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“Mas, Maria Laura, tem mulher que gosta de apanhar”, disse uma empresária. Outro conhecido falou: “São relacionamentos abusivos, as mulheres batem nos companheiros e acabam apanhando”. Esses comentários me chocaram. Foram feitos em resposta a uma recente pesquisa sobre violência doméstica em Roraima, estado com a maior taxa de homicídios de mulheres do país.

A pesquisa, na qual trabalhei, expôs as falhas do governo no enfrentamento à violência doméstica. Mas algumas pessoas parecem não perceber os inegáveis equívocos estatais e, ao invés disso, minimizam a violência e culpam as mulheres. Notícia do século XXI: a agressão às mulheres continua bem real, assim como a decepcionante resposta do Estado. A culpa não é das mulheres.

Durante uma marcha no Dia Internacional da Mulher em São Paulo, em 8 de março de 2014, mulheres seguram fotos de vítimas que morreram por violência doméstica. © 2014 Reuters

Vejamos o caso de “Ana”, que sofreu ofensas e agressões de seu parceiro por oito anos. Em dezembro, ele a expulsou de casa e, no meio da rua, bateu em sua cabeça, rosto e braço. Ele só parou quando um filho dela o afastou. A filha de Ana, 13 anos, chamou a polícia, que não fez nada. “Apenas deixaram um cartão.”. Às 3 da manhã, as duas caminharam por uma hora até a delegacia, onde escutaram que teriam que ir à delegacia da mulher para denunciar o ocorrido, mesmo estando fechada naquele dia. Somente na semana seguinte, Ana conseguiu registrar a ocorrência e solicitar proteção.

É claro que algumas mulheres podem também agredir. Isso não tem absolutamente nada a ver com o sofrimento das milhares que sentem que não têm escolha senão suportar abusos, esconder hematomas e fingir que nada aconteceu.

Mulheres sofrem violência por anos antes de procurarem ajuda. Apenas 1/4 reporta a agressão. Podem sofrer pressão familiar para ficar com o parceiro. Podem se preocupar com como vão alimentar, vestir e abrigar seus filhos. O peso do estigma pode inibi-las de compartilhar suas experiências e traumas com a polícia. Muitas vezes, temem que o agressor fará valer as ameaças se descobrir que foram à polícia, sem que esta possa detê-lo.

Mas uma das principais razões para não reportarem a violência está na descrença de que isso fará diferença. Não é à toa. Quando se trata de violência contra a mulher, a impunidade é a regra. Encontramos cerca de 8.400 boletins de ocorrência de violência doméstica acumulados na delegacia da mulher em Boa Vista. A delegada-chefe disse que falta pessoal para tomar os "passos iniciais de investigação", incluindo ouvir a vítima, que permitiria a instauração de inquérito. Roraima reflete um problema nacional.
 
Temos uma legislação abrangente para prevenir a violência e garantir a justiça e o Brasil é parte de tratados que protegem os direitos das mulheres.
 
Infelizmente, muitos avanços continuam apenas no papel. Comentários que ouvi mostram que o machismo permanece vivo e permite a impunidade, nos tornando cúmplices. Para mudar, devemos reconhecer que as mulheres sofrem abusos cotidianamente e que a lei não tem sido suficiente. Muitos casos não são registrados e investigados, muito menos concluídos de forma aceitável. Os homens que agridem suas companheiras continuarão a a fazê-lo enquanto permanecerem impunes.

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