Desde a tomada do Afeganistão pelo Talibã, milhares de afegãos fogem das ameaças de represália e perseguição, buscando refúgio ao redor do mundo.
Líderes do Talibã fazem promessas vagas e duvidosas sobre respeito aos direitos humanos, enquanto ouvimos graves relatos sobre pessoas do antigo governo e seus aliados sendo detidas. Segundo denúncias, membros do Talibã estiveram envolvidos nas mortes de dezenas de jornalistas e ativistas nos últimos anos e fizeram ameaças contra muitos outros. Entre 1996 e 2001, quando estiveram no poder, restringiram amplamente mulheres e meninas de frequentarem escolas e universidades, usaram chicotadas e apedrejamentos como punição por supostos crimes “morais”, confinaram as mulheres em suas casas, a não ser quando acompanhadas por um parente homem e lhes negaram acesso a quase todos os empregos.
Dado esse histórico horroroso e a incerteza sobre o futuro, é improvável que o êxodo de pessoas em risco no Afeganistão pare tão cedo.
Governos em todo o mundo estão buscando soluções. Os Estados Unidos, Canadá e vários países europeus estão aceitando solicitantes de refúgio afegãos. O Brasil também anunciou passos importantes para ajudar refugiados.
Já em dezembro de 2020, a medida que as forças do Talibã avançavam, o CONARE, agência nacional de refugiados, decidiu por acelerar o reconhecimento de afegãos como refugiados no Brasil, determinando que enfrentam, em seu país, grave e generalizada violação de direitos humanos. O CONARE também fez essa determinação para os venezuelanos desde 2019, permitindo o reconhecimento de mais de 46.000 como refugiados. A Agência das Nações Unidas para os Refugiados considerou essa determinação do CONARE um "marco na proteção dos refugiados".
Recentemente, a mídia noticiou que o Brasil também emitiria vistos humanitários aos afegãos, permitindo que aqueles que tenham conseguido fugir para países vizinhos busquem o status de refugiados no Brasil. O Brasil foi pioneiro no uso de vistos humanitários tanto em 2012, quando os haitianos fugiam da pobreza extrema que se agravou com terremoto devastador de 2010, quanto em 2013, quando uma guerra civil brutal expulsou um número crescente de sírios de seu país.
O histórico do Brasil no tema, entretanto, está longe de impecável. Durante a pandemia, o Brasil proibiu venezuelanos de entrarem nas fronteiras terrestres e ordenou a deportação daqueles que conseguiram entrar, mesmo sendo solicitantes de refúgio, violando as obrigações internacionais do Brasil.
Mas a concessão de vistos humanitários e de status especial para refugiados afegãos pelo Brasil é um bom começo. Dada a gravidade da crise, o Brasil pode fazer mais. O governo deveria anunciar um compromisso generoso para reassentar refugiados afegãos no Brasil e para apoiar a resposta humanitária aos deslocados afegãos tanto dentro do Afeganistão quanto na região.
Além disso, deve se juntar à comunidade internacional nos apelos ao Talibã para que respeite suas obrigações de direitos humanos, inclusive o direito das pessoas de deixarem o país, e aos países vizinhos que abram suas fronteiras para aqueles que provavelmente serão alvos do Talibã. Com isso, o Brasil poderia inspirar outros países a tomarem medidas semelhantes, como já fez com o a criação de um mecanismo mais ágil para as solicitações de refúgio pelos afegãos.
O Brasil também pode ajudar a conduzir as Nações Unidas no caminho certo. Como membro do Conselho de Direitos Humanos da ONU e atual membro não permanente do Conselho de Segurança, o Brasil deve pressionar pela criação de mecanismos robustos no âmbito da ONU para monitorar os direitos humanos no Afeganistão. Especificamente, deveria apoiar a criação de um forte mecanismo de responsabilização quando o Conselho de Direitos Humanos se reunir em setembro. O Conselho de Segurança já expressou “profunda preocupação” com as denúncias de graves violações do direito internacional humanitário e se reunirá em breve para adotar uma nova resolução sobre o Afeganistão. É essencial que ela garanta que a ONU retenha a capacidade de reunir informações sobre os abusos dos direitos humanos no Afeganistão, coletar evidências de crimes graves para processos futuros e relatar suas descobertas publicamente.
No passado o Brasil criou normas e procedimentos de reconhecimento de refugiados para venezuelanos e afegãos que poderiam inspirar outros países. Porém, neste momento crítico, é necessário ir e mobilizar uma rede global para salvar vidas.
Uma versão deste artigo foi publicado na Folha.