mais recente. Ela disse que havia “muita” água parada em sua comunidade: “Tem esgoto nas ruas e o canal está aberto. É esgoto no canal”. Ela explicou que agentes de saúde visitaram sua casa para checar seus recipientes de armazenamento de água e detectar sinais de reprodução de mosquitos. “Mas ninguém vem lidar com o esgoto”, disse ela. [152]
Visitas de agentes ambientais a residências, uma importante linha de defesa
Embora sejam necessários esforços no longo prazo para se ter um controle de vetores duradouro, mesmo os esforços a nível doméstico das autoridades brasileiras não foram suficientes em alguns lugares para realizar o controle vetorial nas residências. Muitas pessoas entrevistadas pela Human Rights Watch informaram que as autoridades de saúde visitavam suas casas periodicamente para verificar os recipientes de armazenamento de água em busca de sinais de reprodução de mosquitos e tratar a água com produtos químicos para destruir larvas de mosquitos (larvicidas). No entanto, muitos disseram que eram oferecidas poucas informações, quando alguma, durante essas visitas, sugerindo uma oportunidade perdida para educar o público sobre a prevenção de Zika. Jessica, uma mulher de 24 anos no estado de Pernambuco, que estava grávida de oito meses, disse: “Tem um agente ambiental que vem checar a água nas casas. Não é para dar informações, é para tratar a água ... Eles colocam um produto químico na água, mas eles não nos educam”. [153]
Ana Sophia, uma garota de 17 anos no estado de Pernambuco, que estava grávida de cinco meses quando falou com a Human Rights Watch, descreveu uma experiência similar: “Eles só vêm, checam a água e, se necessário, colocam medicamentos na água”. Ela disse acreditar que educação adicional poderia levar os membros de sua comunidade a cooperar de forma mais ampla com as ações do governo para erradicar o mosquito a nível doméstico. “Eu acho que eles devem informar as pessoas”, disse, “porque alguns [dos meus] vizinhos não gostam quando colocam algo na água porque fica sujo no fundo do recipiente. As pessoas não permitem que [os agentes da saúde apliquem um larvicida] porque elas não gostam, mas se soubessem por que é tão importante, elas talvez permitissem”. [154]
Algumas mulheres relataram que conversaram com agentes de saúde sobre o controle de vetores, mas a maioria disse que os agentes mencionavam apenas a dengue ou o chikungunya, e não o Zika, e não explicavam nada sobre a necessidade de controlar a proliferação de mosquitos em geral. “Agentes de saúde vieram falar sobre o chikungunya e sobre não ter água parada nem nada sujo. Só isso, mas foi há muito tempo”, disse Helena, de 34 anos e moradora de Recife. [155] Ela achava que tinha sido em fevereiro de 2016, oito meses antes da nossa entrevista, e pouco depois que cinco pessoas de sua família contraíram chikungunya. É necessário um contato consistente com a comunidade e a forma como é feita a comunicação sobre a necessidade de controle vetorial para combater múltiplas ameaças precisa melhorar.
O sucesso dessas ações também depende de um fornecimento contínuo de larvicida e agentes ambientais suficientes para inspecionar as residências. Uma autoridade municipal de vigilância ambiental na Paraíba disse à Human Rights Watch que nos meses que antecederam a epidemia, entre maio e novembro de 2015, seu município sofreu um desabastecimento do larvicida usado para o controle de vetores devido à falta de financiamento federal. “Em média, usamos 40 kg de larvicida por mês. Houve momentos em que recebemos apenas 10 kg por mês, e teve momentos [entre maio e novembro de 2015] que não recebemos nada. Esse desabastecimento aconteceu durante uma crise de água na região.”[156] Ela indicou que o mesmo aconteceu de forma consistente em municípios em todo o estado. Um diretor de vigilância da saúde do estado disse à Human Rights Watch que o contrato de agentes ambientais em alguns municípios terminou após as últimas eleições locais, deixando uma lacuna temporária nos serviços.[157]
A maior preocupação é que algumas pessoas, particularmente as que vivem em comunidades de baixa renda, disseram à Human Rights Watch que ninguém havia visitado suas casas ou comunidades para tentar erradicar a população de mosquitos.[158]
Impacto sobre mulheres e meninas
Algumas defensoras dos direitos das mulheres disseram à Human Rights Watch que o foco do governo em intervenções domésticas para limitar a proliferação de mosquitos teve um efeito nocivo ou estigmatizante sobre mulheres e meninas, pois cria a impressão de que elas são culpadas por não conseguir controlar a população de mosquitos. Essa abordagem parece ignorar problemas sistêmicos relacionados aos esforços de erradicação e aos sistemas de água e esgotamento sanitário que podem prejudicar os esforços a nível doméstico. As normas tradicionais de gênero colocam o ônus dos esforços de erradicação do mosquito a nível doméstico — limpeza de recipientes de água e eliminação de água parada nas casas — nas mulheres e meninas, que já assumem a responsabilidade primária pela prevenção da gravidez. Paula Viana, secretária executiva do Grupo Curumim, uma organização feminista em Pernambuco, explicou: “Não há campanhas governamentais sobre os direitos das mulheres sobre a questão de Zika. É tudo sobre o mosquito. A mensagem para as mulheres é que você tem que limpar sua casa e não engravidar”.[159]
Líderes de um grupo de direitos das mulheres que trabalham em uma comunidade de baixa renda no estado de Pernambuco disseram à Human Rights Watch que pesquisaram os impactos da epidemia do vírus Zika na comunidade. Elas detectaram problemas nas comunicações governamentais em torno da epidemia de Zika para mulheres e meninas:
O que está sendo divulgado [ao público] é que as pessoas são responsáveis pelo que está acontecendo. Obviamente, somos responsáveis por jogar o lixo, mas é claro que as causas da epidemia são muito maiores. [160]
Vera Baroni, líder de Uiala Mukaji, uma organização de mulheres negras em Pernambuco, concorda:
As mulheres estão sendo culpadas por essa crise. [As mulheres estão sendo informadas] de que são responsáveis por não limpar o suficiente, por não lidar com a água parada .... A maioria não tem acesso à água, então elas precisam armazenar água, e elas são responsabilizadas pela maneira como armazenam a água. O governo não reconhece que a falta de investimento em água e saneamento é o que leva as mulheres a armazenar água. .... Além disso, o lixo não é coletado corretamente. O governo não reconhece seus erros. Apenas culpa as mulheres.[161]
Uma mulher grávida entrevistada pela Human Rights Watch no estado de Pernambuco descreveu como precisava se manter constantemente vigilante sobre a água parada e o uso de repelentes, ao mesmo tempo em que tinha que lidar com a constante ansiedade de contrair Zika. “Estou sendo pressionada o tempo todo para tomar todos os tipos de cuidados com a gravidez, cuidados com o bebê”, disse ela. “Isso me afeta muito. Agora, como eu ainda estou no início da gravidez e o bebê ainda está em desenvolvimento, fico realmente assustada.”[162]
Reduzir a gravidez não planejada e garantir o direito de escolha reprodutiva
A Human Rights Watch descobriu que algumas mulheres e meninas continuam enfrentando desafios no acesso a informações e serviços básicos que lhes permitiriam prevenir a gravidez durante o surto de Zika. Além disso, as restrições aos serviços de saúde reprodutiva, em especial ao aborto, podem levar mulheres e meninas que não conseguiram prevenir a gravidez e se preocupam com o impacto do vírus a procurar métodos clandestinos e muitas vezes perigosos para interromper a gestação. Apesar das dificuldades na prevenção de uma gravidez não planejada, muitas mulheres e meninas entrevistadas pela Human Rights Watch relataram que tiveram dificuldades para ter acesso a opções de planejamento familiar permanentes ou de longa duração.
O protocolo nacional sobre a resposta necessária e adequada ao vírus Zika incluiu orientação sobre serviços médicos pré e pós-natal e enfatizou o acesso à contracepção. No entanto, o protocolo não abordou o acesso ao aborto em circunstâncias em que o procedimento seria legal nem identificou como superar barreiras no acesso à contracepção entre populações tradicionalmente desassistidas.[163]
O Brasil deve desenvolver ações conjuntas para reduzir o número de casos de gravidez não planejada, fornecendo às mulheres e meninas informações e serviços abrangentes de saúde reprodutiva, incluindo opções contraceptivas de longo prazo, e identificar e resolver quaisquer problemas e obstáculos na distribuição e acesso aos mesmos. Também deve garantir que mulheres e meninas tenham autonomia reprodutiva e acesso ao aborto seguro e legal, para que não necessitem recorrer a procedimentos clandestinos que colocam suas vidas em risco para interromper uma gravidez não planejada e não desejada. Restrições legais excessivas ao acesso ao aborto dificultam uma resposta que respeite os direitos.
Gravidez não planejada
Um alerta público do Ministério da Saúde sobre o Zika incentivou mulheres e meninas a procurarem uma Unidade Básica de Saúde para receber orientação sobre planejamento familiar e contraceptivos e escolher um método anticoncepcional para prevenir uma gravidez não planejada.[164] Também recomendou que as mulheres interessadas em engravidar conversassem com um profissional de saúde antes de fazê-lo.[165] No entanto, a resposta do governo não expandiu os serviços de planejamento familiar, particularmente o acesso a métodos contraceptivos de longo prazo. Devido aos relatos de transmissão sexual do vírus Zika, o então diretor executivo do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Dr. Babatunde Osotimehin, exortou “os governos e todos os outros parceiros a fornecer informações e acesso ao planejamento familiar voluntário, incluindo preservativos”.[166] No entanto, na prática, isso não parece ter sido parte constante da resposta encontrada pelas mulheres e meninas entrevistadas pela Human Rights Watch.
Um administrador de hospital expressou sua frustração com o fato de isso não ser uma prioridade maior. “A maioria dos casos de gravidez não é planejada ... Eles disseram ‘você não deveria engravidar’, mas não fizeram nada diferente.”[167] Mesmo quando as autoridades tornaram isso uma prioridade, só foi feito após um grande atraso. Em novembro de 2016, quase um ano após o início da emergência da saúde pública, as autoridades do Recife anunciaram o fortalecimento dos serviços de planejamento familiar como parte do seu plano de 2017 para combater as doenças transmitidas pelo Aedes.[168]
Um estudo publicado em 2017 descobriu que 66 por cento das mulheres em idade fértil no nordeste do Brasil estavam tentando evitar a gravidez em 2016.[169] Mas menos de um terço das mulheres e meninas que a Human Rights Watch entrevistou sobre o planejamento familiar — a maioria em serviços de saúde ou em comunidades perto de Recife e Campina Grande — disse que sua gravidez mais recente foi planejada. O restante relatou uma variedade de razões para uma gravidez não planejada, incluindo a falta de informações básicas claras e acessíveis sobre saúde reprodutiva. Embora não seja uma amostra representativa, muitas mulheres que tiveram uma gravidez não planejada experimentaram falhas similares dos métodos contraceptivos, muitas vezes relacionadas à falta de informações sobre o uso correto.
Embora a maioria dos métodos contraceptivos modernos tenha uma alta taxa de sucesso quando usados corretamente, muitos podem ter eficácia reduzida quando há erro humano.[170] Pelo menos duas das pessoas com quem conversamos, mulheres com idades entre 34 e 47 anos, relataram acidentalmente ter esquecido de tomar uma pílula antes de engravidar.[171] Outras disseram que engravidaram ao trocar de anticoncepcional ou tomar antibióticos que afetaram a eficácia da pílula.[172] Várias mulheres, incluindo uma que tem um bebê com síndrome de Zika, relataram que engravidaram enquanto tomavam um anticoncepcional de baixa dosagem durante a amamentação.[173] Algumas mulheres e uma menina disseram à Human Rights Watch que a inconstância no fornecimento de anticoncepcionais pelos postos de saúde acarretou na interrupção da dosagem — em alguns casos, não havia pílulas ou injeções, em outros o serviço estava fechado devido a greves.[174]
Várias mulheres com idades entre o fim dos 30 anos e início dos 40 relataram que ficaram chocadas com a gravidez, algumas acreditavam que já estavam entrando na menopausa e que já não podiam engravidar.[175] Veronica, de 42 anos e mãe de um bebê com síndrome de Zika, disse à Human Rights Watch que achava que era muito velha para engravidar. “Quando descobri, minha vida desmoronou, porque não estava planejando”, disse.[176]
A esmagadora maioria das mulheres e meninas entrevistadas pela Human Rights Watch sobre gravidez não planejada descreveu suas primeiras reações como negativas — de “uma bomba que explodiu na minha vida” a ficar “perturbada”, “chocada”, “desesperada” ou “assustada”.[177] A maioria das mulheres que continuaram a gravidez não planejada não quis discutir detalhes sobre outras opções que consideraram em resposta à gravidez não planejada — incluindo aborto ou adoção. Mas algumas disseram à Human Rights Watch que consideraram essas opções. Patrícia, de 21 anos, teve seu primeiro filho quando tinha 16 anos. Grávida novamente, de forma não planejada, ela disse à Human Rights Watch: “Eu sabia que tinha outras opções, mas nunca as escolhi”.[178] Outra mulher que teve uma gravidez não planejada disse à Human Rights Watch que “sentiu-se abalada e triste” depois que descobriu que estava grávida. Ela considerou um aborto, mas, em vez disso, decidiu continuar a gravidez e ter uma ligadura de trompas realizada simultaneamente com o parto, para evitar uma nova gravidez indesejada no futuro.[179]
Um fato particularmente preocupante é que muitas mães que têm filhos com a síndrome de Zika disseram que não receberam aconselhamento contraceptivo pós-parto, deixando-as sem informações abrangentes sobre suas opções para prevenir uma gravidez futura.[180] Algumas já tiveram gestações não planejadas desde então.
Abortos clandestinos e inseguros
Embora as mulheres que entrevistamos relutaram em discutir o aborto no contexto de suas gestações atuais, estudos mostram que, apesar da criminalização, muitas mulheres e meninas no Brasil colocam sua saúde e vidas em risco para ter acesso a abortos clandestinos. Por exemplo, de acordo com um estudo de 2015, até 865 mil abortos ocorreram em 2013 entre mulheres e meninas de 15 a 49 anos no Brasil.[181] Uma pesquisa mais recente estima que aproximadamente uma em cada cinco brasileiras na idade de 40 anos interrompeu uma gravidez durante a vida e, em 2015, cerca de 500 mil mulheres tiveram abortos.[182]
Poucos serviços de saúde oferecem abortos legais. Um estudo estimou que há apenas 37 serviços realizando abortos legais em todo o Brasil e que em sete estados os serviços não estavam ativos.[183] Além disso, um número muito pequeno de abortos no Brasil ocorre em circunstâncias legais. De acordo com um estudo acadêmico, as 37 unidades ativas que oferecem aborto no Brasil atenderam 5.075 mulheres que procuram aborto legal e realizaram 2.442 interrupções de gravidez entre 2013 e 2015. O estudo analisou 1.283 abortos ocorridos em cinco dessas unidades de saúde, uma de cada região do Brasil.[184] Noventa e quatro por cento desses abortos legais foram casos de estupro; 15 por cento foram fornecidos a garotas de 11 a 14 anos e cinco foram fornecidos a meninas com menos de 10.[185] Segundo dados do Ministério da Saúde fornecidos à Human Rights Watch, em 2015 foram realizados 1.667 abortos legais e, em 2016, 1.678.[186] Um total de 11.318 abortos legais foram realizados entre 2010 e 2016.[187]
A indisponibilidade e o acesso restrito ao aborto legal significam que a grande maioria dos abortos é feita de forma clandestina e muitas vezes insegura, mesmo quando eles se enquadram nas exceções previstas em lei. A Human Rights Watch entrevistou obstetras que prestaram atendimento de emergência a pacientes que recorreram a abortos ilegais. A coordenadora de uma unidade de terapia intensiva obstétrica em Recife relatou casos extremos, incluindo casos em que a paciente morreu devido a um aborto inseguro. A natureza ilegal do aborto complica as dificuldades de mulheres em crise:
Elas estão desesperadas e tentam qualquer coisa, e então usam um método inseguro .... Recebemos muitas pacientes gravemente doentes, mas não é tão comum tratá-las por complicações pós-aborto porque muitas não contam a verdade. Elas chegam com complicações, mas não dizem o que aconteceu ... Se soubéssemos que algo foi tentado, poderíamos começar os antibióticos mais cedo, porque o risco de infecção é maior.[188]
De acordo com dados oficiais, o aborto inseguro é a quarta principal causa de mortalidade materna no Brasil. Desde 2005, 911 mulheres morreram de aborto inseguro, incluindo 69 em 2015 e 48 em 2016.[189] Aproximadamente 17 por cento das mortes relacionadas a abortos entre 2011 e 2015 foram de adolescentes e jovens entre 10 e 19 anos.[190]
As complicações relacionadas ao aborto inseguro levam a estimadas 250 mil hospitalizações a cada ano.[191] Esse número provavelmente subestima muito as consequências do aborto inseguro. Como o aborto é em grande parte ilegal, é provável que as pacientes que tentaram o aborto e tiveram complicações tenham medo de dizer aos profissionais de saúde o que provocou as complicações. Isso dificulta a coleta de dados sobre o problema. [192]
Algumas mulheres entrevistadas pela Human Rights Watch tiveram experiências ou testemunharam complicações de abortos inseguros. Uma mulher de 23 anos disse à Human Rights Watch que tomou comprimidos que comprou em uma farmácia para interromper uma gravidez quando foi estuprada aos 13 anos. Na época, ela não sabia que provavelmente poderia ter obtido acesso ao aborto legal: “Eu não tinha muita informação. Eu não sabia o que podia fazer”, disse. Depois de tomar as pílulas, ela sofreu uma grande hemorragia, ao ponto de sua roupa se encharcar de sangue. “Eu sangrei muito”, disse, descrevendo o quanto ficou assustada e despreparada.[193] Outra mulher, também de 23 anos, disse que levou uma amiga para o hospital com complicações pós-aborto depois que ela tomou uma substância abortiva que adquiriu clandestinamente. Ao descrever a experiência, ela disse: “Ela estava sangrando muito, e desmaiou. Eu estava com ela. Eu estava desesperada. Estava com medo que ela não fosse sobreviver”.[194]
As pessoas que mais sofrem com as restrições legais ao acesso ao aborto são mulheres e meninas pobres e marginalizadas, que não têm condições de pagar por procedimentos mais seguros e, em vez disso, recorrem a métodos inseguros de aborto ou se sentem obrigadas a levar adiante uma gravidez que não desejam.[195] Um médico explicou: "A verdade é que no Brasil os abortos acontecem... Pessoas ricas podem fazê-lo com segurança. As pessoas pobres têm que recorrer a métodos inseguros e morrem por causa disso”.[196] No contexto da criminalização, prestadores clandestinos abusivos podem se aproveitar ou mesmo causar danos às mulheres mais marginalizadas, conforme ilustrado pelo trágico caso de Jandira dos Santos, que ganhou atenção internacional. A polícia suspeita que Santos morreu depois de um aborto ilegal fracassado em 2014 e seu corpo foi mutilado para ocultar sua identidade.[197]
A criminalização do aborto também torna as mulheres mais propensas a serem coagidas a abortar de forma insegura, já que elas não podem procurar livremente aconselhamento médico profissional sobre suas opções. Uma mulher contou à Human Rights Watch sobre a pressão que seu parceiro colocou sobre ela para fazer um aborto, mesmo que não fosse seguro. “Ele me forçou a ir a lugares para procurar comprimidos. Foi horrível. Não era o que eu queria.[198] Ela não conseguiu encontrar as pílulas e continuou a gravidez, o que disse ter sido “um alívio”.[199] Nem todas as mulheres têm a mesma sorte. Uma obstetra de emergência disse à Human Rights Watch que atendeu uma mulher de 26 anos, cujo namorado a forçou a ter um aborto. Ele a levou para um local clandestino, onde colocaram algo cáustico em sua vagina; seu útero se rompeu. Ela perdeu o útero e os ovários, provocando menopausa precoce, e seu cólon foi danificado.[200]
Restrições legais ao aborto impedem mulheres e meninas de falar abertamente sobre suas opções quando passam por uma gravidez não planejada. Um médico explicou como a descriminalização do aborto poderia criar oportunidades para que os prestadores ofereçam o aconselhamento abrangente de que as mulheres e as meninas precisam quando enfrentam uma gravidez não planejada:
Na minha opinião, o governo deve legalizar e apoiar [o aborto]. Dessa forma, as mulheres podem buscar o sistema de saúde, onde há apoio psicológico e médico. Muitas vezes, tudo o que essas mulheres precisam é apoio. Elas estão sozinhas. Se elas soubessem que existem outras opções, como a adoção, elas talvez não abortariam.[201]
A ansiedade e a incerteza em relação ao surto do vírus Zika podem ter aumentado a demanda por abortos ilegais no Brasil. Um estudo de julho de 2016 publicado no The New England Journal of Medicine analisou os pedidos de aborto em 19 países latino-americanos recebidos pela Women on Web — uma organização sem fins lucrativos que oferece medicação para aborto em países onde os serviços de aborto seguro são altamente restritos — antes e depois do anúncio, em novembro de 2015, feito pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) relacionado aos riscos do vírus Zika. O estudo detectou um aumento de 108 por cento nos pedidos de aborto no Brasil após o anúncio da OPAS sobre o Zika, em comparação com um modelo baseado em dados estatísticos de anos anteriores.[202]
O estudo concluiu que, com a epidemia de Zika na América Latina,
[H]á tanto uma necessidade de informação mais clara quanto um aumento nos pedidos de aborto que atualmente não são atendidos por seus próprios sistemas de saúde. Enquanto a resposta da OMS à epidemia de Zika se concentra em maior vigilância, controle de vetores, comunicação e orientação, nossos resultados mostram que dar conselhos a mulheres que não podem segui-los apenas gera medo e ansiedade. Garantir a autonomia reprodutiva através do acesso a uma gama completa de escolhas reprodutivas é atualmente uma peça ausente da resposta da saúde pública ao Zika.[203]
O jornal Estadão relatou um aumento no número de abortos no estado de Pernambuco desde o surgimento do vírus Zika, ilustrando a reportagem com testemunhos. Uma assistente social que acompanha mulheres grávidas identificadas como tendo complicações relacionadas ao Zika ou outros vírus transmitidos por mosquitos disse ao Estadão que algumas de suas pacientes que receberam um diagnóstico precoce de complicações fetais interromperam o pré-natal e buscaram abortos fora do sistema de saúde. Uma mulher de 28 anos, inicialmente feliz com sua gravidez, disse ao Estadão que interrompeu a gravidez depois de descobrir que o feto tinha sérios problemas neurológicos relacionados a um vírus transmitido por mosquitos: “Não falei nada [na clínica pré-natal] sobre a intenção de abortar. Fiquei com medo que me denunciassem. Fui embora e sumi. Procurei uma amiga e ela me levou em uma clínica clandestina onde ela já tinha feito um aborto no ano passado. O meu namorado me deu o dinheiro. Claro que fiquei triste, mas sabia que era o que eu tinha de fazer”.[204]
Em fevereiro de 2016, um representante do estado de Pernambuco apresentou um projeto de lei na Câmara Federal que aumentaria as penas para as mulheres que fazem abortos por microcefalia ou outras anomalias fetais.[205] Até maio de 2017, o projeto de lei não havia sido levado a votação.
Como resposta aos desafios apresentados pela epidemia do vírus Zika, em agosto de 2016, a Associação Nacional de Defensores Públicos, com o apoio da ONG Anis - Instituto de Bioética, entrou com uma Ação Direta de Inconstitutiocionalidad perante o Supremo Tribunal Federal para permitir que mulheres grávidas infectadas pelo vírus Zika tenham o direito de interromper a gravidez.[206] A ação também solicitava às autoridades brasileiras que oferecessem uma gama de benefícios para as mulheres afetadas pelo vírus, incluindo exames precoces e regulares durante a gravidez, uma gama completa de métodos contraceptivos, particularmente métodos reversíveis de longa duração e benefícios estatais se tiverem crianças afetadas pelo vírus.[207] Em março, o Partido Socialismo e Liberdade, ou PSOL, apresentou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental solicitando a descriminalização completa do aborto até 12 semanas de gravidez. A Human Rights Watch apresentou petições de ingresso como amicus curiae em apoio a ambas as ações em abril de 2017. Até maio de 2017, o Supremo Tribunal Federal não se pronunciou sobre as ações.
Problemas de acesso a opções de planejamento familiar de longo prazo
Uma das formas mais eficazes de evitar a gravidez não planejada e abortos é garantir que mulheres e meninas tenham acesso a métodos contraceptivos reversíveis de longa duração, como implantes e dispositivos intrauterinos (DIU), ou a esterilização voluntária (ligadura de trompas). Muitas mulheres que conversaram com a Human Rights Watch expressaram o desejo de adotar essas opções de planejamento familiar, mas muitas delas encontraram dificuldades. Uma representante da Secretaria de Saúde no estado de Pernambuco reconheceu os desafios no acesso ao DIU em particular: “Temos trabalhado para incentivar o uso do DIU ... Temos uma quantidade suficiente de DIU disponível em Pernambuco ... O problema reside na falta de profissionais de saúde dispostos a fornecê-los e implantá-los. Prescrever pílulas anticoncepcionais é mais rápido e mais fácil ... Nosso objetivo é proporcionar treinamento que encoraje [médicos a fornecer DIU]”. [208]
Uma ginecologista/obstetra que presta atendimento pré-natal e serviços de planejamento familiar para mulheres em Campina Grande explicou que teve que encaminhar suas pacientes para a maternidade para obter dispositivos intrauterinos. “Ajudamos aquelas que queiram obter um DIU a ir até a maternidade”, disse, acrescentando que o acesso a alguns métodos contraceptivos de longa duração era limitado com base no município de residência.[209]
Algumas mulheres disseram à Human Rights Watch que nunca receberam informações sobre opções contraceptivas reversíveis de longa duração. Por exemplo, Larissa, de 28 anos, estava grávida de quatro meses, uma gravidez não planejada de alto risco, quando conversou com a Human Rights Watch em outubro de 2016. Ela desenvolveu trombose, um coágulo sanguíneo grave, enquanto tomava pílulas anticoncepcionais orais. Quando tentou injeções hormonais, ela disse que sentiu náuseas e perdeu cabelo. “Eu não me adaptei bem”, disse. Embora tivesse se esforçado para encontrar uma forma de contracepção que funcionasse para ela, ninguém a informou sobre opções de longo prazo, como um dispositivo intrauterino.[210]
Outras disseram que não tinham acesso a métodos contraceptivos de longa duração. Júlia, uma mulher de 23 anos com quatro filhos com menos de 6 anos, disse que pediu um DIU ao sistema público de saúde, mas ele foi negado. “Eu tentei, mas não consegui. O sistema público de saúde não me ofereceu por causa da minha idade. A unidade de saúde informou que só é permitido para mulheres de mais de 25 anos”.[211] Esta é uma informação incorreta, já que a idade mínima exigida é 20 anos.[212]
Um administrador de hospital explicou que o acesso a métodos contraceptivos de longa duração não é uma prioridade maior. “As mulheres continuam usando os mesmos métodos falhos ... que são ... menos seguros que os métodos de longo prazo como o DIU ou implantes.”[213] Ele também observou que alguns hospitais apoiados pelo governo em municípios mais remotos são administrados por instituições religiosas que não fornecem DIU para mulheres, diminuindo ainda mais o acesso a esses métodos para mulheres que vivem longe dos principais centros urbanos.[214]
Além disso, uma representante da Secretaria de Saúde de Pernambuco disse à Human Rights Watch que, além do DIU de cobre, não há outros métodos contraceptivos reversíveis de longa duração disponíveis no sistema público de saúde.[215] Em abril de 2016, o Ministério da Saúde decidiu não incluir os implantes como uma das opções de métodos contraceptivos disponíveis no sistema público de saúde para adolescentes com idade entre 15 e 19 anos, citando a falta de evidência científica da eficácia desse método em comparação com outros disponíveis, além de seu impacto financeiro maior.[216]
Maria Carolina, uma mulher de 21 anos de idade no estado da Paraíba, recebeu receita para uma pílula anticoncepcional de baixa dosagem para usar enquanto estava amamentando seu primeiro filho, mas o médico não informou que a pílula não seria efetiva se ela parasse de amamentar. Ela engravidou. Quando sua segunda filha, uma menina com síndrome de Zika, nasceu no início de 2016, ela solicitou um DIU na cidade onde vive, mas disseram a ela que levaria quatro meses. “Na minha cidade, eles têm preservativos, às vezes injeções, mas não o DIU”, disse. “Ninguém fala sobre isso.”[217] Várias mulheres com filhos com a síndrome de Zika disseram à Human Rights Watch que estavam em listas de espera do DIU no sistema público de saúde.[218]
Algumas mulheres também enfrentaram obstáculos ao tentar ter acesso à esterilização voluntária. Luna, uma mulher de 25 anos em Pernambuco, disse à Human Rights Watch que “ficou louca” e “desesperada” quando engravidou depois que seu anticoncepcional hormonal falhou, mas ela aceitou a gravidez.[219] Luna disse que solicitou uma ligadura de trompas depois que deu à luz um menino com síndrome de Zika, mas enfrentou obstáculos burocráticos. Disseram que ela precisaria visitar a assistente social em um momento específico para pedir permissão para ter uma ligadura de trompas. Como mãe solteira de uma criança com deficiência, essas etapas adicionais criaram obstáculos desproporcionais para ter acesso ao procedimento. Seu bebê tinha 9 meses quando ela conversou com a Human Rights Watch, mas ela ainda não havia conseguido realizar o procedimento.[220]
Aline, 33, teve três filhos, incluindo um menino com síndrome de Zika. Quando seu filho mais novo tinha um mês de idade, ela pediu uma ligadura de trompas, mas permanecia em uma lista de espera 11 meses depois. Ela disse ter experimentado efeitos colaterais difíceis do anticoncepcional hormonal, e estava frustrada por ter que esperar pelo procedimento. “As mães que têm bebês com síndrome de Zika devem ter acesso à ligadura de trompas porque não podemos ter mais filhos”, disse, explicando que seu bebê precisava de atenção 24 horas por dia. “Eu não tenho tempo para cuidar de outro bebê. As mães não podem fazer isso.”[221]
Acesso a informações e serviços completos e precisos para mulheres grávidas
Mais de um ano após a epidemia, a Human Rights Watch entrevistou muitas mulheres grávidas e meninas que não tinham acesso à informação e apoio que necessitam para se proteger do Zika durante a gravidez. O governo brasileiro deve garantir que as mulheres grávidas e seus parceiros tenham informações e serviços completos e precisos para prevenir a transmissão do vírus Zika durante a gravidez, inclusive relacionadas à transmissão sexual de Zika.
Informações insuficientes sobre Zika durante consultas de pré-natal
Quase todas as mulheres e meninas grávidas ou com recém-nascidos que entrevistamos tiveram acesso ao atendimento pré-natal, na maioria das vezes através do sistema público de saúde. Durante a gravidez, a maioria delas teve consultas regulares com profissionais de saúde, mas a maioria das entrevistadas não estava recebendo informações abrangentes sobre a transmissão e prevenção de Zika durante suas consultas de pré-natal.
Algumas mulheres disseram à Human Rights Watch que não receberam informações sobre o vírus Zika durante o seu pré-natal. A maioria dessas mulheres tinha ouvido sobre o Zika através de reportagens na mídia e tinham acesso a outras fontes de informação, mas disseram que se sentiam incomodadas com o fato de não terem recebido informações confiáveis de profissionais médicos. Por exemplo, Karina, uma mulher de 34 anos de idade que estava grávida de 37 semanas quando foi entrevistada pela Human Rights Watch no estado da Paraíba, disse que ninguém lhe deu nenhuma informação sobre o Zika durante suas consultas de pré-natal em um hospital que atende pacientes de alto risco. “Eles deveriam ter nos informado. Há tantos médicos e estudantes aqui. Eles poderiam ter tempo para dar informações. Eu estava usando repelente porque sabia [sobre o Zika], mas não tinha informações sobre a frequência com que eu devia usá-lo.” Karina disse que parou de usar repelente perto do fim da gravidez porque parou de ouvir notícias sobre o Zika. Então acreditava que a epidemia tinha acabado.[222] Jessica, uma mulher de 24 anos no estado de Pernambuco, grávida de oito meses quando conversou com a Human Rights Watch, disse que havia cartazes sobre o Zika no posto de saúde local onde ela fazia suas consultas de pré-natal, mas não recebeu nenhuma informação dos profissionais de saúde. “Precisa ter uma conversa”, disse. “Eu sei sobre Zika, mas nem todos sabem.”[223]
Uma pesquisa de 2016 com mais de 3.000 mulheres grávidas no Brasil, realizada pelo Instituto Patrícia Galvão, descobriu que mais de 30 por cento das participantes não receberam orientação sobre a prevenção do vírus Zika durante o pré-natal.[224]
Houve esforços para preencher essa lacuna, através dos protocolos do governo federal e estadual. E em julho de 2016, o UNICEF lançou o programa “Redes de Inclusão”, em parceria com governos das três esferas, organizações da sociedade civil, OPAS/OMS, setor privado e outras instituições. Desenvolvido em Campina Grande e Recife, o projeto apoia mulheres grávidas, famílias e cuidadores; treina profissionais de saúde, educação e assistência social; e promove atendimento integrado e coordenado, e atua em redes.[225]
A maioria das mulheres grávidas e meninas disse que os prestadores de serviços de saúde repassaram informações básicas sobre a epidemia de Zika e as incentivaram a usar repelente, mas um número bem pequeno recebeu informações básicas sobre a transmissão sexual de Zika. Embora o Zika seja transmitido principalmente através da picada de um mosquito infectado, o vírus também pode ser transmitido através do sexo.[226] Há evidências de que o Zika permanece no sêmen por muitos meses, mas as informações fornecidas ao público pelo Ministério da Saúde no Brasil não incluem informações abrangentes sobre o risco de transmissão sexual aos casais que estão esperando um filho ou que desejam engravidar. Em uma lista de perguntas frequentes sobre o vírus Zika, o Ministério da Saúde fornece informações contraditórias sobre a transmissão sexual do vírus, afirmando em um ponto que “a doença não pode ser classificada como sexualmente transmissível” e, posteriormente, que “é crescente a evidências de que o vírus pode ser sexualmente transmissível”.[227] Os dois primeiros protocolos nacionais desenvolvidos em resposta à epidemia recomendam que mulheres em idade reprodutiva, mulheres grávidas e seus familiares tomem medidas para se proteger contra as picadas de mosquito, mas não mencionam o risco de transmissão sexual, nem recomendam a mulheres grávidas e seus parceiros que usem preservativos para prevenir a transmissão sexual de Zika.[228] Contudo, a versão mais recente do protocolo recomenda o uso de preservativos durante a gravidez.[229]
Cerca de um terço das mulheres e meninas que entrevistamos que estavam grávidas ou tinham filhos recém-nascidos não sabiam que o Zika podia ser transmitido sexualmente e, portanto, não estavam tomando medidas para prevenir a transmissão sexual do vírus durante a gravidez. Quando a Human Rights Watch conversou com Clarice, de 16 anos, grávida de oito meses do primeiro filho, no estado da Paraíba, ela disse que nunca havia ouvido falar que o Zika podia ser transmitido sexualmente. “É a primeira vez que eu ouço isso”, disse ela, balançando a cabeça em sinal de surpresa. [230]
Outras entrevistadas pela Human Rights Watch tinham aprendido sobre a transmissão sexual de Zika na internet ou na televisão, mas sem informações abrangentes. Poucas delas utilizavam preservativos de forma consistente com seus parceiros sexuais para se proteger.[231] De acordo com a orientação dada pela Organização Mundial da Saúde, “para evitar uma potencial transmissão sexual do vírus Zika, parceiros sexuais de mulheres grávidas que vivem ou retornam de áreas de transmissão do vírus Zika devem usar preservativos de látex de forma correta e consistente em qualquer atividade sexual durante toda a gravidez”.[232]
Longas esperas e problemas de acesso a testes de diagnóstico de Zika e ultrassons
Algumas mulheres e meninas grávidas entrevistadas pela Human Rights Watch acreditavam ou temiam ter sido expostas ao Zika, mas enfrentaram dificuldades para realizar os ultrassons e testes de diagnóstico necessários para descobrir se o feto havia sido afetado pelo vírus.
Muitas mulheres disseram que há longas esperas por ultrassons no sistema público de saúde, e isso contribuiu para o medo e a ansiedade em torno do Zika, principalmente naquelas que não têm condições de pagar por profissionais particulares. Júlia, de 23 anos, por exemplo, deu à luz seu filho mais novo em julho de 2016. Ela disse que estava muito preocupada com o Zika durante a gravidez. “Eu estava preocupada e senti que não podia fazer nada para impedir que algo acontecesse com meu bebê. Eu só usava calças, mangas compridas, repelentes. Fiquei em casa, dentro de casa”, disse. Mas ela morava em uma comunidade com água parada e esgoto a céu aberto onde seus vizinhos tinham tido Zika e outras doenças transmitidas por mosquitos.
Embora tenha iniciado o pré-natal quando estava grávida de três meses, ela foi informada de que levaria vários meses para obter um ultrassom através do sistema público de saúde. “Comecei meu atendimento pré-natal aos três meses, mas desde então, a unidade de saúde não está marcando ultrassons. Estava lotado, então eles não estavam agendando mais ultrassons, e eu não tinha meios para pagar por um privado ... Fiquei muito irritada e preocupada com o bebê.” No quarto mês de gravidez, ela começou a sentir dores e foi para a emergência, onde fizeram um ultrassom e identificaram uma complicação com o feto. No sétimo mês de gravidez, ela teve chikungunya. Mas ela não conseguiu fazer outro ultrassom através do sistema público de saúde até o fim da gravidez. “Eu só tive o [segundo] ultrassom aos nove meses — na semana que meu filho nasceu.”[233] Felizmente, seu bebê nasceu saudável.
Além disso, algumas mulheres e meninas disseram à Human Rights Watch que não conseguiram ter acesso aos exames de ultrassoms especializado do segundo trimestre, o chamado ultrassom morfológico, que detecta diferenças no desenvolvimento fetal, incluindo a microcefalia, através do sistema público de saúde. Alana, uma mulher de 26 anos do estado de Pernambuco e que estava grávida de seis meses do primeiro filho em outubro de 2016, disse à Human Rights Watch que morava em um bairro com saneamento insuficiente e água parada e que havia muitos mosquitos em sua casa. Ela disse que estava “extremamente preocupada” com o Zika, mas não conseguiu obter um exame de anomalia fetal detalhado através do sistema público de saúde, e teve que pagar para fazer um com um profissional particular. “Isso causou muita preocupação”, disse. “Nós realmente queríamos um ultrassom mais detalhado para ver se o bebê tinha alguma deficiência, se havia algum problema com o bebê.”[234]
A orientação da Organização Mundial da Saúde sobre gravidez no contexto da epidemia de Zika recomenda: “Independentemente de um histórico de doença consistente com a infecção do vírus Zika, todas as mulheres nas áreas de transmissão endêmica do vírus devem passar por um exame de anomalia fetal entre 18 e 20 semanas de gestação ou assim que possível se a primeira consulta ocorrer após 20 semanas”.[235]
Outras mulheres tiveram dificuldade para fazer testes para Zika ou obter resultados de exames quando foram a serviços de saúde apresentando sintomas do vírus durante a gravidez. A Human Rights Watch entrevistou Lorena, de 22 anos, quando estava grávida de seis meses de seu primeiro filho. Durante o primeiro trimestre, ela teve exantema, febre, dor nas articulações e outros sintomas, mas quando foi ao hospital em sua cidade no estado da Paraíba, foi informada de que não havia testes para Zika disponíveis, mesmo depois de informar os profissionais de que estava grávida. “Não sei qual [vírus eu tive] porque eu não fiz nenhum exame de sangue”, disse ela. Até o momento da entrevista, seus ultrassons não apresentavam qualquer anomalia, mas Lorena não tinha clareza sobre se havia sido exposta ao Zika ou a outro vírus.[236]
Vitória, que tinha acabado de dar à luz uma menina saudável quando a Human Rights Watch a entrevistou no estado da Paraíba em outubro de 2016, disse que foi ao hospital com febre, exantema e outros sintomas no primeiro trimestre da gravidez. “Eles fizeram um exame de sangue”, disse, “mas não nos deram os resultados”. Vitória disse que custaria R$ 1.000 fazer um teste para Zika em um laboratório particular, então ela continuou a gravidez sem ter certeza sobre qual vírus havia contraído. “Não foi uma gravidez muito fácil porque não sabia como o bebê nasceria. Mesmo o ultrassom não mostra problemas reais que podem estar lá quando o bebê nasce. Chorei durante toda a gravidez ... É uma tortura. Você está cheia de dúvidas e só pode saber alguma coisa quando o bebê nasce”, disse.[237]
A recente pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão com mais de 3.000 mulheres grávidas no Brasil sugere que muitas gostariam de ter maior acesso aos testes e ultrassons durante a gravidez. A pesquisa descobriu que 90 por cento das entrevistadas gostariam de ser testadas para Zika durante a gravidez se tivessem acesso ao exame. Além disso, 70 por cento das entrevistadas que fazem o pré-natal pelo sistema público de saúde disseram que gostariam de ter mais ultrassons.[238]
A Organização Mundial da Saúde recomenda fazer o teste para o vírus Zika em “mulheres grávidas que apresentam histórico de sintomas ou sinais de doenças do vírus Zika”.[239] O Ministério da Saúde alocou recursos para secretarias estaduais e municipais para que sejam feitos testes rápidos de gravidez e para permitir que as mulheres tenham acesso a um segundo ultrassom no sétimo mês de gravidez.[240] As verbas eram suficientes para que 2,1 milhões de ultrassons fossem realizados em torno da 30ª semana de gravidez, e o Ministério alegou que isso seria suficiente para atender à demanda das mulheres grávidas que usam o sistema público de saúde, mas não esclareceu por quanto tempo.[241] As autoridades municipais e estaduais confirmaram que haviam contratado ou treinado ultrassonografistas ou ginecologistas para realizar ultrassons diagnósticos entre 32 e 35 semanas [ou em aproximadamente 33 semanas] de gravidez.[242]
A notificação do Zika é feita com base no diagnóstico clínico. Os profissionais de saúde não precisam esperar resultados laboratoriais. No entanto, isso pode significar que casos de Zika podem ser diagnosticados como dengue ou chikungunya.[243] Exames laboratoriais podem confirmar o diagnóstico, mas durante as epidemias, é possível processar apenas cerca de 10 por cento dos casos suspeitos enviados aos laboratórios, devido a limitações de recursos. As mulheres grávidas são prioridade, de acordo com uma autoridade da Secretaria de Saúde de Pernambuco.[244]
Dificuldades das mulheres grávidas para seguir as recomendações
A Organização Mundial da Saúde recomenda que as mulheres grávidas tomem várias medidas para se proteger do Zika, incluindo “usar roupas que cubram o máximo possível do corpo”, usar mosquiteiros e telas em casas e usar repelentes regularmente. Poucas mulheres grávidas que conversaram com a Human Rights Watch tinham condições de colocar em prática todas essas medidas, devido a limitações financeiras e práticas. Como o repelente é um elemento significativo na resposta do Brasil à prevenção da transmissão de Zika durante a gravidez, as autoridades devem fornecê-lo às mulheres através do sistema público de saúde para eliminar as barreiras que impedem as grávidas de usar repelente de forma consistínua ao longo da gestação.
Muitas mulheres disseram à Human Rights Watch que tentaram se cobrir com calças e camisas de manga comprida, mas achavam difícil fazer isso no forte calor do verão, quando o mosquito Aedes é mais abundante.[245] Apenas algumas mulheres disseram que tinham mosquiteiros ou telas em casa.
Muitas mulheres grávidas, particularmente as de famílias de baixa renda, disseram que não tinham condições de comprar repelentes para o uso diário durante a gravidez. As entrevistadas disseram à Human Rights Watch que um frasco de repelente custa cerca de R$ 20 reais (aproximadamente US$ 6,50) e normalmente dura cerca de duas semanas. Poucas entrevistadas disseram que as unidades de saúde ou os governos distribuíam o repelente gratuitamente. Como resultado, a maioria das mulheres e meninas grávidas usava repelente de forma inconsistente durante a gravidez e algumas não o utilizavam.
Rebeca, de 25 anos, que estava grávida de quatro meses de gêmeos quando conversou com a Human Rights Watch, por exemplo, trabalha limpando para-brisas em um semáforo no Recife para ganhar entre 10 e 30 reais por dia — a única renda que tem para sustentar um filho de 2 anos. Ela morava em um bairro precário com esgoto a céu aberto e água parada, mas não conseguia usar repelente. “Eu não uso isso porque não posso pagar”, disse, explicando que ela usava um ventilador para tentar manter os mosquitos fora da casa.[246]
Outras mulheres disseram que só conseguiam comprar repelente de vez em quando. Débora, de 19 anos, havia dado à luz um bebê três semanas antes de ser entrevistada pela Human Rights Watch em sua comunidade em Recife. Ela contraiu chikungunya quando estava grávida de dois meses, e os profissionais de saúde recomendaram que ela usasse repelente para se proteger de Zika. Mas ela disse que não tinha como comprar o suficiente: “Às vezes eu não tinha dinheiro, especialmente quando eu não estava trabalhando ... Eu estava com medo que ele pudesse nascer com microcefalia”.[247]
No fim de 2016, o Ministério da Saúde anunciou planos de fornecer repelente gratuitamente a quase 500 mil mulheres grávidas registradas no programa Bolsa Família,[248] um passo que poderia ajudar a expandir o acesso para as populações mais vulneráveis.
Mães de crianças com síndrome de Zika precisam de apoio integral
Mães de bebês com a síndrome de Zika disseram à Human Rights Watch que enfrentaram obstáculos ao acesso a informações e apoio adequados, tanto no momento do parto quanto à medida que seus filhos cresciam e se desenvolviam. Os milhares de bebês nascidos com a síndrome de Zika no Brasil precisarão de apoio e cuidados no longo prazo. Os principais cuidadores são muitas vezes mulheres cujas vidas são profundamente afetadas pela chegada de uma criança com deficiência. O governo brasileiro deve fornecer apoio contínuo aos serviços nos curto e longo prazos para que as crianças afetadas pelo vírus e seus familiares possam viver com dignidade.
Barreiras no acesso a serviços para crianças com síndrome de Zika
O Ministério da Saúde recomenda que as crianças com síndrome de Zika sejam encaminhadas desde o nascimento até a idade de três anos a programas de estimulação precoce oferecidos através do sistema público de saúde e recebam serviços de estimulação auditiva, visual, motora, cognitiva, comunicativa e manual.[249]
Cidades como Recife, em Pernambuco, e Campina Grande, na Paraíba, também alocaram recursos adicionais para garantir serviços para crianças nascidas com síndrome de Zika. Recife inaugurou uma unidade de desenvolvimento infantil no fim de 2015, com foco em crianças com microcefalia, com pediatras, neuropediatras, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos, psicólogos e assistentes sociais.[250] Campina Grande, na Paraíba, assumiu um papel proeminente, criando um serviço de saúde especializado em microcefalia, que inclui assistência pré-natal, apoio psicológico e serviços de reabilitação. É uma das três cidades da Paraíba — as outras são João Pessoa e Patos — que prestam serviços a crianças com microcefalia e apoiam suas famílias.[251] O município também treinou equipes das creches públicas para cuidar dessas crianças.[252]
Muitas crianças suspeitas de ter síndrome de Zika permanecem sem um diagnóstico confirmado. Em abril de 2017, 3.236 casos permaneciam sob investigação no Brasil.[253] Sem diagnóstico, algumas crianças afetadas por Zika podem não ter acesso a serviços de estimulação precoce e serviços especializados de reabilitação. Em março de 2016, o governo federal se preocupou com o fato de que a confirmação de diagnósticos não estava sendo feita rapidamente após a notificação de casos suspeitos e transferiu R$10,9 milhões (US$ 3,4 milhões) a estados e municípios para acelerar a confirmação do diagnóstico em crianças com suspeita de síndrome de Zika[254]. Alguns casos suspeitos parecem ter passado despercebidos. Um funcionário da Secretaria de Saúde explicou a situação em Pernambuco:
Temos 238 bebês [sob investigação] que precisam ser encontrados ... e diagnosticados. Alguns estão aguardando resultados [de testes], mas a maioria são bebês que não conseguimos localizar ... Os maiores municípios enfrentam mais dificuldades em localizar os bebês ...[255]
Mesmo um diagnóstico confirmado não garante que uma criança esteja sendo atendida. Em abril de 2017, dos 2.653 casos confirmados, 41,8 por cento estavam recebendo cuidados em estimulação precoce e 57,4 por cento, em serviços especializados de reabilitação.[256] Um funcionário do Ministério da Saúde disse à Human Rights Watch que a mesma criança pode acessar ambos os tipos de serviços, dependendo do grau de gravidade da síndrome. Além disso, apenas 51,6 por cento das crianças com síndrome de Zika estão recebendo cuidados em puericultura, incluindo vacinas.[257]
A maioria das mães entrevistadas pela Human Rights Watch disse que seus filhos tiveram acesso a alguns ou a maioria dos serviços de que precisavam, incluindo fisioterapia e terapia ocupacional e consultas com vários especialistas.[258] No entanto, algumas mães de crianças afetadas pelo vírus disseram que têm de lutar pelo acesso aos serviços que seus filhos necessitam devido à centralização dos prestadores de serviços de saúde em áreas urbanas, transporte irregular e burocracia governamental. Algumas mães também têm problemas para ter acesso aos benefícios financeiros do governo para ajudar a cobrir as necessidades de seus filhos.
Mães tanto na Paraíba quanto em Pernambuco que moram em áreas rurais ou cidades pequenas disseram que os serviços para seus filhos eram limitados fora dos centros urbanos. As autoridades de saúde do estado e os profissionais de saúde reconhecem que os serviços especializados para crianças com síndrome de Zika estão concentrados em centros de referência nas grandes cidades. Luciana Albuquerque, secretária-executiva de vigilância em saúde do estado de Pernambuco, disse que inicialmente havia apenas duas instituições, ambas em Recife, atendendo crianças com síndrome congênita de Zika. Desde então, embora a lista de instituições tenha aumentado para 27 em todo o estado, duas regiões de saúde das 12 em que o território de Pernambuco é dividido continuam sem cobertura e ainda não oferecem serviços de diagnóstico para Zika e de reabilitação.[259] O plano de Pernambuco para 2017 é expandir esses serviços para ambas as regiões.[260] A Dra. Danielle Cruz, pediatra em Recife que cuida de bebês com síndrome de Zika, descreveu a situação: “Há falta de profissionais disponíveis no interior de Pernambuco e nas pequenas cidades ... Estamos tentando fornecer os melhores serviços que podemos, usar nossos recursos de forma eficiente. Mesmo antes da crise [do Zika], tínhamos um déficit na oferta de serviços pediátricos. Não tínhamos fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos especializados em crianças suficientes, mesmo antes da crise. Você pode imaginar como está agora?”. [261]
Como resultado, muitas mães disseram que têm que viajar longas distâncias para centros de referência em cidades maiores para ter acesso aos serviços para seus bebês. O processo é oneroso para muitas delas. Rafaela, de 35 anos, vive a três horas de Campina Grande, onde seu filho mais novo, um menino com síndrome de Zika nascido em novembro de 2014, é atendido. “Aqui no centro temos toda a infraestrutura necessária. Mas na minha cidade, não temos nada”, disse ela à Human Rights Watch. Para chegar am tempo para as consultas do filho, ela disse que muitas vezes acorda às 3 da manhã e sai da casa às 4.[262] Mesmo os serviços básicos que deveriam ser prestados em postos de saúde locais não são oferecidos de forma consistente a crianças com síndrome de Zika, como a puericultura que inclui vacinação. Funcionários da secretaria de saúde municipal disseram à Human Rights Watch: “As equipes de atenção básica ainda estão assustadas, sem saber sobre como proceder, eles têm medo de vacinar os bebês. Às vezes, observamos que o calendário de vacinação está atrasado...”. [263] Como resultado, as mães precisam levar as crianças para serviços especializados em outros municípios para terem acesso a serviços básicos, como a puericultura, ou têm que fazer várias viagens quando uma visita seria suficiente. Uma mãe explicou que seu filho recebe vacinas em uma unidade de saúde local em sua comunidade, “mas eles não o vacinam como deveriam. Ele deveria receber quatro vacinas em um dia, mas não recebeu. Tivemos que voltar à unidade quatro vezes, uma vez por semana”.[264]
Para muitas mães, o desafio de viajar longas distâncias para ter acesso a serviços para seus filhos foi agravado por um transporte público irregular e desorganizado fornecido pela administração municipal. Muitas mulheres entrevistadas pela Human Rights Watch disseram que os serviços de transporte a que tinham direito não estavam sempre disponíveis e conseguir usá-los exigia tempo e persistência com a burocracia local, um problema adicional que muitas mães têm que lidar. Rafaela explicou: “Na semana passada, não pude vir porque não havia transporte. Para estar aqui hoje, tive que brigar por dois dias na secretaria municipal. Caso contrário, não estaríamos aqui”.[265]
Fernanda, de 23 anos e mãe de duas crianças, incluindo um menino com síndrome de Zika nascido em dezembro de 2015, vive a uma hora da cidade onde seu filho recebe tratamento. Ela disse que muitas vezes tinha que esperar horas pelo transporte para levá-la às consultas de seu filho, embora sempre avisasse às autoridades locais com bastante antecedência. “Duas vezes chegamos aqui atrasados, então não fomos atendidos.” Ela também disse que muitas vezes esperava horas pelo transporte após as sessões de terapia de seu filho.[266]
“Perdi algumas consultas porque não tínhamos transporte”, disse Stephanie, de 26 anos, que vive a uma hora de distância da cidade na Paraíba onde sua filha é atendida. “Houve situações em que esperamos muito tempo e o carro nunca veio.” A filha de Stephanie estava em uma lista de espera de uma terapia respiratória especial oferecida em uma universidade estadual. Quando a universidade abriu um horário de consulta, ela não pôde aceitar porque a autoridade municipal não podia fornecer transporte no horário designado. Ela ainda estava esperando o tratamento no momento em que conversou com a Human Rights Watch. Stephanie também disse que muitas vezes esperava horas para voltar para casa depois das consultas de sua filha. “Eu poderia estar em casa às 3 da tarde, mas chego em casa às 7 da noite. Porque o transporte é muito desorganizado.”[267]
Quando os governos municipais não fornecem transporte, as mães disseram que têm que se virar para arrecadar fundos e organizar outros meios de transporte.[268] Municípios pequenos podem ter muita demanda para assegurar que todas as pessoas que necessitam de serviços especializados cheguem aos centros de referência nas grandes cidades. No entanto, a grande frequência com que as crianças com síndrome de Zika precisam ter acesso a serviços e consultas significa que as restrições de recursos são mais que um mero inconveniente — elas podem ser um problema semanal ou mesmo diário. Os municípios devem trabalhar com mães de crianças com síndrome de Zika para que os serviços de transporte, mesmo que limitados, sejam mais adequados às suas necessidades.
Algumas mulheres entrevistadas pela Human Rights Watch também enfrentaram desafios para obter as autorizações necessárias das autoridades municipais para ter acesso a exames e serviços que só estavam disponíveis em centros médicos em cidades maiores. Por exemplo, Antonella, uma avó de 34 anos e cuidadora de uma bebê com síndrome de Zika nascida em março de 2016 em Pernambuco, vive a uma hora de Recife, onde a menina é atendida em serviços especializados. Para agendar consultas nos centros de referência em Recife, Antonella ou sua filha precisam solicitar autorização da secretaria de saúde de sua cidade. “É difícil agendar tratamentos porque o médico prescreve e temos que ir à secretaria de saúde [da nossa cidade]”, disse ela. “Esperamos meses por um horário vago.” Um oftalmologista pediu para ver a neta de Antonella quando ela tinha seis meses, mas por causa da burocracia, a bebê não conseguiu uma consulta até ter quase um ano de idade.[269] Stephanie, outra mãe na Paraíba, disse à Human Rights Watch que teve uma experiência parecida. “Precisamos de acesso a esses serviços em nossa própria cidade”, disse. “Conseguir esses exames é muita burocracia.”[270]
Os profissionais de saúde confirmaram que muitas famílias de áreas rurais encontram dificuldades em conseguir transporte e autorizações dos governos municipais, o que provoca atrasos no tratamento dos bebês com síndrome de Zika e consultas perdidas.[271]
Algumas mães também tiveram dificuldade em receber o benefício financeiro federal para seus filhos com síndrome de Zika. De acordo com a legislação, qualquer família com uma pessoa idosa ou uma pessoa com deficiência tem direito a um salário mínimo mensal, (hoje equivalente a R$ 937, ou US$ 297), se a renda per capita da família for inferior a 25 por cento do salário mínimo por mês.[272] Pode haver apenas um pagamento de benefícios por família, mesmo que haja vários membros da família que atendam aos critérios. De acordo com uma lei federal aprovada em 2016, todas as crianças com microcefalia resultantes de “doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti” têm direito a acesso ao benefício financeiro (BPC, ou Benefício de Prestação Continuada) por um período de três anos, se suas famílias atenderem os critérios.[273]
Muitas famílias que recebem o benefício financeiro disseram que ele não é suficiente para cobrir os custos associados ao cuidado de seus filhos com a síndrome de Zika. Olívia tem um bebê com microcefalia que nasceu em junho de 2015 e um filho de 6 anos com autismo, mas sua família recebe apenas um salário mínimo. “O salário mínimo não é nada”, disse. “Não atende às nossas necessidades. Crianças especiais precisam de alimentos especiais, e mesmo que o governo nos forneça transporte e atendimento médico, as mães não conseguem trabalhar, não conseguem estudar. Não temos a possibilidade de ter uma vida normal.”[274] Lucas, pai de uma criança com síndrome de Zika, disse: “Acho que [o salário mínimo] é baixo para ele [meu filho], para suas necessidades, porque é um salário mínimo para tudo o que acontece em sua vida e ainda existe a família ... Minha esposa teve que abandonar o emprego para cuidar dele”.[275]
Uma pediatra que cuida de 150 crianças com síndrome de Zika em Pernambuco explicou que alguns de seus pacientes precisam pagar por medicamentos especiais que o sistema público de saúde ainda não cobre. Ela disse que uma medicação para refluxo que prescreve para crianças com síndrome de Zika custa R$ 100 (US$ 31) e dura um mês. “O salário mínimo não é suficiente para cobrir suas necessidades”, disse.
“Não é o suficiente, mas é o que temos”, disse Aline, de 33 anos, que tem três filhos, incluindo um bebê com síndrome de Zika nascido na Paraíba em setembro de 2015. “Temos que dar um jeito de alguma forma.”[276]
Impacto na vida das mulheres
Entre as famílias entrevistadas pela Human Rights Watch, os principais cuidadores de crianças com síndrome de Zika eram predominantemente as mães, e as exigências de cuidar de um filho com deficiência afetavam profundamente suas vidas. Muitas mulheres e meninas disseram que tiveram que parar de trabalhar ou estudar para cuidar de seus bebês. Das 26 mães de bebês com síndrome de Zika entrevistadas para este relatório, apenas quatro disseram que puderam continuar com um trabalho remunerado ou estudar depois que seus filhos nasceram. [277] Embora algumas mulheres talvez tivessem a intenção de parar de trabalhar depois do nascimento de seus filhos, algumas tiraram licença-maternidade esperando retornar ao trabalho. Outras trabalhavam por conta própria e tinham a intenção de continuar assim, mas disseram que já não era possível. Muitas mulheres disseram que o fato de elas não poderem continuar trabalhando sobrecarregou financeiramente as famílias.
Lídia, de 34 anos, mãe de cinco filhos, chama seu filho mais novo — um menino com síndrome de Zika que nasceu na Paraíba em dezembro de 2015 — de seu “príncipe”. Ela explicou que teve de parar de trabalhar depois que o menino nasceu: “Eu era diarista em quatro casas, fazendo limpeza, mas o tratamento dele envolve muitas coisas. Eu não poderia cuidar dele se estivesse trabalhando”.[278]
Luna, de 25 anos, conversou com a Human Rights Watch enquanto esperava com os dois filhos por uma consulta com um pediatra. Ela disse que era “impossível conciliar” o trabalho e cuidar de seu filho, que nasceu em Pernambuco em dezembro de 2015, com síndrome de Zika. “Ele tem de quatro a cinco sessões de fisioterapia por semana”, disse. “Nenhuma empresa me concederá tanto tempo livre.”[279]
Da mesma forma, Evelyn, 18 anos, disse que não teve como retornar à escola depois que sua segunda filha, um bebê com microcefalia, nasceu em Pernambuco em março de 2016. “Não tem curso à noite”, disse ela. “Eu não posso ir [para a escola] durante o dia porque eu tenho que cuidar dela.”[280]
Outra mãe disse à Human Rights Watch que trabalhava como recepcionista em um laboratório até que sua filha nasceu em Pernambuco em outubro de 2015: “Quando voltei da licença-maternidade, trabalhei por um mês, mas tinha muitas consultas [com minha filha]. Depois de um mês, fui demitida”.[281]
As poucas mães que conseguiram voltar a trabalhar enquanto cuidavam de crianças com a síndrome de Zika disseram que negociaram com seus empregadores para ter a flexibilidade necessária, mas lutavam para conciliar o trabalho e os cuidados. “A rotina é muito exigente”, disse Inês, uma professora de ensino primário de 33 anos e mãe de dois filhos, incluindo um bebê com síndrome de Zika nascido em março de 2016. “Há noites sem dormir.”[282]
Algumas mulheres disseram à Human Rights Watch que cuidar de seus filhos com a síndrome de Zika tem afetado as relações com seus parceiros e outros filhos. Mônica, que frequentemente viaja seis horas de ida e volta com sua filha para consultas e tratamentos, preocupa-se com o fato de nunca ter tempo de ver sua filha de 6 anos. “Minhas tias cuidam dela. No início, foi muito difícil.”[283] Jusikelly, de 32 anos e mãe de cinco filhos, disse que o nascimento de seu bebê com síndrome de Zika em novembro de 2015 tornou mais difícil cuidar de seus filhos mais velhos. “Minha filha de 3 anos parou de usar fraldas antes de o bebê nascer”, disse. “Agora ela voltou a usá-las.”[284]
Além disso, quase todas as mães de crianças com síndrome de Zika entrevistadas para este relatório experimentaram o que sentiam ser uma forma de preconceito ou estigmatização social. Muitas sentiram que não receberam informações ou apoio psicológico suficientes após o parto de bebês com síndrome de Zika para lidar com as dificuldades durante as primeiras semanas da vida de seus filhos.
Algumas das mulheres e meninas entrevistadas pela Human Rights Watch receberam a notícia de uma anomalia no desenvolvimento de seus filhos pela primeira vez no momento do parto, e a experiência que tiveram com a forma como os médicos e enfermeiras as trataram provocou um profundo impacto psicossocial em muitas delas.[285] Essas mães disseram que as primeiras horas e dias após o nascimento de seus bebês foram marcados por uma enorme ansiedade, incerteza e dúvida, mas muitas delas não receberam informações completas sobre o diagnóstico nem apoio psicológico ou aconselhamento para ajudá-las a lidar com a dura notícia.
Rafaela, de 35 anos, mãe de quatro crianças na Paraíba, disse que pouco depois de ter tido seu filho mais novo, em novembro de 2014, o médico informou que ele tinha microcefalia, mas não disse o que esse diagnóstico significava. “É como se eles te jogassem uma bomba, e você não sabe como desativá-la”, disse. “Perguntei ao médico: O que vai acontecer? Quais são as consequências? E o médico disse: ‘Se for microcefalia, ele não vai poder caminhar, talvez fique cego. Ele será inválido. Não vai conseguir fazer nada’. Eu me senti rejeitada, como a pior pessoa do mundo. Mas também fiquei muito brava... Comecei a procurar [mais informação] na internet com o meu telefone. Eu li que ele não seria inútil ... Não recebi nenhum suporte ou informação.”[286]
A maioria das mães enfrenta com regularidade questões e comentários insensíveis e desinformados sobre seus bebês das pessoas em geral. O efeito cumulativo de vários pequenos incidentes pesa sobre essas mães. Jacqueline Loureiro, uma psicóloga que trabalha com mães de crianças com síndrome de Zika na Paraíba, explicou: “No momento, as mães e os bebês estão muito próximos — são quase inseparáveis — então é difícil dizer se o preconceito é direcionado ao bebê ou às mulheres, mas são as mulheres que mais sofrem com esse preconceito. Isso as faz sentir furiosas e cansadas.”[287]
Medo sobre o futuro
Muitas mães entrevistadas expressaram medo e dúvidas sobre o que o futuro reservaria para seus filhos com síndrome de Zika. Elas demonstravam ansiedade sobre como seus bebês cresceriam e se desenvolveriam e o que eles precisariam, particularmente dada a incerteza científica sobre os efeitos a longo prazo da síndrome de Zika. Outras expressaram preocupações em relação ao acesso a serviços, à educação e ao compromisso contínuo do estado em apoiar as famílias de crianças afetadas pela epidemia.
Por exemplo, Mayara, que deu à luz um menino com síndrome de Zika em janeiro de 2016, disse que sua esperança para o futuro era: “Que seja mais inclusivo e acolhedor para os bebês e crianças que crescerão com necessidades especiais — as escolas, o sistema de saúde. Essas são questões que já existem há muito tempo”.[288] Outras mães explicaram que não sabiam se seus bebês poderiam andar ou conversar, então elas não sabiam que tipo de cuidados de longo prazo eles precisariam.[289]
Algumas mães expressaram preocupação de que o benefício financeiro para seus filhos só seria fornecido por três anos. “A deficiência não desaparecerá quando ela tiver três anos”, disse a mãe de uma criança com síndrome de Zika na Paraíba.[290]
Várias mães disseram que se preocupavam com o acesso à educação para seus filhos no futuro. Crislene, uma mãe de 27 anos de um bebê com síndrome de Zika em Pernambuco, disse: “Tenho medo, porque hoje em dia vemos que eles não têm escolas preparadas para receber crianças especiais, não só com microcefalia, mas com outras necessidades”.[291] Luna disse que espera que tenha aulas no jardim de infância para atender seu filho quando ele estiver em idade pré-escolar. Ela disse que ela e outras mães precisam de um lugar “onde seja possível deixá-los e ter certeza de que serão bem tratados, para que também possamos continuar nossas vidas”.[292] Estava além do escopo deste relatório avaliar se a o sistema público de educação do Brasil está preparado para proporcionar educação inclusiva a crianças com síndrome de Zika à medida que elas atingem a idade escolar.
Alguns prestadores de serviços de saúde manifestaram preocupação com a capacidade financeira e operacional de suas instituições de atender às necessidades das crianças com síndrome de Zika a longo prazo. Os prestadores disseram à Human Rights Watch que poucas instituições prestam serviços para crianças com deficiência, particularmente nas áreas rurais, e os centros existentes não dispõem de recursos financeiros e pessoal para atender todas as famílias necessitadas, resultando em longas listas de espera e na centralização de serviços em áreas urbanas. Um terapeuta disse à Human Rights Watch que esses problemas “existiam antes da epidemia de Zika, mas ficaram piores devido à demanda crescente”.[293]
Alguns profissionais de saúde também se preocupam com a capacidade das mães de acompanhar a exigente rotina de cuidar de seus filhos com deficiência no longo prazo. Profissionais de saúde em Pernambuco descreveram para a Human Rights Watch como a “rotina agitada de sessões de terapia e consultas médicas” estressa tanto as mães quanto as crianças, particularmente aquelas que viajam longas distâncias para ter acesso aos serviços.[294] Susana, mãe de um menino com síndrome de Zika, disse estar preocupada com sua capacidade de continuar carregando o filho no ônibus, em seu bairro e para as consultas à medida que ele cresce.[295] Uma fisioterapeuta que atende crianças com síndrome de Zika na Paraíba disse que já observou muitas mães apresentando sinais de fadiga: “Isso me preocupa. Se [as mães] estão cansadas e esgotadas após três meses ou quatro meses, como elas se sentirão depois de três ou quatro anos?”.[296]
Esses medos e preocupações são particularmente relevantes dada a aprovação de medidas de austeridade fiscal pelas autoridades brasileiras que podem diminuir o financiamento da saúde pública, educação e outros serviços que podem ajudar as crianças com síndrome de Zika e seus cuidadores a terem a melhor qualidade de vida possível no longo prazo.
Em dezembro de 2016, o Congresso Nacional aprovou uma emenda constitucional que congelou as despesas públicas por um período de 20 anos, corrigindo-as apenas pela inflação. Antes que a emenda fosse aprovada pelo Congresso, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), uma instituição pública de pesquisa e tecnologia da saúde, publicou uma carta ao governo federal e ao Congresso alertando que a emenda proposta, se aprovada, “implicaria em danos significativos à saúde e à vida das pessoas”. A Fiocruz se mostrou particularmente preocupada com o impacto da mudança das leis na capacidade do Brasil de responder ao Zika e outras epidemias: “Cabe assim a pergunta: como assegurar controle de epidemias como Zika, dengue e chikungunya, incluindo pesquisas, assistência, controle de vetores, medicamentos e vacinas necessárias, com congelamento de recursos? Em especial, o impacto sobre as pesquisas, fundamentais para novos produtos e novas soluções que já são subfinanciadas em nosso país, terá dimensão incalculável, comprometendo no longo prazo a capacidade de resposta e autonomia nacional”.[297]
O relator especial das Nações Unidas para pobreza extrema e direitos humanos, Philip Alston, chamou a Proposta de Emenda Constitucional de “uma medida radical, desprovida de toda nuance e compaixão”. E acrescentou: “Vai atingir com mais força os brasileiros mais pobres e mais vulneráveis, aumentando os níveis de desigualdade em uma sociedade já extremamente desigual e, definitivamente, assinala que para o Brasil os direitos sociais terão uma prioridade muito baixa para o Brasil nos próximos 20 anos”.[298] A emenda constitucional entrou em vigor no início de 2017, e novas medidas de austeridade continuam sendo discutidas pelo governo e pelo Congresso.
Envolvendo homens e meninos na prevenção e na criação dos filhos
Grande parte da resposta pública à epidemia de vírus Zika tem recaído sobre as mulheres, particularmente mulheres grávidas e mães de crianças com síndrome de Zika. Um médico que entrevistamos em Pernambuco forneceu uma análise crítica sobre o problema: “É uma cultura patriarcal na qual a mulher é responsável por engravidar e [responsável] caso haja qualquer complicação”.[299]
Homens e meninos têm um papel importante tanto em combater a disseminação da doença como em assegurar que as crianças com síndrome de Zika tenham o melhor acesso a serviços e boa qualidade de vida. As autoridades brasileiras em todos os níveis devem tomar medidas para garantir que as políticas destinadas a prevenir a gravidez não planejada, prevenir Zika e outras infecções sexualmente transmissíveis, e cuidar de crianças com síndrome de Zika não reforcem práticas de gênero nocivas sobre as responsabilidades masculina e feminina nos relacionamentos e na família.
Papel de homens e meninos na prevenção da transmissão de Zika e gravidez não planejada
Conforme descrito anteriormente, o Zika pode ser transmitido sexualmente, tanto pelo sexo vaginal quanto anal.[300] Embora ainda seja incerto por quanto tempo o risco de transmissão sexual permanece após a infecção, cientistas detectaram o RNA do vírus Zika no sêmen masculino até seis meses após o início dos sintomas e com maior carga viral do que o que foi encontrado nas amostras de urina, saliva e plasma.[301]
Homens e mulheres entrevistados pela Human Rights Watch não sabiam que o Zika podia ser transmitido sexualmente. “Eu não acho que seja transmitido assim”, disse um homem de 40 anos entrevistado em Pernambuco. “Você pode pegar AIDS, sífilis e gonorreia, mas não Zika.”[302] Um homem de 27 anos de idade em Pernambuco, cuja parceira estava grávida de seu quarto filho, disse: “Não sei como o Zika é transmitido porque as pessoas nunca explicaram isso para nós aqui”.[303] Sem informações abrangentes sobre os riscos, muitos entrevistados disseram que eles ou seus parceiros não usavam preservativos regularmente durante a gravidez.[304]
Sueli Valongueiro, do Grupo Curumim, organização não-governamental que desenvolve iniciativas de educação e conscientização em torno de Zika e direitos humanos no nordeste do Brasil, disse à Human Rights Watch que não estava ciente de projetos com foco nos homens e na prevenção da transmissão de Zika e outras doenças sexualmente transmissíveis. Ela disse: “Temos trabalhado na conscientização sobre saúde sexual e reprodutiva e direitos e o vírus Zika com enfermeiros na rede de atenção básica e em hospitais em dois municípios, bem como com mulheres, adolescentes e jovens. Os testemunhos que recebemos durante nossas rodas de discussão tornam clara a necessidade de uma intervenção do Estado que melhore a qualidade da informação dentro dos serviços [de saúde] e para a população relacionada à transmissão do vírus Zika através de fluidos corporais”. [305]
A ausência de informação e orientação sobre o papel dos homens na prevenção de Zika reforça a ideia de que as mulheres são as únicas ou principais responsáveis pela prevenção da transmissão de Zika durante a gravidez. Como um acadêmico disse à Human Rights Watch, a narrativa em relação às mães com filhos afetados pela síndrome de Zika tem se concentrado em seu sacrifício, obrigando-as a manter essa imagem de santas, em vez de falar sobre seus direitos.[306] Os pais não fazem parte da discussão, ou pior, a narrativa de que os homens estão abandonando suas parceiras e filhos nascidos com a síndrome de Zika se perpetua como uma verdade absoluta.
As autoridades brasileiras devem garantir que a educação pública e o aconselhamento individual envolvam casais e homens e que não coloquem as mulheres grávidas como únicas responsáveis por carregar o ônus de prevenir a transmissão durante a gravidez.
As autoridades brasileiras também devem tomar medidas para garantir que homens e meninos tenham acesso às informações e serviços necessários para tomar decisões plenamente informadas com suas parceiras sobre opções de planejamento familiar. Este era um desafio para algumas famílias entrevistadas pela Human Rights Watch. Uma família com uma criança com síndrome de Zika falou sobre a necessidade de o governo ajudar os pais a ter acesso a vasectomias como uma opção permanente de planejamento familiar. Susana, de 25 anos, mãe de duas crianças, estava amamentando o primeiro filho e tomando um anticoncepcional de baixa dosagem quando engravidou do segundo filho, que nasceu com a síndrome de Zika. No hospital de Pernambuco, ela não recebeu aconselhamento sobre planejamento familiar, então ela e o marido pesquisaram opções na internet. O casal decidiu que uma vasectomia seria a melhor opção para eles, mas quando ele solicitou o procedimento no hospital, foi informado de que o serviço havia sido suspenso por motivos orçamentários. As ligaduras de trompas não foram. “Meu marido queria fazer isso, por nós. Mas eles disseram que o procedimento foi suspenso. Eu vou fazer uma ligadura de trompas agora, mas seria muito mais fácil para ele. Não temos essa opção, então agora eu me preocupo um pouco. Eu vou ter que ficar no hospital durante a noite, e pode ser uma recuperação difícil.” Por ora, o casal está confiando em preservativos como seu único método contraceptivo.[307]
Outra mãe de uma criança com síndrome de Zika disse à Human Rights Watch que seu marido não conseguiu fazer uma vasectomia pelo sistema público de saúde na cidade da Paraíba onde moravam. Com um médico particular, eles teriam que pagar R$ 3.000 (US$ 920) pelo procedimento, que era mais do que a renda mensal total da família.[308] Embora essas experiências não constituam um padrão de negligência, elas demonstram que, pelo menos em alguns casos, casais podem enfrentar dificuldades na busca de opções de planejamento familiar que se concentram nos homens, ou seja, vasectomias.
Os pais de crianças com síndrome de Zika precisam de apoio para participar integralmente do cuidado dos filhos
As mulheres entrevistadas para este relatório e alguns de seus parceiros falaram sobre a necessidade de as autoridades apoiarem os pais e as mães em seus esforços para criar filhos afetados pelo vírus Zika. Os prestadores de serviços de saúde disseram à Human Rights Watch que os pais precisam de apoio adicional para participar ativamente da assistência. É desafiador para as autoridades garantir a prestação de serviços a crianças com síndrome de Zika e resolver as dificuldades logísticas enfrentadas por seus cuidadores. No entanto, na medida do possível, eles devem levar em consideração formas de evitar reforçar estereótipos negativos de gênero em políticas e programas que colocam de forma significativa a responsabilidade de cuidar dos filhos somente sobre as mulheres.
Os poucos pais de crianças com síndrome de Zika que entrevistamos expressaram seu desejo de apoiar suas parceiras e de se envolverem no cuidado de seus filhos —, mas os desafios logísticos e econômicos dificultaram o acompanhamento dos filhos nos compromissos quase diários em várias unidades de saúde. As mães também relataram que queriam mais apoio de seus parceiros, mas, de forma semelhante, a logística e os desafios de cuidados relacionados às crianças com síndrome de Zika tornaram isso difícil. Os prestadores de serviços de saúde disseram à Human Rights Watch que, de forma esmagadora, são as mulheres e meninas que levam seus bebês com síndrome de Zika aos compromissos, sem a presença dos pais dos bebês. “É raro a presença dos pais”, disse Jeime Leal, uma fisioterapeuta que atende bebês com síndrome de Zika em um hospital em Campina Grande, na Paraíba. Ela disse que dos 115 pacientes que estava tratando, apenas quatro deles eram regularmente acompanhados por seus pais.[309]
No entanto, quando falamos com alguns pais, eles expressaram o desejo de ajudar suas parceiras e a necessidade de um apoio maior para que eles possam participar mais nos cuidados. Um dos pais, Lucas, que estava com sua esposa e filho em uma consulta de fisioterapia em um hospital de Recife, expressou a necessidade de maior suporte para os pais de crianças com síndrome de Zika: “As mães são guerreiras. Acho que os pais às vezes estão ausentes, mas as mães estão sempre aqui”.[310] Ainda assim, Lucas tenta acompanhar a esposa e o filho nas sessões de fisioterapia. “Quando não estou trabalhando, eu venho com ela... Sempre que posso, estou ao lado dela, porque sei que não é fácil.”[311] Mas é difícil para ele desempenhar um papel ativo na busca de acesso a serviços para o filho. “A demanda é alta, há muitas crianças, sempre demora muito... chegamos, mas não sabemos quando estaremos prontos para voltar para casa.”[312] Com essa incerteza, os pais que trabalham têm de tirar o dia todo de folga do trabalho ou não ir para as sessões de fisioterapia. Lucas atualmente pode ir porque está desempregado, mas ele sente que não deveria ter que escolher entre ter um emprego e ajudar sua esposa e filho.
A Human Rights Watch detectou que, para os poucos pais com quem conversamos, muitos fatores influenciam sua menor participação nos cuidados, alguns dos quais poderiam ser resolvidos com políticas e práticas mais inclusivas pelas autoridades brasileiras.
Como discutido anteriormente, a Human Rights Watch descobriu que a maioria das mães não consegue trabalhar ou estudar enquanto cuida de crianças com síndrome de Zika. Para algumas famílias, isso significa que os pais são os responsáveis por garantir a única fonte de renda, dificultando a negociação dos homens nos seus locais de trabalho e a obtenção da flexibilidade necessária para participar mais ativamente no cuidado de seus filhos. A Human Rights Watch entrevistou Gustavo, de 27 anos, pai de um bebê com síndrome de Zika nascido no início de 2016, em Pernambuco, enquanto ele e sua esposa esperavam com o filho por uma consulta com um médico. “Estou perdendo um dia de trabalho por estar aqui”, disse ele. Gustavo é operador de máquinas e sua família sobrevive apenas com seu salário: “Minha esposa trabalhava antes como garçonete, e o plano era que ela voltasse a trabalhar, mas ela não pode mais”, explicou. Gustavo chegou a um acordo com o empregador que, se ele fornecesse documentação do hospital sobre as consultas do bebê, ele podia faltar ao trabalho sem haver desconto no pagamento.[313] Mas outros pais não têm essa opção. As leis trabalhistas do Brasil não protegem trabalhadores cujos filhos tenham problemas de saúde e exijam cuidado contínuo.[314]
Os pais de crianças com síndrome de Zika precisam de apoio psicossocial
As mães e os pais das crianças com síndrome de Zika entrevistados para este relatório disseram que muitas vezes enfrentam dificuldades emocionais e psicológicas. A maioria das mães entrevistadas tinha acesso a algum tipo de apoio psicológico ou social, através de um profissional treinado, um grupo de apoio ou redes sociais informais. Algumas não achavam que era suficiente, mas estava disponível para a maioria. Algumas mulheres disseram sentir que seus parceiros não tinham acesso adequado ao apoio psicossocial. Os poucos pais entrevistados expressaram necessidade de mais apoio.
Rosalyn, 29, estava grávida de 36 semanas quando conversou com a Human Rights Watch na Paraíba. Ela teve o vírus Zika no início da gravidez e seus médicos identificaram várias complicações no desenvolvimento fetal que suspeitavam estarem ligadas ao vírus. A notícia tinha sido angustiante para Rosalyn e seu marido. Ela recebeu apoio psicológico na instituição onde estava recebendo atendimento pré-natal especializado, mas achava que seu parceiro precisava de apoio adicional: “Eu gostaria de mais [apoio psicológico] para meu marido. Eu tenho mais informações. Eu sei mais, mas eu também gostaria que também houvesse isso para ele”.[315]
Os pais disseram ter sentido medo e incerteza quando descobriram que seus bebês tinham desenvolvimento atípico. Gustavo, o pai de 27 anos do bebê com síndrome de Zika nascido no início de 2016, disse: “Foi muito difícil no início, porque eu ia ter uma criança especial e não tinha nenhuma preparação”. [316] Lucas expressou um sentimento semelhante. “Desde o momento em que recebemos o diagnóstico, começamos a analisar tudo o que nos aconteceria ... Desde que visitamos o médico e fizemos os primeiros testes, nossa luta começou e continuamos lutando, todos os dias mais um pouco.”[317]
Enquanto muitas mães de crianças com síndrome de Zika participam de grupos de apoio ou mantêm contato constante com outras mães, os pais não se conectaram entre si da mesma maneira. No entanto, alguns pareciam interessados em ter uma forma mais estruturada de falar com outros pais. “Sim, eu estaria interessado” em conversar com outros pais, disse Lucas à Human Rights Watch. “Às vezes, eu falo com outros pais enquanto estamos esperando nos hospitais, mas não é comum. Como eu sou tímido, não falo muito.”[318]
Alguns pais também disseram que batalham emocionalmente com os desafios atuais de criar filhos com deficiência.[319] Os homens entrevistados pela Human Rights Watch pareciam particularmente preocupados em fornecer o apoio econômico de que suas famílias precisavam, especialmente quando suas parceiras não tinham como continuar trabalhando.
“Estamos lutando para sobreviver”, disse Paulo, de 44 anos e pai de seis filhos, incluindo um bebê com síndrome de Zika nascido em novembro de 2015. A família tinha uma padaria antes do nascimento do bebê, mas eles a venderam porque Paulo não conseguiu continuar administrando o negócio sem a ajuda da esposa, e ela não pôde continuar trabalhando depois que o bebê nasceu. “Eu me sinto inseguro sobre nossas vidas. Se eu morrer, não vou deixar nada aos meus filhos. Preciso de um psiquiatra. Eu choro muito. Eu me sinto deprimido. Está relacionado à nossa situação financeira e psicológica, à família.”[320]
Gustavo disse que tinha que gastar quase todo o salário mensal em medicamentos para o bebê com síndrome de Zika. “Dependemos da ajuda da nossa família para pagar comida, água e aluguel... É muito estressante. No fim do mês, não sei onde vou achar dinheiro para pagar os medicamentos.” Gustavo disse que o estresse afetou seu relacionamento com sua parceira. “Quando sobra 10 reais no fim do mês, não posso gastá-lo para tomar um sorvete com minha esposa. Nós costumávamos sair nos finais de semana. Agora, basicamente, apenas cuidamos dele [do bebê com síndrome de Zika].”[321]
III. Obrigações de direitos humanos do governo brasileiro
O Brasil é parte de tratados internacionais que abordam o acesso a serviços de saúde reprodutiva, incluindo o aborto seguro e legal, os direitos à água e ao saneamento e outros direitos sociais, econômicos e culturais e os direitos das crianças e adolescentes — incluindo o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Direitos Culturais (PIDESC), a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, em inglês), a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) e o Protocolo de San Salvador.[322] Esta seção examina as obrigações de direitos humanos do governo brasileiro em relação à sua resposta à epidemia de Zika, incluindo o descumprimento de suas obrigações relacionadas aos direitos reprodutivos das mulheres.
Acesso a serviços de saúde reprodutiva
A saúde sexual e reprodutiva e os direitos e as obrigações governamentais são abordados em vários tratados internacionais e outras fontes respeitadas.[323] O artigo 12 da CEDAW prevê que “Os Estados Partes adotem todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na esfera dos cuidados médicos a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, o acesso a serviços médicos, inclusive os referentes ao planejamento familiar”.[324] Em sua Recomendação Geral No 24, o Comitê da CEDAW afirmou a obrigação dos Estados de respeitar o acesso das mulheres aos serviços de saúde reprodutiva e de “abster-se de obstruir as ações tomadas pelas mulheres na busca de seus objetivos de saúde”.[325]
A epidemia de Zika colocou a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos no epicentro da crise. O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos afirmou que “defender os direitos humanos é essencial para uma resposta efetiva da saúde pública, o que exige que os governos assegurem que mulheres, homens e adolescentes tenham acesso a serviços de e informações abrangentes e acessíveis sobre saúde sexual e reprodutiva, sem discriminação”.[326]
Direito à informação
O direito à informação está estabelecido em numerosos tratados de direitos humanos.[327] A CEDAW prevê que os Estados devem oferecer às mulheres “os mesmos direitos de decidir livre e responsavelmente sobre o número de filhos e sobre o intervalo entre eles e a ter acesso à informação, à educação e aos meios que lhes permitam exercer esses direitos"[328] O direito à informação exige que o estado forneça informações completas e precisas necessárias para a proteção e promoção de direitos, incluindo o direito à saúde.[329] Além disso, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU (CDESC) em seu Comentário Geral no 14 declarou que o direito à saúde inclui o direito à educação e à informação relacionada à saúde, inclusive saúde sexual e reprodutiva.[330] Também observou que “a realização do direito das mulheres à saúde exige a remoção de todas as barreiras que interferem no acesso aos serviços de saúde, educação e informação, inclusive na área da saúde sexual e reprodutiva”.[331] Em seu Comentário Geral no 22 , o Comitê observa que “a acessibilidade da informação inclui o direito de buscar, receber e divulgar informações e ideias sobre questões de saúde sexual e reprodutiva... Todos os indivíduos e grupos, incluindo adolescentes e jovens, têm direito a informações baseadas em evidências sobre todos os aspectos da saúde sexual e reprodutiva...”.[332]
O comitê da CEDAW também observou que, de acordo com o artigo 10(h) da CEDAW, as mulheres devem ter acesso a informações sobre métodos contraceptivos, educação sexual e serviços de planejamento familiar para tomar decisões informadas.[333] Ele acrescentou que é necessária uma atenção específica para garantir que meninas adolescentes tenham acesso a informações precisas sobre sua saúde e direitos sexuais e reprodutivos.[334] Na mesma linha, o Comitê dos Direitos da Criança também instou os Estados a garantir que as crianças tenham acesso a educação e informação sexual e reprodutiva, inclusive nas escolas.[335] Em seu Comentário Geral no 20, o CDC pediu aos Estados que “adotem ou integrem uma política abrangente de saúde sexual e reprodutiva sensível ao gênero para adolescentes, enfatizando que o acesso desigual de adolescentes a tais informações e serviços equivale à discriminação”.[336]
Acesso ao aborto legal e seguro
Interpretações respeitadas do direito internacional reconhecem que o acesso aos serviços de aborto seguro e legal é crucial para o exercício dos direitos humanos pelas mulheres, em particular os direitos à igualdade, à vida, à saúde, à integridade física, o direito de decidir o número de filhos e o intervalo de nascimento das crianças e de estar livre de tratamentos cruéis, desumanos e degradantes.[337]
Desde meados da década de 1990, os órgãos de tratados da ONU que monitoram a implementação do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Punições Cruéis, Desumanos ou Degradantes, e a Convenção dos Direitos da Criança produziram um acervo importante de jurisprudência sobre o aborto nas observações finais relativas a cerca de 100 países.[338] Esses órgãos de tratados também emitiram comentários gerais sobre os direitos reprodutivos e o aborto.[339]
Em seus comentários, esses órgãos frequentemente expressaram preocupação com a relação entre leis de aborto restritivas, abortos clandestinos e ameaças à vida, saúde e bem-estar das mulheres. Eles recomendaram repetidamente a revisão ou alteração de leis punitivas e restritivas de aborto e, em várias ocasiões, instaram os Estados signatários a legalizar o aborto, em particular quando a gravidez é uma ameaça à vida ou à saúde ou o resultado de estupro, incluindo o incesto.
Os órgãos de tratados fizeram recomendações específicas ao Brasil em relação às leis restritivas sobre o aborto. O Comitê sobre os Direitos da Criança recomendou em 2015 que o Brasil “[d]escriminalize os abortos em todas as circunstâncias e revise sua legislação com o objetivo de garantir o acesso a serviços seguros de aborto e atenção médica pós-aborto”.[340] O Comitê da CEDAW instou o Brasil a “[a]gilizar a revisão de sua legislação que criminaliza o aborto para remover as disposições punitivas impostas às mulheres”.[341] Também recomendou que o Brasil “[g]aranta o direito das mulheres à maternidade segura e acesso economicamente viável a cuidados obstétricos de emergência adequados para todas as mulheres”.[342]
Direitos à água e ao saneamento
O direito humano à água garante a todos, sem discriminação, o acesso à “água suficiente, segura, aceitável, fisicamente acessível e a preços razoáveis para usos pessoais e domésticos”.[343] Várias resoluções da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas e do Conselho de Direitos Humanos afirmam que o direito à água potável é derivado do direito a um padrão de vida adequado.[344] O Brasil ratificou numerosos tratados, como PIDESC, CEDAW, CDPD e CDC, em que o direito a um padrão de vida adequado é consagrado.
O CDESC, em seu Comentário Geral no 15 sobre o direito à água, declarou que “o abastecimento de água para cada pessoa deve ser suficiente e contínuo para uso pessoal e doméstico”.[345] O Comitê também observou que "os Estados Partes devem monitorar e combater situações em que os ecossistemas aquáticos servem de habitat para vetores de doenças onde quer que representem um risco para ambientes de vida humana”.[346]
Por sua vez, o direito ao saneamento garante a todos, sem discriminação, “o acesso físico e economicamente viável ao saneamento, em todas as esferas da vida, e que ele seja seguro, higiênico, social e culturalmente aceitável, que proporcione privacidade e garanta a dignidade”.[347] Como no caso do direito à água, o direito ao saneamento é derivado do direito a um padrão de vida adequado.[348]
O relator especial das Nações Unidas sobre o direito humano à água e ao saneamento afirmou que os Estados devem “garantir que o gerenciamento de excrementos humanos não tenha impactos negativos nos direitos humanos”.[349]
Em março de 2016, o relator especial das Nações Unidas para o direito humano à água potável e ao saneamento afirmou: “Há um forte vínculo entre sistemas de saneamento deficientes e o surto atual do vírus Zika, bem como a dengue, a febre amarela e a chikungunya, sendo todos eles transmitidos por mosquitos”, acrescentando que “a maneira mais efetiva de enfrentar esse problema é melhorar esses serviços”.[350]
Direitos das pessoas com deficiência, incluindo apoio para suas famílias e cuidadores
O direito internacional dos direitos humanos aborda os direitos das pessoas com deficiência, incluindo crianças e seus cuidadores. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) reconhece que as crianças com deficiência “devem gozar plenamente de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais em igualdade de oportunidades com as outras crianças.” [351] Isso inclui o direito, quando possível, de serem cuidadas por seus pais,[352] bem como o direito das crianças com deficiência de não serem separadas de suas famílias.[353] Os serviços de saúde para crianças com deficiência precisam ser específicos para cada deficiência, incluindo a identificação e intervenção precoce, conforme apropriado, e os serviços precisam ser projetados para minimizar e prevenir novas deficiências. Além disso, as crianças com deficiência devem receber serviços adequados de habilitação e reabilitação “o mais próximo possível de suas comunidades, inclusive nas áreas rurais”.[354] A CDPD também reconhece o direito a um padrão de vida adequado para pessoas com deficiência e suas famílias, bem como o direito à proteção social. Ela diz que os Estados Partes devem “assegurar o acesso de pessoas com deficiência e suas famílias em situação de pobreza à assistência do Estado em relação a seus gastos ocasionados pela deficiência, inclusive treinamento adequado, aconselhamento, ajuda financeira e cuidados de repouso”.[355]
O Comitê dos Direitos da Criança da ONU observou que o apoio aos cuidadores de crianças com deficiência deve incluir “a educação dos pais e dos irmãos, não só sobre a deficiência e suas causas, mas também sobre as necessidades físicas e mentais únicas de cada criança; apoio psicológico que seja sensível ao estresse e às dificuldades impostas às famílias de crianças com deficiência... apoio material sob a forma de subsídios especiais, bem como bens consumíveis e equipamentos... considerados necessários para que a criança com deficiência possa ter uma vida digna e independente, e seja totalmente incluída na família e na comunidade”.[356]
O CDESC também interpretou o direito à seguridade social para pessoas com deficiência em seus Comentários Gerais nº 20 e nº 5, enfatizando a importância de proporcionar apoio financeiro adequado a pessoas com deficiência, incluindo as deficiências permanentes. Ele disse: “Esse apoio deve ser prestado de forma digna e refletir as necessidades especiais de assistência e outras despesas frequentemente associadas à deficiência. O apoio fornecido deve abranger os membros da família e outros cuidadores informais”.[357]
Agradecimentos
Este relatório foi pesquisado e escrito por Margaret Wurth, pesquisadora da Divisão de Direitos da Criança da Human Rights Watch; João Bieber, consultor da Divisão de Direitos da Mulher; e Amanda Klasing, pesquisadora sênior da Divisão de Direitos da Mulher. César Muñoz, pesquisador sênior da Divisão das Américas, e Andrea Carvalho, consultora da Divisão das Américas, forneceram apoio à pesquisa.
Janet Walsh, vice-diretora da Divisão de Direitos da Mulher, editou o relatório. Michael Garcia Bochenek, assessor jurídico sênior na Divisão dos Direitos da Criança; Maria Laura Canineu, diretora do escritório da HRW no Brasil; Diederik Lohman, diretor interino da Divisão de Saúde e Direitos Humanos; César Muñoz, pesquisador sênior do Brasil; Katharina Rall, pesquisadora no Programa de Meio Ambiente e Direitos Humanos; Shantha Rau Barriga, diretora da Divisão de Direitos das Pessoas com Deficiência; Carlos Rios-Espinosa, pesquisador da Divisão de Direitos das Pessoas com Deficiência; e Daniel Wilkinson, diretor-gerente da Divisão das Américas, revisaram e comentaram o relatório. Chris Albin-Lackey, consultor jurídico sênior, fez a revisão legal. Tom Porteous, vice-diretor do programa, realizou a revisão do programa.
A assistência de produção foi realizada por Kate Segal, associada sênior da Divisão das Américas; Adelaida Tamayo, associada da Divisão de Direitos da Mulher; Olivia Hunter, responsável por fotografia e publicações; Fitzroy Hepkins, gerente administrativo; e José Martinez, coordenador sênior da administração. Di Pinheiro traduziu o relatório para português. João Bieber e Andrea Carvalho revisaram a versão em português.
A Human Rights Watch gostaria de agradecer aos grupos e indivíduos que forneceram orientação e apoio inestimáveis ao desenho, pesquisa e defesa do projeto. Em particular, agradecemos a Debora Diniz e Shena Cavallo por seus comentários sobre uma versão preliminar deste relatório.
Acima de tudo, estamos profundamente gratos a todas as pessoas que entrevistamos, que tão generosamente compartilharam suas histórias conosco. Somos especialmente gratos às “guerreiras” do Brasil, as mulheres e meninas que mostraram tremenda coragem e boa vontade ao enfrentar os efeitos da epidemia de Zika em suas famílias e comunidades.