Resumo
Antes [de ser intimidada], nós víamos filmes e fazíamos debates e discussões em sala de aula [sobre gênero e sexualidade]. Tenho medo, esse era o objetivo deles. Já não tenho a mesma vontade. Agora tomo muito cuidado.
—Maria Silva (pseudônimo), professora do ensino médio da rede pública de Londrina, Paraná
Desde 2014, legisladores brasileiros, nos níveis federal, estadual e municipal, apresentaram mais de 200 propostas legislativas para proibir a “doutrinação” ou a chamada “ideologia de gênero” nas escolas. Essas propostas, que têm como alvo a educação sobre gênero e sexualidade, têm sido objeto de intenso debate político e social no Brasil, com alguns projetos de lei aprovados, muitos ainda pendentes e outros arquivados.
Este relatório é baseado em uma análise feita pela Human Rights Watch de 217 projetos de lei apresentados e leis aprovadas, e em 56 entrevistas com professores e especialistas em educação, incluindo representantes de secretarias estaduais de educação, sindicatos e organizações da sociedade civil.
O relatório tem como foco os esforços legislativos e políticos de suprimir abordagens multidimensionais e abrangentes da educação sobre gênero e sexualidade nas escolas públicas de ensino fundamental e médio no Brasil. O relatório contextualiza esses ataques a luz dos direitos à educação, à informação e à saúde, bem como o direito correlato à educação integral em sexualidade (EIS) – que têm sido violados.
Embora as leis e as políticas públicas brasileiras, tanto em nível federal quanto estadual, exijam o ensino da EIS, a maioria dos esforços de legisladores e grupos conservadores descritos neste relatório visam banir especificamente os conceitos-chave de “gênero” e “orientação sexual” em todas as áreas da educação, inclusive no que se refere aos direitos de meninas, mulheres e pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT).
O relatório evidencia a existência de uma campanha (por vezes coordenada, por vezes difusa) para desacreditar e banir a educação sobre gênero e sexualidade. Esta campanha foi amplamente amparada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro, que abraçou a suposta necessidade desses projetos, ampliando-a para fins políticos, inclusive durante sua campanha presidencial de 2018.
Entrevistas com 32 professores e professoras de oito estados brasileiros revelaram hesitação ou medo por parte de alguns em abordar gênero e sexualidade em sala de aula devido aos esforços legislativos e políticos para desacreditar esse conteúdo e, às vezes, em razão do assédio por parte de representantes eleitos e membros da comunidade.
A Human Rights Watch verificou que pelo menos 21 leis que proíbem direta ou indiretamente a educação sobre gênero e sexualidade continuam em vigor no Brasil (uma estadual e vinte municipais). Projetos de lei relacionados também estão pendentes nos legislativos federal, estadual e municipal, com pelo menos alguns legisladores ainda propondo tais projetos – apesar de algumas decisões judiciais cruciais.
Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu decisões históricas derrubando oito dessas leis: sete municipais dos estados de Goiás, Minas Gerais, Paraná e Tocantins e uma estadual de Alagoas. O Tribunal considerou que as proibições violavam os direitos à igualdade, não discriminação e educação, entre outros. Em uma decisão, o Tribunal considerou inconstitucional uma lei que proibiria a chamada “ideologia de gênero” porque seria uma “imposição do silêncio, da censura e […] do obscurantismo”.
Dessa maneira, o STF tem sido um importante órgão de contenção destas propostas legislativas, mesmo em um contexto em que o governo Bolsonaro continua buscando intimidar o Tribunal e ameaçado e insultado seus ministros. Especialistas em educação disseram à Human Rights Watch que as autoridades educacionais precisam fazer mais para aumentar o conhecimento sobre essas decisões a fim de garantir que professores, pais e outros responsáveis legais saibam que os professores têm a liberdade de ensinar essas disciplinas, de acordo com o currículo escolar. Pelo menos quatro casos relacionados permaneciam pendentes de decisão perante o Tribunal em março de 2022.
Alguns legisladores brasileiros se opõem à educação sobre gênero e sexualidade dizendo se tratar de “sexualização precoce”. Por exemplo, durante sua campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro protestou contra a “ideologia de gênero” e desde então continua acusando professores de “doutrinarem” estudantes por meio da educação sobre gênero e sexualidade, argumentando que esse conteúdo representa uma “sexualização precoce”. Em junho de 2021, vereadores de Divinópolis, Minas Gerais, aprovaram por unanimidade um projeto que proíbe a destinação de recursos públicos para eventos e serviços que “promovam de forma direta ou indireta a sexualização de crianças e adolescentes”. Em dezembro de 2021, Caucaia, um município do estado do Ceará, aprovou uma lei que proíbe a discussão de “assuntos relacionados à sexualidade” e “ideologia de gênero” nas escolas municipais.
A ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, que renunciou em março de 2022 para concorrer a um cargo político, denunciou a “doutrinação” de crianças e adolescentes e propôs um canal oficial para mães, pais e responsáveis legais de estudantes, denunciarem ao governo professores que ameaçam “a moral, a religião e a ética familiar”. Seu ministério não anunciou publicamente ações sobre essa proposta, mas alterou os protocolos da linha direta (Disque 100) que recebe denúncias de violações dos direitos humanos para começar a considerar a “ideologia de gênero” como violação.
A derrubada de projetos de lei não impediu ministros da Educação do governo Bolsonaro de empregarem uma retórica perigosa, correndo o risco de enraizar essas ideias nas instituições federais de ensino. O terceiro ministro da Educação de Bolsonaro, Milton Ribeiro, que renunciou em março de 2022 após acusações de corrupção contra ele e seu ministério, criticou a “erotização das crianças” e disse que a educação de gênero e sexualidade é um “incentivo” para que os jovens façam sexo.
Todos os professores com quem a Human Rights Watch conversou expressaram apreensão em abordar gênero e sexualidade em sala de aula devido aos esforços políticos para desacreditar esse material. Vinte dos professores sofreram assédio por abordar gênero e sexualidade entre 2016 e 2020, inclusive por representantes eleitos e membros de sua comunidade nas mídias sociais e pessoalmente.
No início de 2020, por exemplo, Alan Rodrigues, professor do ensino médio de uma escola pública da cidade do Rio de Janeiro que organizou com seus estudantes uma campanha contra a violência sexual, recebeu um e-mail anônimo dizendo: “Pare com a doutrinação dos alunos! Deixamos passar em 2019! Professores como vc deve [sic] morrer! Estamos de olho! Um aviso só!”. Alan Rodrigues disse à Human Rights Watch que tem recebido ameaças desde 2014 por abordar questões de gênero e sexualidade em sala de aula.
Virginia Ferreira, professora de inglês em Vinhedo, São Paulo, foi acusada por funcionários do governo municipal de “doutrinação” e “prejuízos no aprendizado dos alunos” depois de pedir a seus estudantes de oitavo ano que pesquisassem sobre feminismo e violência de gênero em comemoração ao Dia da Mulher em 2019. Ferreira disse ter enfrentado dois anos de processos disciplinares e ameaças nas redes sociais e postagens com o objetivo de desacreditá-la profissionalmente.
Clara Santos, professora de ciências de escola pública do Rio de Janeiro, foi acusada por colegas professores de ser uma “doutrinadora” depois que tentou organizar oficinas com estudantes sobre violência de gênero, feminismo e sexualidade em 2018. A diretora lhe disse para não discutir sexualidade, identidade de gênero ou aborto e proibiu-a de usar a palavra “gênero” nos títulos das oficinas. O incidente levou Clara Santos a tomar cuidado com os projetos que ela propunha e, por fim, deixar a escola.
Alguns professores foram intimados a prestar declarações à polícia, ao Ministério Público ou às secretarias de educação.
A prevalência desse tipo de assédio em todo o Brasil não é clara, embora professores e especialistas em educação digam que as leis e projetos de lei, a retórica política e os casos de assédio aos professores criam um “efeito inibidor” que afeta a disposição de alguns professores de tratarem sobre gênero e sexualidade em sala de aula. O STF observou em sua decisão que derrubou a lei de Alagoas em 2020 que o “chilling effect” pode levar os professores “a deixar de tratar de temas relevantes […], o que, por sua vez, suprimiria o debate e desencorajaria os alunos a abordar tais assuntos, comprometendo-se a liberdade de aprendizado e o desenvolvimento do pensamento crítico”.
O Escola Sem Partido, fundado em 2004, tem sido um grupo vocal que defende, nas legislaturas do Brasil como um todo, a proibição ou a restrição da educação sobre gênero e sexualidade. O grupo pretende defender a “neutralidade” nas escolas, ao mesmo tempo em que proíbe a “doutrinação” e o “proselitismo ao abordar questões de gênero”.
O conceito de “ideologia de gênero”, que se originou independentemente do Escola Sem Partido, mas que o grupo adotou, também é fundamental no debate. “Ideologia de gênero” é um termo genérico geralmente usado com o objetivo de insinuar um esforço feminista e “gay” para atacar os valores “tradicionais”. Inicialmente propagado pelo Vaticano na década de 1990, o termo agora é usado globalmente, sustentado por políticos e ideólogos oportunistas que aproveitaram sua falta de definição precisa e o empregaram para atacar uma série de questões diferentes, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo, feminismo, direitos reprodutivos, direitos das pessoas trans, educação integral em sexualidade e até medidas de combate à violência doméstica.
No Brasil, grupos conservadores e representantes eleitos têm empregado a retórica da “ideologia de gênero” para alimentar alegações de “doutrinação” de crianças em escolas com ideais “políticos” e “não neutros” relacionados a gênero e sexualidade. Ao provocar o medo de que as crianças estejam em risco devido a informações “perigosas”, esses atores continuam usar a educação como plataforma política dentre segmentos conservadores da população.
De acordo com as normas internacionais, o direito das crianças à educação integral em sexualidade (EIS) – material de aprendizagem apropriado para a idade que pode ajudar a promover práticas seguras e informadas que previnam a violência baseada em gênero, desigualdade de gênero, infecções sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada – é um elemento essencial do direito à educação. A informação sobre gênero e sexualidade é um componente crucial da EIS. O alto nível de violência de gênero no Brasil, incluindo violência contra mulheres, meninas e pessoas LGBT, é um indicador da urgente necessidade de tal educação nas escolas. Estudos e especialistas em educação vinculam a EIS a resultados positivos, como atraso no início das relações sexuais e aumento do uso de preservativos e contracepção, maior conhecimento sobre proteção contra violência sexual e baseada em gênero, bem como atitudes positivas em relação à equidade e diversidade de gênero.
Para defender o direito à educação e combater o “efeito inibidor” sobre a EIS, as legislaturas em todos os níveis de governo – federal, estadual e municipal – devem rejeitar imediatamente projetos de lei ou revogar leis que violem os direitos de estudantes de aprender sobre gênero e sexualidade. As autoridades nos níveis federal, estadual e municipal devem deixar de politizar a educação de gênero e sexualidade ou usá-la para consolidar apoio político e atacar adversários. O Ministério da Educação e os órgãos estaduais e municipais de educação devem implementar e aderir às leis e diretrizes existentes, decisões do STF e normas internacionais de direitos humanos que protegem o direito à EIS.
Em última análise, são os professores e os jovens – aqueles que mais precisam da informação – que são mais direta e negativamente impactados pela descaracterização e politização de materiais de aprendizagem como supostos difusores de “ideologia de gênero” ou “sexualização precoce”. O Brasil deve favorecer informações apropriadas à idade, afirmativas e baseadas na ciência sobre gênero e sexualidade. Todo estudante precisa dessas informações para viver uma vida saudável e segura.
Metodologia
A Human Rights Watch realizou a maior parte da pesquisa para este relatório entre janeiro de 2020 e outubro de 2021. A pesquisa sobre leis e políticas federais, estaduais e municipais, bem como sobre a retórica política no país, foi realizada principalmente online. A Human Rights Watch analisou 217 projetos de lei e leis.
Para identificar os entrevistados, um pesquisador trabalhou com advogados de direitos humanos, organizações de educação, e grupos LGBT. Algumas entrevistas foram realizadas durante uma viagem para as cidades brasileiras do Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo e Salvador em janeiro de 2020. A maioria das entrevistas foi realizada remotamente devido às restrições de viagem causadas pela pandemia de Covid-19, no período de janeiro de 2020 a setembro de 2021. Conversas de acompanhamento foram realizadas em janeiro e fevereiro de 2022.
Um pesquisador realizou um total de 56 entrevistas especificamente relacionadas aos ataques à educação sobre gênero e sexualidade. Trinta e duas dessas entrevistas foram com professores de oito estados do Brasil: Alagoas, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina. Vinte e quatro das entrevistas foram com servidores públicos da área da educação, promotores e especialistas em educação ou indivíduos que trabalham no campo, da sociedade civil, academia, jornalismo, autores de livros didáticos e sindicatos de professores.
Nenhuma remuneração foi paga aos entrevistados. O pesquisador obteve o consentimento informado verbal dos entrevistados e explicou a eles a razão pela qual a Human Rights Watch estava conduzindo a pesquisa e como usaria seus relatos. Informou também que eles não tinham a obrigação de responder nenhuma pergunta e que poderiam interromper a entrevista a qualquer momento. Os entrevistados tiveram a opção de usar pseudônimos em materiais publicados para o projeto; o uso de pseudônimos neste relatório está registrado nas citações da nota de rodapé.
A Human Rights Watch protocolou pedidos de acesso à informação a seis secretarias estaduais de educação no Brasil, solicitando revisões de processos disciplinares ou administrativos contra professores relacionados ao ensino sobre sexualidade e gênero. Nas ocasiões em que os órgãos forneceram essas informações, elas estão registradas na seção de antecedentes relevantes para aquele estado.
I. Histórico
Este Capítulo apresenta o direito à educação sobre gênero e sexualidade perante as normas internacionais e as leis e políticas brasileiras, e uma explicação do porquê essa educação é extremamente necessária no Brasil. Além disso, aborda o contexto do surgimento de grupos que se opõem à educação sobre gênero e sexualidade e as razões pelas quais seu discurso antigênero se tornou comum desde 2013. Um motivo que se destaca seria o suposto ganho político que ataques à educação sobre gênero e sexualidade poderiam gerar para alguns políticos em determinados segmentos da população.
Educação sobre Gênero e Sexualidade no Direito Internacional
As crianças têm garantido o direito à educação, o direito ao acesso à informação e o direito ao mais alto padrão de saúde possível, incluindo à saúde sexual e reprodutiva, de acordo com o direito internacional. Relacionado a esses direitos, crianças e adolescentes têm o direito de receber “educação integral em sexualidade” (EIS), que é definida pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA, na sigla em inglês) como uma “abordagem de educação em sexualidade baseada em direitos e com foco em gênero [… ] que visa assegurar a crianças e jovens conhecimentos, competências, posicionamentos e valores que lhes permitam desenvolver uma visão positiva sobre sua sexualidade, no contexto do seu desenvolvimento emocional e social.”[1]
A EIS se baseia no princípio de que os direitos humanos fundamentais são indissociáveis e interdependentes[2], enfatizando a não discriminação e a igualdade[3], bem como o melhor interesse da criança[4]. Sua natureza abrangente, comparada a programas de ensino mais restritos e focados especificamente em sexualidade ou educação em saúde reprodutiva, significa que crianças e adolescentes aprendem sobre uma variedade de tópicos ao longo de sua educação, centrados em uma abordagem de direitos humanos e uma estrutura de igualdade de gênero, que são relevantes para suas vidas cotidianas.
A EIS é crucial para promover práticas seguras e conscientes quando se trata de desenvolvimento sexual, relacionamentos e sexo seguro, além de prevenir a violência baseada em gênero, desigualdade de gênero, infecções sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada.
O UNFPA identifica os seguintes princípios fundamentais como essenciais nos programas de educação sexual[5]:
- Respeito aos direitos humanos e à diversidade, com a afirmação da educação em sexualidade como um direito;
- Capacidade de pensamento crítico, promoção da participação dos jovens na tomada de decisões e fortalecimento das suas capacidades como cidadãos;
- Estímulo de normas e costumes que promovam a igualdade e a inclusão de gênero;
- Abordagem das vulnerabilidades e exclusões;
- Relevância local e cultural;
- Uma abordagem positiva do ciclo de vida sexual.
Este relatório foca nos ataques contra os componentes de gênero e sexualidade dos padrões internacionais de EIS.
Educação sobre Gênero e Sexualidade na Lei e na Política Brasileira
A educação pública no Brasil é regida por várias leis e diretrizes com graus variados de efeito vinculante, que se informam e se complementam mutuamente. Em sua totalidade, estabelecem uma base legal e política forte para a educação relacionada ao gênero e à sexualidade humana, uma visão que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem mantido – mas que permanece constantemente sob ataque nas esferas federal, estadual e municipal, conforme documentado neste relatório[6].
De acordo com a constituição, o governo federal é encarregado de estabelecer diretrizes e padrões gerais para a educação, incluindo currículos nacionais (que vinculam os estados e municípios), enquanto os governos estaduais e municipais podem complementar as leis e políticas educacionais para atender às necessidades regionais ou locais[7].
Em geral, as secretarias municipais de educação administram as escolas públicas de Educação Infantil e Ensino Fundamental I, enquanto as secretarias estaduais de educação atuam no Ensino Fundamental II e Ensino Médio, e criam grades curriculares e diretrizes específicas para essas distintas redes de ensino, que os professores implementam na escola[8]. Na prática, os professores têm muito poder discricionário sobre como implementar esses currículos e diretrizes[9].
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996[10], que define e regulamenta a organização da educação brasileira, não faz referência explícita à educação sobre gênero ou sexualidade, embora contenha dispositivos compatíveis.
A lei estabelece que os currículos escolares incluirão conteúdos relacionados aos direitos humanos e à prevenção da violência contra crianças e adolescentes[11]. Também estipula que o ensino será baseado nos princípios de “respeito à liberdade e apreço à tolerância”. Para o ensino fundamental, a lei estimula “laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca”, enquanto para o ensino médio, a lei exige o ensino de “ciências humanas e sociais aplicadas”.
Conforme será discutido no Capítulo III deste relatório, em uma série de decisões a partir de 2020, o STF interpretou dispositivos desta lei para exigir a oferta de educação sobre gênero e sexualidade.
Diretrizes Curriculares Nacionais
As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) de 2013 são normas vinculantes para o ensino fundamental e médio que orientam “a organização, articulação, o desenvolvimento e a avaliação das propostas pedagógicas de todas as redes de ensino brasileiras”[12].
Para o ensino fundamental, as diretrizes destacam a importância de abordar “saúde, sexualidade e gênero”[13], reconhecendo que a puberdade é um momento em que os adolescentes “modificam as relações sociais e os laços afetivos” e aumentam “as aprendizagens referentes à sexualidade e às relações de gênero”[14]. As diretrizes enfatizam que as escolas devem estar atentas à diversidade, inclusive no que diz respeito a gênero e orientação sexual[15].
No que diz respeito ao ensino médio, as diretrizes estabelecem que os currículos devem considerar atividades que visem a “promoção da saúde física e mental, saúde sexual e saúde reprodutiva”[16], bem como combater a discriminação e a violência por meio da discussão de temas relativos a gênero, identidade de gênero e orientação sexual.[17]
Base Nacional Comum Curricular
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de 2017 estabelece os conteúdos, a aquisição de conhecimentos e as habilidades que devem ser desenvolvidas no ensino fundamental e médio, especificando os padrões educacionais exigidos por disciplina e, em alguns casos, ano de escolaridade a partir do 1º até o 3º colegial[18].
Na matéria de Ciências, é requerida instrução relacionada à reprodução e à sexualidade humana nos anos finais do ensino fundamental para que os estudantes possam “interpretar as modificações físicas e emocionais que acompanham a adolescência e a reconhecer o impacto que elas podem ter na autoestima e na segurança de seu próprio corpo”[19]. O documento também enfatiza que os estudantes deveriam ser capazes de tomar decisões “que representem autocuidado com seu corpo e respeito com o corpo do outro, na perspectiva do cuidado integral à saúde física, mental, sexual e reprodutiva”[20].
Nas diretrizes de História sugeridas para o nono ano, a BNCC pede que estudantes discutam e analisem “as causas da violência contra populações marginalizadas”, incluindo mulheres e minorias sexuais, buscando promover a tolerância.[21]
Parâmetros Curriculares Nacionais
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PNCs) de 1997 visam “orientar e garantir a coerência dos investimentos no sistema educacional, socializando discussões, pesquisas e recomendações”[22]. Os parâmetros, que são aplicáveis apenas ao ensino fundamental, não são juridicamente vinculantes.
O décimo capítulo dos PNCs aborda questões como orientação sexual, papéis de gênero, tolerância, discriminação e estereótipos nos relacionamentos, HIV/AIDS e gravidez indesejada na adolescência[23]. Os parâmetros sugerem áreas temáticas nas quais a orientação sexual pode ser abordada, incluindo ciência e história[24].
Já o nono capítulo dos PNCs é sobre saúde, e incentiva a inclusão da educação sobre gênero e sexualidade, reconhecendo que “não se pode compreender ou transformar a situação de saúde de um indivíduo ou de uma coletividade sem levar em conta que ela é produzida nas relações com o meio físico, social e cultural”[25]. Também destaca a importância da educação em saúde para prevenir infecções sexualmente transmissíveis, violência sexual e outras formas de violência social[26].
No geral, as secretarias estaduais e municipais de educação criam currículos e diretrizes específicas para seus respectivos sistemas de ensino, que os professores devem implementar nas escolas. A Human Rights Watch revisou as diretrizes estaduais de Alagoas, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina e descobriu que cada estado inclui linguagem que engloba educação sobre gênero e sexualidade, apenas em termos gerais. Na realidade, os professores têm muito poder de decisão sobre como implementar esses currículos e diretrizes abrangentes[27].
Necessidade de Educação sobre Gênero e Sexualidade no Brasil
Dois estudos da UNESCO, baseados em evidências de um total de 184 estudos científicos, inclusive em países de baixa ou média renda, descobriram que a EIS contribui para o atraso do início da vida sexual, redução do risco em relação à sexualidade e aumento do uso de preservativos e contracepção.[28]
Embora muitos estudos sobre a EIS se concentrem em resultados de saúde, alguns estudos indicam que esse tipo de educação também pode contribuir para resultados mais amplos, como prevenir e reduzir a violência e a discriminação de gênero, bem como melhor conhecimento de igualdade de gênero, autoeficácia no lidar com situações de risco e confiança dos estudantes[29]. Especialistas em educação em sexualidade chegaram a conclusões semelhantes[30].
Embora mais pesquisas empíricas sejam necessárias, uma revisão da literatura selecionada pelo UNFPA sugere que as razões pelas quais a EIS poderia contribuir para a prevenção primária da violência de gênero incluem que ela potencialmente diminui os fatores de risco e cria fatores de proteção contra esse tipo de violência. Pode fazê-lo, por exemplo, desafiando a desigualdade de gênero e normas de gênero desiguais, apoiando atitudes não violentas, desafiando a aceitação da violência e desenvolvendo habilidades para relacionamentos saudáveis[31].
As estatísticas sobre violência e discriminação de gênero no Brasil apontam para a necessidade da EIS. Segundo dados da ONU Mulheres, com base em um estudo de 2018, 16,7% das mulheres brasileiras foram vítimas de violência sexual ou física por um parceiro[32]. Em 2020, mais de um milhão de casos de violência doméstica e cerca de 5.500 casos de feminicídio – definidos pela lei brasileira como o assassinato de mulheres “por razões da condição de sexo feminino” – estavam pendentes na Justiça[33]. Os registros em delegacias de lesão corporal dolosa por violência doméstica contra mulheres caíram 7% em 2020[34], enquanto as ligações para a linha direta da polícia para denunciar violência doméstica aumentaram 16%[35], sugerindo um possível obstáculo para mulheres irem às delegacias durante a pandemia de Covid-19. Em 2021, houve 1.319 feminicídios no Brasil, o que representa uma média de uma vítima a cada 7 horas.[36]
No que diz respeito à violência sexual contra crianças, o Disque 100, central telefônica que recebe denúncias de violações de direitos humanos, registrou 159.063 denúncias em 2019, 55% delas sobre violência contra crianças e adolescentes, das quais 11% eram relacionadas à violência sexual[37]. O relatório do Disque 100 de 2019 é o último disponível no momento da elaboração deste relatório[38]. O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos declarou em comunicado, que nos primeiros cinco meses de 2021, o Disque 100 registrou 6.000 denúncias de violência sexual contra crianças[39].
A violência baseada em orientação sexual e identidade de gênero também é comum. A Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos recebeu 1.134 denúncias de violência, discriminação e outros abusos contra pessoas LGBT entre janeiro e junho de 2020 e cerca de 1.100 entre janeiro e outubro de 2021[40].
Um relatório do “Grupo Gay da Bahia”, uma das principais organizações da sociedade civil do Brasil na área da defesa e promoção dos direitos LGBT, que compila estatísticas sobre violência contra pessoas LGBT, constatou que em 2021 pelo menos 276 pessoas LGBT foram mortas e 24 morreram por suicídio[41]. A organização, que usa pesquisa de código aberto, atribuiu os casos à homofobia e à transfobia, considerados um reflexo da discriminação estrutural que leva ao aumento da vulnerabilidade, violência e automutilação das pessoas LGBT quando comparadas ao resto da população.
A ascensão de grupos que se opõem à educação sobre gênero e sexualidade
Apesar da fundamentação legal e política para a implementação da educação sobre gênero e sexualidade no Brasil, e a clara necessidade disso, nos últimos anos cresceram os grupos e discursos que se inflam contra os supostos perigos dessa educação[42].
Escola Sem Partido
O Escola sem Partido é uma iniciativa que se descreve como uma associação informal, independente, sem fins lucrativos, de estudantes e pais de combate ao suposto “grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras”[43]. Caracteriza professores como um “exército” que “abusa da liberdade de cátedra” e impõe aos estudantes “sua própria visão de mundo”.[44] O grupo se preocupa com o suposto tratamento preconceituoso por professores de determinados temas, como “civilização ocidental”, cristianismo, “família tradicional”, propriedade privada, capitalismo, livre mercado, agronegócio, militares, entre outros.[45]
Desde sua criação em 2004, esse grupo se alinhou à retórica conservadora no Brasil e se autodenominou veementemente anticomunista e fortemente alinhado às visões religiosas conservadoras[46]. Este é o pano de fundo para a ideia de “doutrinação ideológica” como usada pelo Escola Sem Partido ao referenciar “doutrinação marxista” e “lavagem cerebral” política nas escolas[47]. O Escola Sem Partido ganhou mais visibilidade em 2014, quando acrescentou a chamada “ideologia de gênero” em sua retórica e começou a elaborar e propor projetos de lei proibindo a “doutrinação” nos níveis municipal, estadual e federal[48].
“Escola sem partido” foi um dos slogans usados por Bolsonaro e seus seguidores para apelar a uma base conservadora de apoio ao associar um inimigo comum imaginário[49], tática que se tornou mais eficaz por causa do foco do grupo em uma suposta ameaça representada pela educação sobre gênero e sexualidade para crianças nas escolas.
Alguns dos primeiros apoiadores do Escola Sem Partido eram membros da família Bolsonaro, incluindo o próprio presidente[50]. Em 2014, o então deputado estadual carioca Flávio Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro, apresentaram projetos de lei no estado do Rio e na cidade do Rio, respectivamente, para proibir a “doutrinação” nas escolas com base em uma proposta legislativa criada pelo Escola Sem Partido para todos os níveis do governo brasileiro[51]. Muitos outros projetos de lei analisados neste relatório são baseados nesse modelo, resultando em propostas legislativas praticamente idênticas nos níveis federal, estadual e municipal.
Como um porta-voz da Secretaria de Educação do Estado do Paraná disse à Human Rights Watch, “o Escola Sem Partido não conseguiu provar que a doutrinação ocorre nas escolas brasileiras, e que é um problema sistêmico. Em última análise, é uma distração dos outros importantes desafios educacionais”[52].
“Ideologia de Gênero”
A expressão “Ideologia de gênero” é um termo genérico geralmente destinado a caracterizar um imaginário esforço da comunidade LGBT e feminista para enfraquecer os valores “tradicionais”. Divulgado pela primeira vez pelo Vaticano[53], o conceito foi popularizado por políticos oportunistas e ideólogos de todo o mundo que, entre outras coisas, denunciam a suposta “doutrinação” de crianças com informações relacionadas a gênero e sexualidade[54].
Dada a falta de uma definição precisa, os seus defensores convenientemente empregaram o termo para atacar diversos temas, como educação sexual abrangente, casamento entre pessoas do mesmo sexo, feminismo, direitos reprodutivos e direitos das pessoas trans[55].
No Brasil, onde começou a decolar politicamente por volta de 2013[56], o termo “ideologia de gênero” tem sido utilizado em conjunto com o termo “doutrinação política”[57] por figuras da direita política e religiosa “para quem a dissolução da moral sexual convencional é um passo da estratégia comunista”, segundo análise de um acadêmico[58].
Mudanças na Política de Educação
Os críticos da chamada “ideologia de gênero” tiveram alguma influência na política educacional brasileira. Eles montaram uma campanha que resultou em uma linguagem diluída sobre educação integral em sexualidade na BNCC aprovada em 2017. Um rascunho anterior do documento incluía os termos “orientação sexual” e “gênero” no contexto de garantir o respeito e a aceitação da diversidade como princípios subjacentes, bem como em assuntos como arte, religião e ciências[59].
Em 2017, em fase final de redação da BNCC, o Ministério da Educação do presidente Michel Temer, sob pressão de atores conservadores, retirou o termo “orientação sexual” de partes do projeto que tratavam da educação infantil e fundamental[60], bem como o termo “gênero” em algumas partes do documento[61]. O Conselho Nacional de Educação descartou ainda quaisquer referências remanescentes[62], citando as “muitas controvérsias durante os debates públicos da BNCC”[63].
Em 2014, grupos conservadores também convenceram os legisladores a extirpar termos relacionados à educação sobre gênero e sexualidade do rascunho do Plano Nacional de Educação (PNE)[64], outro documento federal vinculante que determina diretrizes, metas e estratégias para a política educacional para o período 2014 a 2024[65]. Na época grupos conservadores e religiosos se opunham à inclusão de linguagem relacionada à promoção da “igualdade racial, regional, de gênero e orientação sexual”[66], argumentando que isso era equivalente a ensinar a chamada “ideologia de gênero” e uma distorção do modelo de família tradicional[67].
A BNCC e o PNE são dois documentos centrais que orientam e informam a educação brasileira a nível nacional. Conforme explicado anteriormente, outras leis e diretrizes ainda permitem a apresentação de material sobre gênero e sexualidade nas escolas. No entanto, nos últimos anos, atores contrários a esse material têm aproveitado para influenciar o debate nacional sempre que se vislumbra a atualização de algum desses documentos norteadores, estratégia exemplificada pelas reformas do PNE e da BNCC.
II. Leis que proíbem a educação sobre gênero e sexualidade
A partir de 2014, grupos conservadores e legisladores no Brasil começaram a apresentar e aprovar uma série de projetos de lei que buscavam proibir e até mesmo criminalizar a educação sobre gênero e sexualidade nos níveis federal, estadual e municipal. A Human Rights Watch revisou 217 propostas legislativas apresentadas entre 2014 e 2022 e que visam proibir direta ou indiretamente esse tipo de material didático[68].
Os projetos de lei podem ser geralmente divididos em duas categorias: projetos de lei que proíbem explicitamente a educação sobre gênero e sexualidade e projetos de lei que proíbem a chamada “doutrinação”. A Human Rights Watch confirmou que pelo menos 47 desses projetos de lei foram aprovados, sendo que pelo menos 20 estão atualmente em vigor em municípios e um no estado do Ceará. Pelo menos 41 dos projetos analisados continuam em trâmite, incluindo 15 na Câmara dos Deputados. Esses números provavelmente estão subestimados, uma vez que a Human Rights Watch não conseguiu acessar diversos sites de municípios ou bancos de dados on-line na última vez que tentou em outubro de 2021, pois estavam inativos.
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido importante órgão de contenção das leis que foram aprovadas, tendo derrubado oito delas (sete municipais e uma estadual) que analisou em 2020. Em suas decisões, o STF defendeu os direitos à educação e a não discriminação, entre outros. Pelo menos quatro casos relacionados permaneciam aguardando julgamento no tribunal em fevereiro de 2022. Os tribunais inferiores suspenderam ou derrubaram pelo menos 17 leis.
Apesar das decisões, essas leis e projetos de lei têm tido consequências de longo alcance e continuam a influenciar os debates sobre educação no Brasil com efeitos indiretos nas escolas. De fato, algumas novas leis e projetos de lei continuaram a surgir no país até março 2022,[69] embora em menor quantidade do que nos últimos anos, sugerindo que as decisões tiveram um impacto dissuasor sobre estes esforços legislativos. A retórica política oportunista alegando “doutrinação”, “ideologia de gênero” ou “erotização precoce” continua[70].
Como afirmou um servidor da área de comunicação da Secretaria de Educação do Estado do Paraná disse à Human Rights Watch, “[esses projetos de lei] são uma estratégia que [os políticos] podem usar para prestar contas a uma base eleitoral conservadora, mesmo sabendo que é um projeto de lei inconstitucional com base em uma decisão do Supremo. Isso atrapalha o processo legislativo” [71].
Professores e especialistas em educação entrevistados para este relatório disseram à Human Rights Watch que é preciso fazer mais para divulgar as decisões do STF ao público no Brasil. Eles dizem que as decisões por si só não reduziram o efeito assustador que essas leis tiveram sobre os professores, alguns dos quais podem temer abordar gênero e sexualidade na sala de aula por medo de represálias.
Segundo Fernanda Moura, professora e integrante do Coletivo Professores Contra Escola Sem Partido, o governo e outros atores também devem fazer sua parte para conscientizar o público sobre o significado e as implicações das decisões judiciais e defender publicamente o direito à educação sobre gênero e sexualidade:
Nem a mídia, nem [aliados das] esquerdas brasileiras e nem mesmo os sindicatos de professores propagaram da maneira como deveriam as vitorias que tivemos no STF. A população brasileira não sabe nem que esses julgamentos existiram. Ouso dizer que nem os professores sabem[72].
Projetos de Leis Federais
A Human Rights Watch revisou 17 projetos de lei que parlamentares de diversos partidos apresentaram na Câmara dos Deputados entre 2014 e 2020, e que buscavam proibir direta ou indiretamente a educação sobre gênero e sexualidade. Nenhum deles foi aprovado, em parte devido à valorosa oposição de alguns partidos. Quinze desses projetos estavam em trâmite em outubro de 2021, e os outros dois foram retirados por seus proponentes ou arquivados. Se aprovados, esses projetos representariam um grave retrocesso em nível federal de leis e diretrizes no Brasil que apoiam a educação sobre gênero e sexualidade. Como disse um professor de história da Paraíba, Renan Costa, à Human Rights Watch: “Há dez anos, havia um foco na diversidade nas escolas [no nível federal]. Agora, há um processo de silenciamento” [73] .
Projetos de lei que proíbem explicitamente a educação sobre gênero e sexualidade
Dezesseis dos 17 projetos de lei apresentados na Câmara dos Deputados entre 2014 e 2020 são voltados para questões de educação sobre gênero e sexualidade. Eles buscam banir a chamada “aplicação da ideologia de gênero” nas escolas e, em alguns casos, banir completamente o uso das palavras “gênero” ou “orientação sexual”.
Por exemplo, o Projeto de Lei 4.893/2020 “[t]ipifica como crime a conduta de quem, nas dependências das instituições da rede municipal, estadual e federal de ensino, adote, divulgue, realize, ou organize política de ensino, currículo escolar, disciplina obrigatório, complementar ou facultativa, ou ainda atividades culturais que tenham como conteúdo a ideologia de gênero”[74]. Este crime é punido com prisão de até um mês. O projeto de lei não define o que seria “ideologia de gênero”.
O Projeto de Lei 10.659/2018 altera a Lei de Educação Nacional para “proibir a doutrinação política, moral, religiosa ou ideologia de gênero nas escolas”, defende a “interferência e respeito às convicções religiosas, morais, religiosas [sic] e políticas do aluno”, e proíbe “a adoção da ideologia de gênero ou a orientação sexual” [75]. O texto do projeto também não define o que seria “ideologia de gênero”.
O Projeto de Lei 258/2019 altera a mesma lei, defendendo o “respeito às crenças religiosas e às convicções morais, filosóficas e políticas dos alunos, de seus pais ou responsáveis, tendo os valores de ordem familiar precedência sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa”. O projeto de lei também afirma que uma escola “não desenvolverá políticas de ensino, nem adotará currículo escolar, disciplinas obrigatórias, nem mesmo de forma complementar ou facultativa, que tendam a aplicar a ideologia de gênero, o termo ‘gênero’ ou ‘orientação sexual’”. [76]
O Projeto de Lei 5.487/2016 proíbe o Ministério da Educação de “distribuir livros às escolas públicas que versem sobre orientação à diversidade sexual de crianças e adolescentes”[77]. Enquanto isso, o Projeto de Lei 1239/2019, proíbe os governos federal, estadual, distrital e municipal de “aplicar recursos financeiros, de qualquer natureza, em ações de difusão, implantação e valorização [da chamada] ideologia de gênero, de forma direta ou indireta”.[78]
O Projeto de Lei 246/2019 determina que o “Poder Público não se imiscuirá no processo de amadurecimento sexual dos alunos nem permitirá qualquer forma de dogmatismo ou proselitismo na abordagem das questões de gênero”[79]. A justificação do projeto afirma que “[é] fato notório que professores [...] vêm-se utilizando de suas aulas e de suas obras para [...] fazer com que [estudantes] adotem padrões de julgamento e de conduta moral – especialmente moral sexual”. A autora desse projeto, a deputada Bia Kicis, foi eleita em fevereiro de 2021 para a presidência da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, um dos mais importantes cargos de controle no processo legislativo[80].
Projeto de lei sobre “Doutrinação”
O Projeto de Lei 867/2015 alteraria a Lei de diretrizes e bases (LDB) para proibir “a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes”[81].
Embora a redação deste projeto de lei sobre a suposta “doutrinação” e os descritos abaixo não façam referência explícita à educação sobre gênero e sexualidade, a linguagem dos projetos é extraída literalmente dos projetos de lei do Escola Sem Partido, encontrados em seu site[82]. Dada a politização da chamada “ideologia de gênero” pelo grupo e a retórica nacional em torno das supostas “doutrinação” e “sexualização precoce”, se aprovadas, tais leis ameaçariam seriamente a educação sobre gênero e sexualidade nas escolas como são atualmente escritas, especialmente quando colocam “crenças religiosas ou morais” acima do interesse educacional.
Projetos de lei e leis estaduais
No nível estadual, a Human Rights Watch revisou 31 projetos de lei que foram apresentados nas legislaturas entre 2014 e 2019 em 16 dos 27 entes federativos do Brasil. Desses, pelo menos 8 projetos de lei permanecem em tramite (os outros foram arquivados) até fevereiro de 2022. A Assembleia Legislativa de Alagoas aprovou uma lei em 2016, mas o STF derrubou a lei em 2020. Pelo menos uma lei está em vigor atualmente, no estado do Ceará.
Projetos de lei que proíbem explicitamente a educação sobre gênero e sexualidade
Assim como na esfera federal, alguns projetos de lei estaduais são voltados para questões de educação sobre gênero e sexualidade. Uma dessas leis está atualmente em vigor no estado do Ceará, que em 2016 aprovou seu plano estadual de educação que proíbe “a utilização de ideologia de gênero na educação estadual”[83].
Um projeto de lei em tramitação na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, o PL 1615/2016, proíbe “profissionais da educação, dentro das instituições de ensino escolar do Estado do Rio de Janeiro, privada ou pública, ministrar sobre ideologia de gênero, orientação sexual e congênere”[84]. O projeto de lei também proíbe “a utilização de qualquer meio pedagógico que possa conduzir a concepções ideológicas condizentes a gêneros e orientação sexual”[85].
Um projeto de lei em tramitação no Ceará, o PL 20/2019, estipula que o “Poder Público não se imiscuirá na orientação sexual dos alunos nem permitirá qualquer prática capaz de comprometer ou direcionar o natural desenvolvimento de sua personalidade, principalmente no que diz respeito à identidade biológica de sexo, sendo vedada, especialmente, a aplicação dos postulados da ideologia de gênero”[86].
Projetos de lei sobre “doutrinação”
Um projeto de lei, o PL 960/2014, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo proíbe “a prática de doutrinação política e ideológica em sala de aula”, bem como “a veiculação, em disciplina obrigatória, de conteúdos que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos estudantes ou de seus pais ou responsáveis”[87].
Na Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco, o PL 823/2016 proíbe “doutrinação” e conteúdos pedagógicos que possam induzir estudantes a um único pensamento religioso, político ou ideológico e proíbe os professores de “utilizar sua disciplina como instrumento de cooptação político-partidária ou ideológica”[88]. A justificativa do projeto cita o Escola Sem Partido, e observa que é “fato notório” que os professores tentam fazer com que estudantes “adotem padrões de julgamento e de conduta moral – especialmente moral sexual”.
Projetos de Lei e Leis Municipais
A maioria dos projetos de lei no Brasil que visam restringir a educação sobre gênero e sexualidade foi apresentado em nível municipal. A Human Rights Watch revisou 169 projetos de lei apresentados entre 2014 e 2022 nos legislativos municipais de 23 dos 26 estados federados brasileiros. Assim como os projetos de lei em nível federal e estadual, eles seguem um padrão semelhante: projetos de lei que proíbem diretamente a educação sobre gênero e sexualidade e projetos de lei que se focam na chamada “doutrinação”.
Das leis que foram aprovadas e estão atualmente em vigor (ou seja, que não foram derrubadas pelos tribunais, como será discutido no próximo capítulo), a maioria são leis municipais. A Human Rights Watch confirmou que pelo menos 20 dessas leis estão atualmente em vigor, embora esse número possa estar subestimado, uma vez que os pesquisadores não conseguiram acessar todos os sites e/ou bancos de dados municipais. Os municípios com essas leis em vigor têm uma população média estimada de 184.000 habitantes, variando de 17.000 a 823.300 habitantes, segundo dados do governo.
Estado |
Município |
Nº/Ano |
Objetivo da lei |
Ceará |
Juazeiro do Norte |
4853/2018 |
Proíbe o ensino de “ideologia de gênero” |
Ceará |
Caucaia |
3376/2021 |
Proíbe “assuntos relacionados à sexualidade” e “ideologia de gênero” |
Espírito Santo |
Guarapari |
4227/2018 |
Proíbe informações sobre orientação sexual, “ideologia de gênero” e doutrinação |
Espírito Santo |
Cachoeiro de Itapemirim |
7136/2015 |
Proíbe doutrinação ideológica |
Espírito Santo |
Marechal Floriano |
1962/2018 |
Proíbe doutrinação e “dogmatismo” em relação ao gênero |
Mato Grosso |
Água Boa |
1421/2018 |
Proíbe doutrinação e informação em conflito com as convicções morais dos pais |
Mato Grosso |
Sinop |
3046/2022 |
Proíbe a “ideologia de gênero” e informações relacionadas a orientação sexual e direitos reprodutivos |
Paraíba |
Campina Grande |
6950/2018 |
Proíbe a “ideologia de gênero” |
Paraíba |
Patos |
4939/2018 |
Proíbe informações sobre “igualdade de gênero (ideologia)” e orientação sexual |
Paraíba |
Sousa |
2734/2017 |
Proíbe “ideologia de gênero”, “orientar a sexualidade dos estudantes” |
Paraná |
Arapongas |
4609/2017 |
Proíbe “doutrinação” e informações em conflito com as convicções morais dos pais |
Paraná |
Arapongas |
4622/2017 |
Proíbe informações sobre “ideologia e igualdade de gênero” |
Pernambuco |
Araripina |
2884/2017 |
Proíbe a “ideologia de gênero” |
Pernambuco |
Garanhuns |
4432/2017 |
Proíbe “teoria de gênero, questões de gênero, identidade de gênero ou ideologia de gênero” |
Rio de Janeiro |
Nova Iguaçu |
4576/2016 |
Proíbe informações sobre diversidade sexual |
Rio Grande do Norte |
Apodi |
1254/2018 |
Proíbe a “ideologia de gênero” |
Rio Grande do Norte |
Pau dos Ferros |
1612/2017 |
Proíbe “ideologia de gênero”, “orientar a sexualidade dos estudantes” |
Santa Catarina |
Criciúma |
7159/2017 |
Proíbe doutrinação e “dogmatismo” em relação ao gênero |
São Paulo |
Pedreira |
3670/2017 |
Proíbe informações sobre orientação sexual e “ideologia de gênero” |
São Paulo |
Várzea Paulista |
2336/2017 |
Proíbe informações sobre orientação sexual e “ideologia de gênero” |
A lei de Nova Iguaçu, por exemplo, proíbe “livros, publicações, cartazes, filmes, vídeos, faixas ou qualquer tipo de material [...] contendo orientações sobre a diversidade sexual nos estabelecimentos de Ensino da rede pública municipal” da cidade[89]. O Ministério Público contestou a lei no STF e recomendou que a Secretaria de Educação não aplique a lei.[90] Lidiane L., professora de educação infantil em Nova Iguaçu, disse à Human Rights Watch que a lei não está sendo aplicada nas salas de aula, mas que ela não acha que os professores estão abordando temas relacionados à diversidade sexual, em parte devido ao medo de serem assediado por pessoas conservadoras na comunidade. Ela também disse que temia que a lei fosse aplicada no futuro:
É terrível para nós ter uma lei existente que pode ser aplicada a qualquer momento. Queremos que a lei seja derrubada... Nada atualmente proíbe os professores de serem assediados no futuro.[91]
III. Decisões do Supremo Tribunal Federal
A disseminação de projetos de lei e leis visando banir discussões sobre gênero e sexualidade ou “doutrinação” nas escolas brasileiras tem sido contestada nos tribunais, incluindo o Supremo Tribunal Federal (STF). Desde abril de 2020, o STF considerou inconstitucionais sete leis municipais e uma lei estadual ou dispositivos dessas leis, resultando em um importante revés nas tentativas de banir a educação sobre gênero e sexualidade. Pelo menos 16 leis foram derrubadas por tribunais inferiores entre 2015 e 2018, embora este número esteja possivelmente subestimado.
Entre os casos que chegaram ao STF, nenhuma das leis que proibiam a educação sobre gênero e sexualidade ou “doutrinação” foi mantida. Quatro contestações legais a leis semelhantes permaneciam aguardando julgamento no Supremo Tribunal em fevereiro de 2022[92]. A tabela a seguir apresenta informações básicas sobre os casos que foram decididos:
Data da Decisão |
Caso não. |
Tipo de lei |
Município, Estado |
Objetivo da lei ou disposição inconstitucional(is) |
27 de abril de 2020 |
ADPF 457 |
Municipal |
Novo Gama, Goiás |
Proibir o ensino da “ideologia de gênero” |
11 de maio de 2020 |
ADPF 526 |
Municipal |
Foz do Iguaçu, Paraná |
Proibir o ensino de “ideologia de gênero” e os termos “gênero” e “orientação sexual” |
29 de maio de 202o |
ADPF 467 |
Municipal |
Ipatinga, Minas Gerais |
Proibir o ensino de “ideologia de gênero”, “diversidade de gênero” e “orientação sexual”. |
29 de junho de 2020 |
ADPF 460 |
Municipal |
Cascavel, Paraná |
Proibir o ensino de “ideologia de gênero” e os termos “gênero” e “orientação sexual” |
24 de agosto de 2020 |
ADPF 600 |
Municipal |
Londrina, Paraná |
Proibir “a ideologia de gênero e/ou o conceito de gênero estipulado pelos Princípios de Yogyakarta” |
24 de agosto de 2020 |
ADPF 465 |
Municipal |
Palmas, Tocantins |
Proibir “ideologia ou teoria de gênero” e “questões percebidas para sexualidade e erotização” |
24 de agosto de 2020 |
ADPF 461 |
Municipal |
Paranaguá, Paraná |
Proibir o ensino de “ideologia de gênero” e os termos “gênero” e “orientação sexual” |
24 de agosto de 2020 |
ADI 5537 |
Estado |
Estado de Alagoas |
Proibir a “doutrinação” |
Embora a fundamentação das decisões do STF varie, elas compartilham algumas conclusões centrais sobre violações de princípios constitucionais “formais e materiais”. Do ponto de vista formal, o Tribunal considerou que as leis estaduais e municipais não podem substituir a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996 discutida no capítulo I deste relatório. Materialmente, o Tribunal considerou que as leis restringem várias liberdades garantidas pela constituição, incluindo a liberdade de ensinar e a garantia da não discriminação.
Leis estaduais e municipais que proíbem educação sobre gênero e sexualidade não podem se sobrepor à lei federal de educação
Ao derrubar por unanimidade a lei de Novo Gama, do estado de Goiás, que proibia a chamada “ideologia de gênero” nas escolas, o STF decidiu que os municípios não podem se sobrepor à lei federal de educação, que permite material didático relacionado a gênero, sexualidade e diversidade. Ressaltou que é responsabilidade do governo federal “legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional”[93].
Embora os municípios possam suplementar a “legislação federal, com vistas à regulamentação de interesse local”, isso “não justifica a proibição de conteúdo pedagógico, não correspondente às diretrizes fixadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional”[94]. Esse mesmo raciocínio foi aplicado ao Supremo ao derrubar as leis de Cascavel[95], Ipatinga[96], Londrina[97], Foz do Iguaçu[98] e Palmas,[99] Paranaguá[100], bem como a lei estadual de Alagoas[101].
Leis que restringem a educação sobre gênero e sexualidade afrontam liberdades constitucionais
Ao derrubar por unanimidade a lei de Cascavel , que proibia a abordagem de “gênero” e “orientação sexual” nas escolas, o tribunal decidiu que ela violava “os princípios da liberdade, enquanto pressuposto para a cidadania; da liberdade de ensinar e aprender; da valorização dos profissionais da educação escolar; da gestão democrática do ensino; do padrão de qualidade social do ensino; da livre manifestação do pensamento; e da livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”[102]. Raciocínio análogo foi aplicado nos casos relativos às leis de Novo Gama[103], Ipatinga[104], Londrina[105], Foz do Iguaçu[106], Palmas[107], Paranaguá[108] e Alagoas[109].
A decisão de Nova Gama esclarece que esses princípios não protegem apenas “opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas eventualmente não compartilhada pelas maiorias”[110]. A decisão de Cascavel explica que qualquer suposta “neutralidade” na sala de aula decorrente da proibição de discussões de gênero e orientação sexual é uma falsidade que na verdade “esteriliza a participação social decorrente dos ensinamentos plurais adquiridos em âmbito escolar”[111]. É esse pluralismo que dá aos estudantes “a oportunidade de [...]construir um caminho próprio, diverso ou coincidente com o de seus pais ou professores”[112].
Em voto semelhante no caso de Novo Gama, o ministro Edson Fachin considerou que “[i]mpedir ao sujeito concreto o acesso ao conhecimento a respeito dos seus direitos de identidade e personalidade viola os preceitos fundamentais inscritos na Constituição, dentre eles, o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”[113].
Leis que restringem o ensino de gênero e diversidade sexual violam garantias de não discriminação
Ao derrubar por unanimidade dispositivos da lei de Ipatinga que proibiam o ensino relacionado à “ideologia de gênero”, “diversidade de gênero” e “orientação sexual” nas escolas municipais, o ministro relator Gilmar Mendes considerou que a constituição e o direito internacional garantem a igualdade e a dignidade da pessoa, que por sua vez “demanda o respeito à autonomia privada e às legítimas opções das pessoas sobre suas escolhas existenciais”[114]. Ele destaca que, à luz dessas garantias, há um “dever estatal de adoção de políticas de combate às desigualdades e à discriminação, inclusive no que se refere aos padrões culturais, sociais e econômicos que produzem essa situação”[115]. Raciocínio semelhante foi aplicado nas decisões do STF relativas às leis de Novo Gama[116], Cascavel[117], Londrina[118], Foz do Iguaçu[119], Palmas[120] e Paranaguá[121].
Uma das principais posições na decisão de Ipatinga é que banir discussões sobre sexo e gênero não representa uma posição de “neutralidade”, mas sim “reflete uma posição política e ideológica bem delimitada, que opta por reforçar os preconceitos e a discriminação existentes na sociedade”[122]. Da mesma forma, ao derrubar a lei de Novo Gama, no Estado de Goiás, o Ministro Relator Alexandre de Moraes destaca que “[n]ão há neutralidade axiológica no que se refere à realização desses objetivos do ensino, os quais são dirigidos à formação de pessoas tolerantes, que respeitem os direitos humanos e as diferenças individuais e de grupo da sociedade”[123].
“Chilling Effect” das Leis e Projetos de Lei
Em agosto de 2020, quando o STF derrubou a lei do estado de Alagoas, a decisão, redigida pelo ministro Luís Roberto Barroso e endossada por todos menos um ministro, defendeu a tolerância e o pluralismo de pensamento. A decisão considerou que essas leis poderiam ter um “chilling effect” sobre os professores que “os levaria a deixar de tratar temas relevantes [...] o que, por sua vez, suprimiria o debate e desencorajaria os alunos a abordarem tais assuntos, comprometendo-se a liberdade de aprendizado e o desenvolvimento do pensamento crítico”[124].
Professores e especialistas em educação no Brasil disseram à Human Rights Watch que as leis que proíbem a educação sobre gênero e sexualidade tiveram um impacto profundo em estudantes e professores. Embora as decisões do STF em 2020 tenham sido um acontecimento positivo, o legado das leis continua a exercer um efeito amedrontador na oferta desse tipo de educação. Todos os 34 professores que a Human Rights Watch entrevistou para este relatório expressaram medo ou cautela ao abordar material de educação sobre gênero e sexualidade em suas salas de aula devido ao contexto legal e político no Brasil, incluindo as propostas legislativas descritas acima. Especialistas em educação entrevistados pela Human Rights Watch corroboraram a existência desse medo.
Denise Carreira, coordenadora da Ação Educativa, uma organização da sociedade civil que trabalha para defender o direito à educação no Brasil, disse à Human Rights Watch:
Um dos grandes efeitos da atuação de movimentos ultraconservadores na educação nos últimos anos foi o crescimento da autocensura entre profissionais de educação. Mas temos um caminho a percorrer para reverter o clima de medo e insegurança promovido por esses movimentos ultraconservadores que continuam a propor leis antigênero em municípios e estados e a estimular a perseguição nas escolas[125].
Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, descreveu as decisões judiciais como “uma importante vitória para dar sinalização de respaldo institucional, democrático e jurídico a esse tipo de ameaça aos direitos de gênero, sexualidade e educação”, mas acrescentou que as decisões judiciais “não são suficientes”:
Há uma questão no nível da sociedade, que perpassa as instituições e chegou muito fortemente na instituição escolar. Por isso, os professores seguem sentindo-se inseguros quanto à abordagem desse tema, já que seguem sofrendo ameaças[126].
Como disse Fernando Seffner, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, à Human Rights Watch:
Ações do STF indicam que, se você for processado, poderá ganhar a causa contra os movimentos de “ideologia de gênero”. Mas não chegam a eliminar o medo de abordagem dos temas[127].
Tanto Pellanda como Seffner destacaram a necessidade de uma estratégia paralela aos processos judiciais, especialmente a educação de profissionais e comunidades, incluindo os resistentes a este tipo de educação sobre gênero e sexualidade, sobre os benefícios deste tipo de material.
Rafael Kirchhoff, advogado e dirigente da Associação Nacional de Juristas pelos Direitos Humanos LGBT (ANAJUDH) ecoou esse sentimento e destacou que para os professores se sentirem seguros e reduzir a autocensura:
[É] preciso que as decisões do STF se transformem em políticas públicas, isto é, que os gestores públicos estabeleçam conteúdos e metodologias adequadas e claras para auxiliar docentes nessa tarefa[128].
Mario Sousa, professor de arte do Paraná, disse à Human Rights Watch o que isso significa na prática:
Eu sou gay, mas nunca falo com meus alunos sobre isso porque tenho medo de ser exposto. Sinto que existe a necessidade de falar sobre questões de gênero e sexualidade [na sala de aula]. Às vezes, os alunos vêm conversar conosco sobre essas questões porque muitas vezes não têm a oportunidade de conversar sobre essas questões com seus pais[129].
Sayonara Nogueira, professora de geografia de uma escola municipal de Uberlândia, Minas Gerais, disse à Human Rights Watch que sente que o assédio diminuiu desde as decisões do STF, mas os professores ainda não “querem problemas”, então encontram maneiras de falar sobre gênero e sexualidade indiretamente.[130]
Eduardo Vasconcelos, presidente do Sindicato dos Professores de Alagoas (SINPRO-AL), disse que, apesar da decisão do STF ter derrubado a lei estadual que proibia a “doutrinação” em 2020, os parlamentares por trás da lei e seus apoiadores continuam sendo uma ameaça à liberdade educacional em Alagoas:
A lei não morreu. O sentimento que ela evocou continua. Embora o movimento tenha perdido algum poder agora, ainda há muitos, como alguns pentecostais e católicos, que ainda o apoiam…. Vai além do gênero e da sexualidade, relaciona-se com o poder político[131].
Eduardo Vasconcelos acrescentou que, apesar da decisão, “os professores se sentem ideologicamente monitorados” pelas forças conservadoras da sociedade. Vasconcelos e outros três representantes de três sindicatos de professores nos estados da Paraíba, Paraná e Rio de Janeiro disseram à Human Rights Watch que acham que os professores já começaram a autocensurar material sobre gênero e sexualidade para evitar reações adversas a essas questões[132].
Desafios do Supremo Tribunal Federal
Embora o STF venha atuando como um importante órgão de contenção dessas leis e projetos de lei que proíbem a educação sobre gênero e sexualidade, isso têm ocorrido em um momento em que o governo Bolsonaro tem atacado cada vez mais o tribunal, com o aparente objetivo de intimidá-lo, ameaçar e insultar seus ministros.
Em abril e maio de 2020, em um momento em que o presidente Bolsonaro atacava o STF, inclusive por suas decisões sobre suas políticas em relação à pandemia de Covid-19, seus apoiadores realizaram manifestações pedindo a volta do regime militar e o fechamento do STF e do Congresso[133].
Em 7 de setembro de 2021, o presidente Bolsonaro disse que não acataria nenhuma decisão do ministro do Supremo, Alexandre de Moraes[134]. O ministro Moraes conduz as investigações da Polícia polícia federal que apuram eventual interferência ilegal do presidente nas nomeações internas da Polícia Federal a fim de promover seus interesses pessoais[135], o vazamento de um documento sigiloso da polícia federal pelo presidente por motivos políticos e a disseminação de informações falsas sobre o sistema eleitoral[136].
Em 8 de setembro, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, respondeu que insultar os ministros e incitar o descumprimento de decisões judiciais “são práticas antidemocráticas, ilícitas e intoleráveis”[137].
Em 9 de setembro, após inúmeras críticas nacionais e internacionais sobre seus posicionamentos, o presidente Bolsonaro disse em uma declaração escrita que nunca teve a intenção de agredir os demais Poderes[138]. Mas ele não recuou em relação à afirmação infundada de que o sistema eleitoral brasileiro não é confiável, como repetiu em 7 de setembro, em uma possível tentativa de deslegitimar uma perda eleitoral de sua parte.
Em 4 de agosto, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, determinou a instauração de uma investigação sobre o presidente Bolsonaro por suas alegações sem provas sobre fraude eleitoral, como acusar falsamente alguém de cometer um crime com finalidade eleitoral ou incitar a subversão da ordem política e social[139]. O presidente ameaçou reagir fora das “quatro linhas” da Constituição[140]. Ele também encaminhou ao Senado um pedido de impeachment do ministro Moraes, algo inédito desde que a democracia foi restaurada no Brasil em 1985. O pedido foi rejeitado pelo presidente do Senado[141].
IV. Discurso Político e Políticas que Desacreditam a Educação sobre gênero e sexualidade
É fato que a investida de leis e projetos de lei visando banir a educação sobre gênero e sexualidade começou por volta de 2014, mas o presidente Jair Bolsonaro tem ampliado a retórica depreciando e desacreditando a educação sobre gênero e sexualidade. Vários de seus indicados políticos adotaram uma retórica semelhante e, em alguns casos, implementaram políticas que enfraquecem a educação sobre gênero e sexualidade nas escolas.
Presidente Jair Bolsonaro
Bolsonaro tem um longo histórico de descaracterizar e se opor vocalmente à educação sobre gênero e sexualidade, inclusive com o argumento de que seria “sexualização precoce”[142].
Em maio de 2020, respondendo à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que derrubou a lei municipal de Novo Gama – a primeira decisão até então desse tipo – que proibia a divulgação de “material com informações de ideologia de gênero”[143], Bolsonaro prometeu enviar ao Congresso um projeto de lei para proibir esse conteúdo[144]. Já havia 15 projetos de lei pendentes no Congresso proibindo material relacionado.
Bolsonaro disseque referido projeto de lei era de “urgência constitucional”, contrariando diretamente a decisão do STF de abril de 2020, que destacou que a lei impugnada equivaleria a “aderir à imposição do silêncio, da censura e, de modo mais abrangente, do obscurantismo” e que contrariava a “promoção do bem de todos” e o “o princípio segundo o qual todos são iguais perante a lei”[145]. Esse descaso com o Supremo é consistente com o padrão do presidente Bolsonaro de tentar deslegitimar o tribunal, conforme descrito no capítulo anterior deste relatório[146].
Essa retórica nociva tem repercutido negativamente na discussão das questões de gênero e sexualidade em determinados segmentos da sociedade brasileira. Por exemplo, no contexto da corrida presidencial de 2018, Bolsonaro acusou seu oponente, Fernando Haddad, de criar um “kit gay” quando Haddad era ministro da Educação em 2011[147].
“Kit gay” é um termo empregado por Bolsonaro e outros opositores para deturpar o “Escola Sem Homofobia”, projeto encomendado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, composto por material escrito e audiovisual destinado a promover “valores de respeito à paz e a não-discriminação por orientação sexual” nas escolas.[148]
Depois que o projeto enfrentou a reação de parlamentares conservadores, incluindo Bolsonaro, que era membro da Câmara dos Deputados na época e que afirmou que o projeto “incentivava a homossexualidade”, a então presidente Dilma Rousseff descartou o projeto e os materiais nunca foram distribuídos[149]. Sete anos depois, durante a corrida presidencial de Bolsonaro, a desinformação associando Haddad a uma caricatura de “kits gays” se espalhou amplamente via WhatsApp, incentivada por Bolsonaro, alarmando eleitores e causando irritação na sua base conservadora. Analistas políticos acreditam que Bolsonaro ganhou votos de conservadores por meio da disseminação de informações falsas sobre o projeto[150]. Uma pesquisa com 1.491 pessoas da Avaaz/IDEIA Big Data descobriu que 84% dos eleitores de Bolsonaro acreditaram na história dos chamados “kits gays”[151].
Desde que assumiu o cargo, Bolsonaro periodicamente traz à tona o suposto “kit gay” para ganho político. Em abril de 2021, durante um evento público, Bolsonaro mencionou um livro que alegou fazer parte do “kit gay”, que vinculou à suposta “sexualização nas escolas” e “doutrinação” ocorrida no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que provavelmente enfrentará Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022[152].
Em maio de 2021, durante o lançamento da campanha de conscientização do governo federal para o combate à exploração sexual de crianças e adolescentes, Bolsonaro criticou o Programa Nacional de Direitos Humanos de 2010 (PNDH-3) que foi adotado durante a presidência de Lula, dizendo que incentivava e protegia a pedofilia e que “tinha gente na época do próprio governo envolvido em pedofilia”[153]. O PNDH continha compromissos para promover os direitos das pessoas LGBT, inclusive no que diz respeito às uniões entre pessoas do mesmo sexo e adoção.[154]
Fernando Seffner, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, descreveu os efeitos dos comentários do presidente sobre os professores:
Por mais que o presidente possa parecer distante do dia a dia da escola, suas declarações estimulam quem pensa como ele a intimidar professores vistos como inimigos. [...] A repetição sem fim de acusações sem provas (por exemplo, dizer que havia cartilhas ensinando a mudar o sexo das crianças, sem nunca ter mostrado uma cartilha dessas), cria um clima de possibilidade de intimidação[155].
Eduardo Vasconcelos, presidente do Sindicato dos Professores de Alagoas (SINPRO-AL), explicou à Human Rights Watch que os professores se sentem mais monitorados no atual governo: “Sob Bolsonaro, a situação piorou porque grupos conservadores sentem maior segurança, inclusive legal, para serem intolerantes”[156]. Um professor da cidade do Rio de Janeiro compartilhou esse sentimento: “Em 2018 [com a eleição do presidente Bolsonaro], as coisas mudaram e você tinha que ter cuidado com o que você dizia”[157].
Os comentários de Bolsonaro depreciando a educação sobre gênero e sexualidade são ainda mais marcantes no contexto de sua longa história de comentários homofóbicos e misóginos, que continuaram em sua presidência[158]. Em abril de 2020, Bolsonaro acusou a Organização Mundial da Saúde de incentivar a masturbação e a homossexualidade, descaracterizando uma publicação de 2010 da OMS e do Centro Federal de Educação em Saúde da Alemanha voltada para os pais[159].
Natacha Costa, diretora executiva da Associação Cidade Escola Aprendiz, uma organização da sociedade civil que trabalha em todo o Brasil na promoção de políticas educacionais baseadas em direitos humanos, disse à Human Rights Watch que as declarações anti-LGBT de Bolsonaro equivalem a uma “permissão simbólica” de condutas discriminatórias entre o público em geral[160]. Ligia Ziggiotti, advogada e dirigente da Associação Nacional de Juristas pelos Direitos Humanos LGBT (ANAJUDH), disse que, embora a homofobia e a transfobia sejam anteriores a Bolsonaro, sua retórica “acentua o pânico moral relacionado aos direitos humanos LGBTI e à educação inclusiva”[161].
Ministros da Educação
Alguns dos indicados de Bolsonaro como ministros da educação também adotaram a mesma retórica desacreditando a educação sobre gênero e sexualidade, passando mensagens nocivas e discriminatórias desde os níveis mais altos do sistema educacional. Três ministros da educação consecutivos desde janeiro de 2019 expressaram apoio à noção de que as crianças estão sendo “doutrinadas” nas escolas. Ao assumir o cargo em 2019, o primeiro dos ministros, Ricardo Vélez, disse que combateria a “ideologia de gênero” e quaisquer “pautas nocivas” impostas aos costumes brasileiros[162]. O segundo ministro, Abraham Weintraub, que também denunciou a chamada “ideologia de gênero”, disse em julho de 2020 que no atual governo “sai o kit gay e entra a leitura em família”[163].
Em setembro de 2020, o terceiro ministro da Educação, Milton Ribeiro, que renunciou em março de 2022 após acusações de corrupção contra ele e seu ministério[164], criticou a educação integral em sexualidade, relacionando-a à “erotização das crianças”[165]. Embora ele reconheça que há uma importância na educação sexual para “evitar que uma criança seja molestada”, ele disse que são necessárias reformas para evitar “ideologia” na sala de aula que leva estudantes a “sabe tudo sobre sexo, como colocar uma camisinha, tirar uma camisinha […]. As crianças têm de aprender outras coisas”. O ministro também equiparou a educação sexual para adolescentes a um “incentivo” para que tenham relações sexuais[166].
Na mesma entrevista de 2020, Milton Ribeiro menosprezou as “discussões de gênero” ao dizer que “a biologia diz que não é normal a questão de gênero”. Confundindo gênero com orientação sexual, ele continuou dizendo que não “concorda” com “a opção que você tem como adulto de ser um homossexual”. Quando pressionado sobre o papel das escolas no enfrentamento do bullying, ele respondeu que as crianças homossexuais vêm de “famílias desajustadas” e que a homossexualidade é uma escolha: “Vejo menino de 12, 13 anos optando por ser gay, nunca esteve com uma mulher de fato [...]. São questões de valores e princípios.” O ministro também manifestou ressalvas quanto à presença de professores transgêneros nas escolas.
Em março de 2021, Milton Ribeiro escolheu Sandra Ramos, professora que já criticou a suposta “ideologia de gênero”, para liderar a coordenação de materiais didáticos do ministério. Em abril de 2021, Milton Ribeiro afirmou que ensinar sobre gênero “violaria a inocência” das crianças em idade escolar[167].
Em junho de 2021, Milton Ribeiro disse que o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) deveria evitar “questões de cunho ideológico”, citando uma questão do exame do ano anterior que ele alegou ser sobre “vestimenta de travestis”[168]. Milton Ribeiro se referia a uma questão oriunda de um texto jornalístico sobre o “dialeto secreto” de pessoas trans e gays no Brasil, que testou a interpretação de texto[169]. O ministro também criticou uma questão relacionada à disparidade salarial entre homens e mulheres, chamando-a de “uma questão desnecessária”[170].
Natacha Costa, diretora executiva da Associação Cidade Escola Aprendiz, expressou preocupação de que as declarações de Milton Ribeiro reforçariam a discriminação:
O Ministro da Educação é, teoricamente, uma das maiores autoridades do assunto e qualquer sinalização na direção da intolerância ou da aceitação de atitudes homofóbicas e discriminatórias contribuem com a construção de um campo simbólico em que tais atitudes estão autorizadas, inclusive na escola e em sala de aula.[171]
Fernando Seffner, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, disse à Human Rights Watch que esses comentários de um ministro da Educação podem “alimentar o preconceito, o estigma e a violência” contra as pessoas LGBT:
O impacto [foi] muito ruim, pois o Brasil já tem uma tradição em frases desse tipo, ao estilo “prefiro um filho ladrão do que um filho gay”, e tais falas alimentam o preconceito, o estigma, as ações violentas contra tais grupos[172].
Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, descreveu as falas do ex-ministro como um “aparelhamento das políticas educacionais em sintonia com valores religiosos e discriminatórios”[173].
Para Fernanda Moura, professora, integrante do Coletivo Professores Contra o Escola Sem Partido, as declarações de Milton Ribeiro reforçavam entre os professores a impressão de que “as leis não valem nada”, criando “insegurança jurídica” entre os professores sobre se é permitido ensinar sobre gênero e sexualidade[174].
Rafael Kirchhoff, advogado e dirigente da ANAJUDH, reforçou a preocupação dos profissionais da educação de que a promoção de visões discriminatórias pelo ex-ministro, visando não melhorar a educação, mas galvanizar uma base política conservadora, poderia “fragilizar a profissão [do ensinar] e a própria educação pública”[175].
Victor Godoy tornou-se o quarto ministro da Educação do governo Bolsonaro em abril de 2022.[176]
Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos
A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, que renunciou em março de 2022 para concorrer às eleições[177], sinalizou apoio à ideia de que os professores estão “doutrinando” os estudantes por meio da educação sobre gênero e sexualidade. Durante seu mandato, Alves implementou políticas que ameaçam a oferta desses materiais nas escolas.
No dia de sua posse, 2 de janeiro de 2019, Damares Alves prometeu acabar com “a doutrinação ideológica” de crianças e adolescentes. Embora tenha afirmado que “nenhum direito conquistado pela comunidade LGBTI será violado”, ela também evocou estereótipos de gênero, dizendo que “menina será princesa e menino será príncipe”. Os estereótipos de gênero estão frequentemente na raiz da discriminação contra mulheres e pessoas LGBT.
Em 2019, Damares disse:
Ideologia de gênero é violência contra a criança. Não é diversidade sexual, não são os homossexuais, as lésbicas e os travestis. É além disso. Escolheram o Brasil como laboratório dessa teoria, mas estamos mandando um recado que acabou a brincadeira, nossas crianças não são cobaias[178].
Em novembro de 2019, Damares anunciou que o governo federal criaria um canal para pais denunciarem professores que ameaçam “a moral, a religião e a ética da família”[179]. Seu ministério não deu seguimento publicamente a essa proposta, mas desde então mudou os protocolos do “Disque 100”, linha telefônica direta para denunciar violações de direitos humanos, incluindo “ideologia de gênero” como motivo para violações, o que, de acordo com a imprensa, deu espaço para a abertura de investigações preliminares em pelo menos duas escolas[180]. A Human Rights Watch não verificou esses casos. Os sindicatos de professores entraram com um processo para exigir que o governo elimine essa referência nos protocolos do Disque 100[181].
Sob o comando de Damares Alves, em fevereiro de 2020, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos lançou uma campanha – em consulta com um grupo criado por pastores evangélicos, segundo reportagens da imprensa – para prevenir a gravidez precoce. Embora a campanha não mencione expressamente a abstinência como método contraceptivo, ela também não destaca o uso de preservativos ou qualquer outro método, concentrando-se em "retardar" o começo da vida sexual[182]. A campanha também não aborda informações sobre proteção para adolescentes lésbicas, gays ou bissexuais. Em janeiro de 2020, a Defensoria Pública da União, que defende os direitos dos brasileiros necessitados e visa ampliar o acesso à justiça, havia recomendado que a campanha não fosse lançada diante da falta de evidências científicas da eficácia da educação exclusivamente para a abstinência[183].
Em uma coletiva de imprensa em fevereiro de 2022, o ministério revelou novos materiais sobre gravidez precoce que se concentram no adiamento do início da vida sexual e na “erotização precoce”[184]. O Ministério da Cidadania também anunciou uma campanha de combate à “sexualização precoce” das crianças[185]. Durante a conferência, Damares Alves sugeriu que, quando meninas e adolescentes engravidam, devem seguir com a gravidez até o fim[186]. Ela também disse que no Brasil “se erotizava crianças com políticas públicas” em governos anteriores.[187]
Programas de educação em saúde que suprimem informações críticas sobre saúde sexual, promovem informações imprecisas ou ignoram ou estigmatizam comportamentos sexuais saudáveis de adolescentes, podem ser prejudiciais aos jovens, com avaliações desses programas mostrando consistentemente que eles não são eficazes[188]. Por outro lado, os programas que combinam o foco no adiamento da atividade sexual com conteúdo sobre preservativo ou uso de anticoncepcionais mostraram-se eficazes[189].
Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, disse que o trabalho de Damares Alves e suas mensagens públicas reforçaram os desenvolvimentos antigênero promovidos pelo Ministério da Educação:
Ainda que o Ministério da Educação tenha desempenhado um papel importante e estrutural na agenda antigênero na educação, a força simbólica de Damares como pilar dessa agenda ultraconservadora e anti laicidade do Estado é muito relevante na análise desse governo e reverbera na educação[190].
Denise Carreira, coordenadora da Ação Educativa, descreveu a abordagem de Damares às questões que afetam as mulheres e as pessoas LGBT da seguinte forma:
A [ex] Ministra assume um discurso de proteção contra a violência, mas totalmente desconectado do reconhecimento pleno e da promoção de direitos dessas populações[191].
Uma fonte de uma secretaria estadual de educação no Brasil disse que, em última análise, a retórica em torno da “doutrinação” no debate público em âmbito nacional do governo Bolsonaro chega às escolas em nível local via mídia e cria dúvidas e problemas que podem não existir na realidade.
Um servidor da Secretaria de Educação de Santa Catarina disse à Human Rights Watch que nos últimos anos houve um aumento da discussão sobre a chamada “ideologia de gênero” no estado, alimentada por certos legisladores e pelas redes sociais, com alguns pais reclamando das discussões dos professores sobre gênero e sexualidade à secretaria[192].
V. Consequências Para os Professores: Estudo de Casos em Seis Estados
Os projetos de lei que proíbem a educação sobre gênero e sexualidade, combinados com a retórica política que a desacredita desde os mais altos níveis de governo, têm consequências práticas.
A Human Rights Watch entrevistou 32 professores de escolas públicas em oito estados para entender melhor o impacto do clima político e da grande quantidade de leis e projetos de lei sobre a capacidade desses professores de trabalharem sem interferência. Praticamente todos expressaram medo ou cautela em abordar conteúdo educacional sobre gênero e sexualidade em sala de aula devido ao contexto legal e político no Brasil.
Vinte dos professores afirmaram terem sofrido assédio por abordar gênero e sexualidade entre 2016 e 2020, inclusive por representantes eleitos e membros de sua comunidade, tanto nas redes sociais como pessoalmente, e alguns foram intimados a prestar esclarecimentos à polícia, ao Ministério Público ou secretarias de educação. Embora nenhum deles tenha sofrido punição, os procedimentos a que tiveram que responder por si só tiveram um peso em suas vidas particulares, inclusive sobre sua saúde mental. Alguns deixaram seus empregos por se sentirem assediados.
Esta seção apresenta oito estudos de caso aprofundados sobre assédio. Os estudos de caso não pretendem ser amostras representativas do que acontece em todo Brasil tendo em vista o tamanho do país, mas ilustram o impacto, sobre os professores que estão na linha de frente desses ataques em suas comunidades, do efeito intimidatório dos projetos de lei, leis e retórica documentados, que visam desacreditar a educação integral em sexualidade em nível nacional. Os casos são precedidos de uma seção que trata do histórico da educação sobre gênero e em sexualidade nos estados onde ocorreram.
São Paulo
Histórico do Estado A Human Rights Watch analisou 35 propostas legislativas no estado de São Paulo, tanto em nível estadual como municipal, apresentadas entre 2014 e 2019, visando proibir a educação sobre gênero e sexualidade. Dois projetos de lei estaduais estavam pendentes em março de 2022, ambos com o objetivo de proibir a “doutrinação”[193]. Fazendo referência à “ideologia de gênero”, um dos projetos de lei afirma que os professores não devem “comprometer” a “identidade biológica de sexo” dos alunos[194]. Em 2020, foi apresentado na Assembleia Legislativa um projeto de lei que visava proibir “a publicidade, através de qualquer veículo de comunicação e mídia de material que contenha alusão a preferências sexuais e movimentos sobre diversidade sexual relacionados a crianças no Estado”[195]. Como o projeto de lei não definia “veículo de comunicação”, o projeto de lei poderia ter impactado os materiais didáticos sobre educação sobre gênero e sexualidade. Em abril de 2021, legisladores progressistas alteraram o projeto de lei para banir “alusão a drogas, sexo e violências explícitas relacionada a crianças”[196], observando que o projeto original “associa pessoas LGBTI+ a ‘práticas danosas’ e â ‘influência inadequada’” [197]. A emenda foi aprovada e o projeto de lei seguia pendente em março de 2022. Em 2019, o então governador do estado de São Paulo, João Doria, ordenou o recolhimento de materiais didáticos para alunos da oitava série, geralmente em torno de 13 a 14 anos, que explicavam os conceitos de sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual e abordavam gravidez e infecções sexualmente transmissíveis (IST)[198]. Rotulando o material como um “erro inaceitável”, o governador disse que em seu governo “[n]ão concordamos e nem aceitamos apologia à ideologia de gênero”[199]. Em entrevista em agosto de 2021, o governador Doria afirmou não se arrepender dessa decisão[200]. |
Estudo de caso: Virginia Ferreira, professora de inglês, escola municipal de ensino fundamental II, cidade de Vinhedo
Educação sobre Gênero
Em março de 2019, Virginia Ferreira organizou um projeto para comemorar o Dia Internacional da Mulher com sua turma do oitavo ano em Vinhedo, interior de São Paulo. O projeto teve como foco a pesquisa sobre o patriarcado, as origens do feminismo e o racismo, no contexto brasileiro. Como parte da dimensão linguística do projeto, ela fez com que seus alunos pesquisassem vocabulário em inglês relacionado a gênero e usou trechos de livros em inglês[201].
Acusações e ameaças
Naquele mês, o grupo de direita, Movimento Brasil Livre, publicou uma série de posts em sua conta no Facebook acusando Virginia de “doutrinação”[202]. Algumas das postagens continham áudios – gravados em segredo por uma estudante – de Virginia falando em sala de aula. Em um post, o vereador de São Paulo, Fernando Holiday, descreveu o trabalho de Virginia como um “exemplo trágico de professores doutrinando alunos em sala de aula” e “proselitismo político”. As postagens pediam a aprovação de um projeto de lei para proibir a “doutrinação”, que estava então pendente na Câmara Municipal de Vinhedo[203].
Virginia Ferreira disse à Human Rights Watch que as postagens provocaram comentários ameaçadores que visavam desacreditá-la:
Algumas das ameaças feitas eram pedindo uma punição exemplar. Aqui, entendi que as ameaças eram sobre demissão. Em um dos posts havia um comentário de que eu merecia um soco na cara. Vi muita violência psicológica e moral, tentando desacreditar meu trabalho[204].
Virginia Ferreira informou a Secretaria Municipal de Educação das postagens e mensagens hostis, pedindo-lhes que fizessem declarações públicas em apoio às aulas sobre os direitos das mulheres, o que não ocorreu[205].
Procedimentos disciplinares
De acordo com os autos (arquivados pela Human Rights Watch), o pai da estudante que gravou Virginia em sala de aula apresentou queixa contra ela na Ouvidoria Geral do Município. A denúncia acusava Virginia de abordar “questões políticas ideológicas sem conexão com o planejamento [educacional].”
Em maio de 2019, após uma averiguação preliminar, o município abriu um processo administrativo-disciplinar contra a professora, o que poderia ter levado a sua demissão. Documentos dos autos mostram que a Secretaria de Educação recomendou a abertura de processo disciplinar, argumentando que pode ter havido “prejuízos ao aprendizado dos alunos” por Virginia “desviar-se do programa da disciplina e ano”. Um advogado da cidade recomendou o arquivamento do caso, considerando a averiguação preliminar “totalmente deficiente” dada a falta de qualquer evidência de “doutrinação”.
Em julho de 2019, Virginia foi convidada a apresentar sua defesa perante a Comissão de Processo Disciplinar. Ela descreveu o processo como intimidante. Virginia foi notificada de que o caso foi encerrado em fevereiro de 2020, não tendo constatado “nenhuma irregularidade” em suas ações[206].
Impacto na saúde mental
Devido ao processo disciplinar e aos ataques ao seu caráter, Virginia passou a sofrer de ansiedade, ficou com medo de andar pelas ruas de Vinhedo e procurou terapia. Ela disse à Human Rights Watch:
Continuei indo à escola, mas com insegurança. Senti que corria o risco de ser demitida. Amo o que faço, trabalhar com alunos me sustentou, mas psicologicamente tive problemas [...] ansiedade, incerteza, sensação de perseguição. Eu tinha medo de andar nas ruas daqui. Vinhedo é uma cidade pequena e moro aqui há mais de 30 anos, então as pessoas me conhecem[207].
Rio de Janeiro
Histórico do Estado A Human Rights Watch revisou 15 projetos de lei propostos no estado do Rio de Janeiro, tanto em nível estadual como municipal, entre 2014 e 2018, visando proibir a educação sobre gênero e sexualidade. Um projeto de lei estadual, pendente em outubro de 2021, proíbe “profissionais da educação, dentro das instituições de ensino escolar do Estado do Rio de Janeiro, privada ou pública, ministrar sobre ideologia de gênero, orientação sexual e congênere”[208]. Na capital do estado, Rio de Janeiro, até outubro de 2021, havia três projetos de lei municipais pendentes, visando proibir “doutrinação”[209], informações sobre “orientação sexual e ideologia de gênero”[210] e “orientações sobre diversidade sexual”.[211] As tentativas de censurar material sobre gênero e sexualidade foram além da sala de aula. Em 2019, o então prefeito do Rio de Janeiro, Marcello Crivella, ordenou a fiscais que confiscassem material “impróprio” relacionado à homossexualidade da Bienal do Livro do Rio de Janeiro depois de ver, durante sua visita, uma revista em quadrinhos que mostrava dois homens se beijando. O prefeito argumentou que o governo precisava “proteger as crianças” do “acesso precoce a assuntos que não estão de acordo com suas idades”[212]. A justiça emitiu liminar impedindo a prefeitura de apreender livros e cassar o alvará do evento, o que Crivella também ameaçou fazer. A Human Rights Watch encaminhou um pedido de acesso à informação à Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro sobre processos contra professores com base em palavras-chave (uma proxy imperfeita para aferir o conteúdo das denúncias, pois os arquivos são confidenciais). Entre 2015 e 2020, o Estado do Rio de Janeiro teve 50 processos administrativo-disciplinares em que os denunciantes alegaram “doutrinação” (5); “professor-ativista” (2); “marxismo cultural” (1); “irregularidade” e “gênero” (2); “irregularidade” e “sexualidade” (38); ou “irregularidade” e “LGBT” (2). Desses casos, 46 ainda estavam pendentes no momento da redação deste relatório. Um caso de “marxismo cultural” foi arquivado, 2 casos de “irregularidade” e “sexualidade” resultaram em suspensão e um caso de “irregularidade” e “LGBT” resultou em advertência. Além disso, entre 2019 e 2020, a Ouvidoria da Secretaria de Educação recebeu três denúncias de “ideologia de gênero” e cinco denúncias de “doutrinação”. Nenhuma delas resultou em medidas disciplinares. |
Estudo de caso: Alan Rodrigues, professor de pedagogia, escola pública estadual de ensino médio, Rio de Janeiro
Educação sobre Gênero
Alan Rodrigues disse à Human Rights Watch que frequentemente discutia assuntos como gênero, violência baseada em gênero, sexualidade e raça em sua sala de aula:
Os alunos querem e precisam. A escola também tem uma grande quantidade de meninas que têm relacionamentos com meninas, um alto número de relacionamentos lésbicos. Há também uma alta taxa de suicídios e muitas meninas que sofreram violência sexual. Um ano, foi noticiado que 30 homens estupraram uma jovem em um lugar no Rio[213]. Todas as mulheres da minha escola falaram sobre disso na sala de aula. Falei com elas sobre este caso. O tema da violência de gênero não pode ser omitido[214].
Acusações e ameaças
Em 2014, Alan Rodrigues organizou uma campanha com seus estudantes para abordar violência sexual, que ele disse que 8 dos 40 estudantes de sua turma tinham vivenciado. Ele foi ameaçado e fisicamente intimidado por causa desta campanha:
Um homem se aproximou de mim na rua e disse que era o pai de uma das minhas alunas. Ele colocou a mão no meu peito e disse: 'Você tem que parar de falar putaria na sala de aula. Minha filha não precisa aprender ideologia de gênero'. Ele também me disse que era membro de uma milícia, que estava armado e que atiraria em mim[215].
Em 2017, Alan Rodrigues recebeu um e-mail de um autodeclarado “Comando de Caça aos Professores Comunistas”, uma referência a um violento grupo paramilitar no Brasil que existiu durante a ditadura militar dos anos 1960. O e-mail dizia: “Este é seu primeiro e último aviso. Pare com sua doutrinação doentia ou teremos que tomar medidas. Sabemos onde você mora, sabemos quem é sua família. Não hesitaremos em usar a força, se necessário!”[216]. Alan Rodrigues não registrou boletim de ocorrência sobre as ameaças de 2014 e 2017 porque disse que não as levou muito a sério no início. Alan Rodrigues disse, no entanto, que acredita que as ameaças contra os professores da comunidade aumentaram a partir de 2017 com o aumento da visibilidade de políticos de extrema direita.
Alan Rodrigues voltou a receber ameaças em fevereiro de 2020 devido a sua discussão de questões sociais com seus estudantes. Um dos e-mails dizia “Pare com a doutrinação dos alunos! Deixamos passar em 2019! Professores como vc deve [sic] morrer! Estamos de olho! Um aviso só!”[217]. Cópias de duas das ameaças por e-mail estão arquivadas na Human Rights Watch. Segundo Alan Rodrigues, em outras mensagens que recebeu por e-mail e WhatsApp, “Eles [disseram] conhecer meu endereço, meu número de carteira de identidade, meu número de telefone”[218].
Alan Rodrigues disse que contou ao diretor da escola sobre o caso, que o encorajou a registrar um boletim de ocorrência na polícia. Rodrigues registrou boletim de ocorrência na unidade de crimes virtuais da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática do Rio de Janeiro em março de 2020. Ele disse que a polícia fez uma investigação preliminar, mas a arquivou um mês após sua apresentação. Alan Rodrigues disse que dois policiais lhe disseram que não tinham recursos para continuar a investigação.
Estudo de caso: Clara Santos, professora de ciências, escola municipal de ensino fundamental, Rio de Janeiro
Educação sobre Gênero
Clara Santos disse à Human Rights Watch que em 2018 colaborou com uma professora de geografia no planejamento de uma semana de atividades para “discutir questões como papéis de gênero, feminismo, violência de gênero, história das mulheres e história das mulheres negras por meio de oficinas, debates, exibições de filmes”[219].
Resistência
Clara Santos e sua colega não tiveram um forte apoio da direção da escola, nem de outros professores. Ela contou que alguns professores a alertaram para não abordar sexualidade e chamaram as duas professoras de “doutrinadoras” e “ideológicas”[220].
Clara Santos e sua colega acabaram obtendo autorização para organizar o evento, mas a administração limitou as atividades a estudantes entre 11 e 16 anos e as proibiu de discutir alguns assuntos considerados altamente polêmicos, como aborto, orientação sexual e identidade de gênero[221].
“Antes disso, eu nunca havia sido censurada na escola”, disse Clara à Human Rights Watch. “Tanta coisa sobre política na escola mudou em 2018 após a eleição do presidente Bolsonaro, por exemplo, o que você podia dizer”[222].
Como resultado do projeto, Clara Santos e a diretora da escola tiveram um desentendimento. Clara explicou que isso levou a diretora a rescindir seu contrato e a falar mal dela para outras escolas. Em última análise, Clara teve que deixar a escola quando seu contrato terminou e retornar à escola onde ela lecionou anteriormente[223].
Clara Santos disse à Human Rights Watch:
Fiquei muito impactada psicologicamente com tudo o que aconteceu. Comecei a fazer terapia. Parte disso era que eu era uma jovem professora, entrando na escola com ideias e projetos. Fui assediada por professores mais velhos. Perdi a batalha; Não senti nenhum apoio[224].
Paraná
Histórico do Estado A Human Rights Watch revisou 27 tentativas legislativas estaduais e municipais no estado do Paraná de proibir a educação sobre gênero e sexualidade, apresentadas entre 2014 e 2018. Pelo menos três cidades do Paraná atualmente têm essas leis em vigor: Arapongas[225], Rolândia[226] e Cambira. Um projeto de lei em tramitação na capital do estado, Curitiba, visa proibir “doutrinação” e informações sobre orientação sexual e “ideologia de gênero”[227]. Outro projeto de lei em Ponta Grossa, apresentado em junho de 2021, mas posteriormente retirado, tentava banir a “ideologia de gênero” nas escolas.[228] Quatro das oito leis antigênero que o Supremo Tribunal Federal derrubou eram de municípios paranaenses: Foz do Iguaçu, Cascavel, Paranaguá e Londrina. Um servidor da Secretaria Estadual de Educação disse à Human Rights Watch que eles não receberam nenhuma evidência de “doutrinação” ocorrendo no estado. A posição da secretaria é de inclusão em relação ao gênero e à diversidade, o que se reflete nos currículos emitidos para os professores, embora estes tenham poder de decisão sobre como implementar esses currículos em sala de aula. A secretaria também possui um centro de coordenação de diversidade e direitos humanos[229]. |
Estudo de caso: Anna Martins, diretora da escola; Maria Silva, professora de sociologia; Mario Sousa, professor de arte; Juliana Carvalho, professora de geografia. Escola estadual pública de ensino médio, Londrina
Educação para a Cidadania
Anna Martins, Maria Silva, Mario Sousa e Juliana Carvalho trabalham em uma escola de ensino médio no município de Londrina. Em 2019, Filo[230], um festival internacional de teatro, entrou em contato com a escola para apresentar uma peça, “Quando Quebra Queima”, em suas dependências. A peça, criada por estudantes de São Paulo e listada na página do festival com classificação etária de 10 anos[231], trata das ocupações escolares que ocorreram em todo o Brasil em 2016, inclusive no ensino médio, em resposta às medidas de austeridade do governo federal na época[232]. Anna Martins disse:
Queríamos mostrar porque na escola reconhecemos o direito à liberdade de expressão, de greve, de ocupação de espaços[233].
Juliana Carvalho contou:
A peça também era sobre preconceitos, sobre bullying. Após a exibição, alunos e professores se emocionaram. Por isso quisemos mostrar[234].
A peça foi exibida em 1º de novembro de 2019. Os professores disseram à Human Rights Watch que a última cena da peça inclui um momento alegre durante o qual muitos atores começam a se beijar e há pelo menos um beijo entre atores do mesmo sexo.
Acusações e ameaças
Uma mãe soube da peça após o fato através de sua filha, uma aluna que teve que assistir à peça como parte de sua aula. Esta mãe postou um vídeo no Facebook alegando que a escola havia coagido estudantes a assistirem a uma peça que os incentivava a se rebelarem contra a escola, fazia apologia à violência e incentivava a homossexualidade[235]. No vídeo, que não continha trechos da peça, a mãe denuncia a “manipulação” e “doutrinação” de estudantes.
Segundo Anna Martins, a mãe da estudante foi a programas de rádio para criticar os professores e convocar um protesto. “Muitas pessoas vieram, e até saiu na televisão”, disse ela[236]. Maria Silva disse que a campanha dos pais contra a escola também levou a telefonemas ameaçadores para a escola, e que “as pessoas vinham até a escola gritando ameaças”[237] .
Envolvimento de Políticos
O deputado federal Filipe Barros divulgou um vídeo dele no dia 5 de novembro de 2019[238]. Ele citou Anna Martins e Juliana Carvalho, denunciou a “doutrinação”, o “beijo gay” e a apologia à violência. Ele ameaçou fazer denúncias ao Ministério da Educação, ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, ao Núcleo Regional de Educação de Londrina e ao Ministério Público. Segundo o deputado, a peça violou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei abrangente que protege os direitos humanos de crianças e adolescentes no Brasil.
Em 6 de novembro, em um vídeo que Barros postou em sua página no Facebook, ele entrega pessoalmente uma denúncia à Damares Alves, ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que também aparece no vídeo. Barros chamou o incidente de “criminoso” e “abjeto” e acusou a escola de tentar “erotizar precocemente” os estudantes[239]. No vídeo, a ministra “recebeu” a denúncia.
Reclamações
A Secretaria Estadual de Educação em Londrina recebeu uma denúncia sobre o incidente, levando-a a enviar investigadores de sua assessoria jurídica de Curitiba, a capital[240]. De acordo com Juliana Carvalho, os investigadores entrevistaram todos, incluindo a mãe e a filha que iniciaram a denúncia, bem como os quatro educadores que a Human Rights Watch entrevistou[241]. Em 10 de dezembro de 2019, a Secretaria de Educação arquivou oficialmente a investigação[242] .
Ministério Público Estadual
Em 7 de fevereiro de 2020, o Ministério Público do estado do Paraná em Londrina publicou uma recomendação administrativa em resposta a reportagens da imprensa sobre o incidente[243]. A recomendação pede que as instituições de ensino deixem de “aplicar qualquer sanção arbitrária” aos professores e garantam que não eles sofram “assédio moral” sob a alegação de que isso viola a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber e ao pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”.
Impacto na saúde mental
Anna Martins, Maria Silva, Mario Sousa e Juliana Carvalho disseram à Human Rights Watch que estavam com medo de deixar suas casas após a intimidação, inclusive devido a ameaças de morte que estavam recebendo nas redes sociais[244]. Mario Sousa disse:
As pessoas sabiam sobre o que aconteceu e as pessoas na rua me incomodavam. Um dia eu estava esperando na escola e as pessoas de um carro começaram a me xingar. Eu senti pânico quando eu estava fora. Era medo total de sair[245].
“Chilling Effect” na Educação sobre Gênero e em Sexualidade
Mario Sousa disse que, após o incidente, ficou com medo de discutir assuntos em sala de aula que pudessem ser vistos como controversos:
O clima era horrível na sala de aula, havia tanta tensão. Fiquei com medo de ser filmado. Na verdade, um dia descobri que um aluno estava me filmando na sala de aula. Antes, eu falava sobre questões de sexualidade e gênero quando ensinava sobre arte brasileira, também sobre escravidão e racismo, mas agora não tenho coragem de fazê-lo[246].
Maria Silva explicou à Human Rights Watch:
Antes desse incidente, assistíamos a filmes e fazíamos debates e discussões em sala de aula. Mas [agora] tenho medo, esse era o objetivo deles. Isso me impactou muito. Já não tenho a mesma vontade. Tenho muita cautela agora. Não sei se fui gravada em sala de aula, mas é algo que a gente tem medo já que [uma política] está incentivando os alunos a gravarem seus professores[247].
Estudo de caso: Grasiela P., escola pública de ensino fundamental I, Cascavel
Educação em Saúde Sexual e Reprodutiva
Em setembro de 2018, Grasiela P. estava ensinando uma turma de quinta série, com estudantes entre 11 e 13 anos. Grasiela P. disse à Human Rights Watch que essa turma em particular era mais velha e mais madura do que a média da quinta série e que os estudantes perguntaram a Grasiela P. sobre questões reprodutivas[248].
Grasiela P. adquiriu material didático para esta disciplina junto ao Centro Especializado de Doenças Infecto Parasitárias (CEDIP), que fornece materiais para educadores. Ela então se comprometeu a abordar o corpo humano, reprodução sexual, gravidez e ISTs, utilizando os materiais que adquiriu, incluindo preservativos e modelos de órgãos reprodutivos. Ela tirou fotos de estudantes da turma para compartilhar no Facebook com os pais, que autorizaram esse método de comunicação com eles.
Ameaças e acusações
Grasiela P. disse que fotos de sua sala de aula foram divulgadas nas redes sociais e na imprensa tradicional[249], provocando desinformação sobre sua abordagem pedagógica:
Foram 30 dias de efeito bola de neve. Fui prejudicada na mídia, as pessoas dizendo que eu estava ensinando crianças a fazer sexo. Fui assediada nas redes sociais com uma bomba de discurso de ódio. Uma pessoa disse que me mataria[250].
A questão chegou ao prefeito da cidade de Grasiela P., que a suspendeu por 30 dias sem remuneração e sem esclarecer os fatos com Grasiela P..
A Secretaria Municipal de Educação abriu processo administrativo-disciplinar contra Grasiela P. em outubro de 2018 por ensinar métodos anticoncepcionais “em desacordo” com o currículo da cidade, que permite que o ensino dessa disciplina seja limitado a “informações básicas”; a resolução alega, entre outras coisas, que ela forneceu informações “em profundidade”. Alegou, ademais, que ela violou o Estatuto da Criança e do Adolescente, que proíbe as crianças de serem “objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” porque ela fotografou os estudantes em uma “situação humilhante”[251]. A Secretaria de Educação encerrou a investigação em janeiro de 2020, não encontrando irregularidades.
A polícia civil também convocou Grasiela P. a uma delegacia para colher seu depoimento, aparentemente em resposta a uma denúncia policial. A investigação policial preliminar foi encerrada em janeiro de 2019, disse sua advogada.
“Chilling Effect” na Educação em Sexualidade
Grasiela P. disse que estava “furiosa” com o processo contra ela. Ela descreveu seu impacto na disposição de outros professores em abordar questões semelhantes, destacando que em Cascavel, que tem um alto índice de ISTs, a educação em sexualidade é particularmente importante:
A nossa escola carece de muita compreensão sobre a sexualidade humana, falta coragem para falar sobre isso. As pessoas têm medo de falar sobre isso porque acham que serão perseguidas como eu fui[252].
Alagoas
Histórico do Estado O legislativo estadual de Alagoas aprovou uma lei em 2016 que pretendia coibir a “doutrinação ideológica” ao proibir os professores de aproveitar “da inexperiência, da falta de conhecimento ou da imaturidade dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para qualquer tipo de corrente específica de religião, ideologia ou político-partidária”. Em agosto de 2020, o STF derrubou a lei. A decisão, redigida pelo ministro Luís Roberto Barroso e endossada pelos demais, exceto um, defendeu a tolerância e o pluralismo de pensamento. A decisão considerou que tais leis poderiam ter um “chilling effect” sobre os professores e levá-los a “deixar de tratar de temas relevantes [...] o que, por sua vez, suprimiria o debate e desencorajaria os alunos a abordar tais assuntos, comprometendo-se a liberdade de aprendizado e o desenvolvimento do pensamento crítico”. |
Estudo de caso: Antonio Lima, professor de educação física, escola pública de ensino médio
Educação sobre Gênero e em Sexualidade
Em 2017, Antonio Lima organizou uma série de eventos em prol da diversidade sexual e de gênero na escola de ensino médio que ensinava em Alagoas. O objetivo do projeto, criado com estudantes e aprovado pelo conselho escolar, era “compreender a diversidade de conceitos no campo do sexo, da identidade de gênero e da orientação sexual” e “sensibilizar a comunidade escolar para coibir comportamentos de preconceito e discriminação à diversidade de manifestações da sexualidade humana, da identidade de gênero e da orientação sexual”[253]. As atividades que Antonio Lima e os estudantes realizaram para explorar e conhecer os temas incluíram a exibição de filmes, exposição de fotografias, debates e oficinas.
Acusações e Ameaças
Antonio Lima disse que os problemas começaram depois que um meio de comunicação o acusou de incentivar estudantes a “se vestirem como transexuais”. Isso levou a pelo menos 79 postagens e mensagens nas redes sociais que buscavam intimidá-lo e assediá-lo, inclusive por meio de incitação à violência física. Os comentários incluíam frases como “tem que meter uma bala nessa desgraças”, “se esse viado sem-vergonha fosse o professor do meu neto, ia tomar uma surra de cipó de boi para urinar sangue” e “acabem com os putos… quebrem a pau os professores que fomentarem essa aberração”. Outra mensagem dizia que Antonio Lima deveria ser estuprado e esfaqueado até a morte[254]. Antonio disse à Human Rights Watch que estava “muito assustado” por causa das postagens e mensagens.
Antonio foi a uma delegacia especializada em crimes cibernéticos da capital do estado para apresentar queixa. Ele foi encaminhado à delegacia de sua cidade, onde registrou boletim de ocorrência por ameaças de morte. Depois que registrou o ocorrido na delegacia, a polícia não o contatou novamente.
Medo de Processos
Após a imprensa atacar o projeto, pelo menos cinco parlamentares do estado de Alagoas criticaram o projeto e exigiram procedimentos contra os responsáveis, incluindo a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar e envolver o Ministério Público para que qualquer “culpado seja punido na forma da lei”[255].
Em setembro de 2017, o Ministério Público Estadual convocou Antonio Lima e pediu que ele explicasse o projeto. Ele descreveu o processo:
Não sei se houve queixa contra mim. Os funcionários não explicaram o contexto. Foi assustador. Ser convocado não é simples. Existe a possibilidade de você ser processado, punido. Eu já estava com medo por causa das ameaças e ataques que vinha recebendo[256].
Os promotores não o contataram novamente. O incidente afetou a vida profissional e pessoal de Lima. Ele descreveu sentir “vergonha, culpa, mesmo que eu não tenha feito nada de errado”. Logo depois, ele decidiu deixar o ensino e assumiu um novo cargo administrativo em uma cidade diferente. Ele disse:
Eu não volto [para a cidade]. Só fui lá votar, mas nunca mais voltei. Fiquei com muito medo. Mesmo quando eu preciso ir lá por causa do meu trabalho [atual], eu não vou, eu designo outra pessoa para ir[257].
Santa Catarina
Histórico do Estado Os legisladores apresentaram pelo menos 14 projetos de lei no estado de Santa Catarina, tanto em nível estadual como municipal, para proibir a educação sobre gênero e em sexualidade entre 2014 e 2019. Um projeto de lei estadual que segue pendente proíbe “doutrinação”[258]. Em âmbito municipal, uma lei ainda em vigor desde fevereiro de 2022, afirma que o “Poder Público não se imiscuirá no processo de amadurecimento sexual dos alunos nem permitirá qualquer forma de dogmatismo ou proselitismo na abordagem das questões de gênero”[259]. Em agosto de 2019, o governador de Santa Catarina disse que não permitiria a abordagem de identidade de gênero no Currículo Base da Educação Infantil e Ensino Fundamental que teria apoiado educação relacionada às “relações de gênero e diversidade sexual” em geral, bem como informações em relação à identidade de gênero na oitava série (nessa série, estudantes geralmente têm 13-14 anos)[260]. Em um vídeo feito para as redes sociais, o governador, ao lado do secretário estadual de Educação, associou esse material didático à “ideologia de gênero”[261]. A versão final do currículo inclui uma linguagem ampla que apoiaria a educação sobre gênero e sexualidade, particularmente no currículo de ciências para a oitava série, mas a linguagem específica acima foi excluída[262]. Logo após a eleição do presidente Bolsonaro, em 2018, uma declarada opositora dos conceitos de gênero e identidade de gênero, a deputada estadual Ana Campagnolo, convocou estudantes a denunciarem seus professores por doutrinação, inclusive por meio do envio de vídeos, através de um canal informal nas redes sociais[263]. A Procuradoria-Geral da República, órgão independente, entrou com um pedido [liminar no judiciário para impedir que a deputada mantivesse tal canal. Em 2019, o Supremo Tribunal Federal emitiu a liminar, destacando a liberdade de pensamento nos ambientes acadêmicos[264]. Uma servidora da Secretaria de Educação do estado disse à Human Rights Watch que nos últimos anos tem havido uma discussão crescente sobre “ideologia de gênero” no estado, que tem sido alimentada por certos legisladores e pelas redes sociais. Alguns pais reclamaram à secretaria sobre “doutrinação” com “ideologia de gênero”. A secretaria considera bem vindo o envolvimento dos pais na educação de estudantes, embora a servidora também tenha dito que os currículos emitidos pelo estado de Santa Catarina são pautados pela diversidade, inclusive no que diz respeito a gênero e sexualidade, por isso quaisquer reclamações sobre material didático são analisadas em relação aos documentos que orientam a educação. A servidora disse ainda que os professores têm autonomia quanto à forma como implementam os currículos[265]. |
Estudo de caso: Robson Fernandes, professor de história, escola pública
Educação sobre Gênero e em Sexualidade
Entre 2015 e 2016, Robson Fernandes trabalhou com colegas para implementar um projeto em sua escola que visava diminuir a discriminação, inclusive por orientação sexual e identidade de gênero, por meio de atividades como “oficinas de conscientização e sensibilização”[266]. Robson Fernandes recebeu o prêmio de direitos humanos do governo federal em 2015 pela contribuição do projeto para “construir uma cultura de paz na sociedade”[267].
Robson disse à Human Rights Watch que aborda regularmente tópicos sobre gênero e sexualidade em suas aulas de história, incluindo o contexto internacional de direitos humanos e sua própria experiência com discriminação como pessoa gay.
Acusações e Ameaças
Como resultado da atenção da imprensa em torno do projeto que liderou em 2015-16, Robson Fernandes sofreu assédio homofóbico nas redes sociais, incluindo ameaças de violência física. Ele também disse à Human Rights Watch que seu carro foi arranhado e seus pneus furados em pelo menos cinco ocasiões distintas. Como resultado do que descreveu como “a perseguição, a agressão, o ódio”, a saúde mental de Robson sofreu e ele deixou o emprego em 2016[268].
Em março de 2020, em outra escola, Robson Fernandes enfrentou mais problemas com o pai de um estudante:
[Ele] não queria que seu filho [de cerca de 18 anos] aprendesse sobre gênero e sexualidade. O pai me tirou da aula e foi verbalmente agressivo, falando coisas homofóbicas, questionando minha sexualidade. Fomos ao escritório da diretoria, onde ouvimos o pai por duas horas. O diretor estava tentando acalmá-lo. Ele apontou o dedo para mim, tentando me intimidar. Eu senti que se eu levantasse, ele [o pai] iria me bater.
Fui até a delegacia para registrar um boletim de ocorrência. Ainda não tive notícias da polícia sobre a minha queixa e não dei seguimento porque o aluno já não é aluno. Embora eu tenha medo de que outro pai possa me atacar por falar sobre gênero e sexualidade[269].
Paraíba
Histórico do Estado Houve pelo menos 10 tentativas legislativas em nível estadual e municipal no estado da Paraíba visando proibir educação sobre gênero e sexualidade entre 2015 e 2017. Em nível estadual, um projeto de lei que visava instituir o “Programa Escola sem Partido” e proibir “doutrinação” foi arquivado em 2019[270]. Na capital do estado, João Pessoa, três projetos de lei municipais foram apresentados. Dois foram arquivados e outro vetado. Em 2020, o prefeito vetou um projeto de lei que proibia “ideologia de gênero e distribuição de material didático com conteúdo impróprio para crianças e adolescentes em âmbito escolar”[271] sob o argumento de que a lei federal de educação supera a legislação estadual e que a educação sobre gênero e sexualidade é protegida pelos princípios da igualdade e não discriminação.[272] Pelo menos três leis que proíbem a “ideologia de gênero” foram aprovadas e ainda estão em vigor no nível municipal da Paraíba nas cidades de Patos[273], Santa Rita[274] e Sousa[275]. A cidade de Campina Grande também aprovou uma lei em 2020 banindo a “ideologia de gênero”, mas um tribunal da Paraíba a derrubou em abril de 2021[276]. A Human Rights Watch encaminhou pedidos de acesso à informação a diversas secretarias estaduais de Educação no Brasil, solicitando revisões de processos disciplinares usando determinadas palavras-chave (uma proxy imperfeita para aferir o conteúdo das denúncias, pois os arquivos são confidenciais). Entre 2017 e 2020, o estado da Paraíba iniciou 43 processos administrativo-disciplinares nos quais os denunciantes alegavam “irregularidade – sexualidade” ou “lavagem cerebral”; 19 processos foram arquivados, enquanto outros resultaram em advertência (10), suspensão (7), encaminhamento dos autos ao Ministério Público (1), destituição de cargo (2), cancelamento ou extinção do contrato (4), |
Estudo de caso: Renan Costa, professor de história, ensino médio, João Pessoa
Educação sobre Gênero e em Sexualidade
Em agosto de 2019, Renan Costa solicitou aos seus estudantes de ensino médio um projeto no qual, em grupos de três, eles tiveram que escolher um movimento social no Brasil e analisá-lo em profundidade. Eles tinham que explicar pelo que o movimento lutava e a razão pela qual o escolheram. Os estudantes escolheram movimentos que representavam uma variedade de pontos de vista políticos, disse ele:
Exemplos de movimentos escolhidos incluem o movimento LGBT, o movimento negro, o Movimento Brasil Livre, movimento indígena, aquecimento global, movimentos pró e contra o aborto, legalização da maconha. Houve uma grande diversidade no tipo de movimentos que foram escolhidos. Os alunos criaram cartazes e estes foram expostos na escola. Foram mais de 100 cartazes. Isso gerou um debate muito rico[277]
Acusações e Ameaças
Após a exibição dos cartazes, um parlamentar estadual publicou fotos deles nas redes sociais e escreveu que a escola havia sido tomada pela “anarquia” e que “a educação na PB, realmente, virou caso de polícia”[278]. Costa disse à Human Rights Watch que o parlamentar optou por postar fotos de cartazes relacionados a movimentos progressistas – feminismo, direitos LGBT, aborto e “Lula Livre” – que não refletiam a totalidade das atividades dos estudantes[279].
A postagem do deputado desencadeou grande reação pública contra o projeto nas redes sociais. A diretora pediu a Renan que escrevesse uma explicação sobre o projeto, que foi publicada nas redes sociais da escola. Vários comentários no Instagram acusaram os professores ou a escola de “doutrinar” estudantes[280]. Renan lembrou: “Havia uma fila de pais pedindo minha demissão”.[281]
Renan Costa disse que a diretoria o acusou de ser muito político e o transferiu do ensino médio para ensinar estudantes do ensino fundamental na mesma escola, o que ele viu como um rebaixamento. Ele também recebeu menos turnos de trabalho, resultando em uma redução salarial.
O incidente teve um preço psicológico, disse Costa. Ele tirou duas semanas de licença médica devido à depressão resultante, foi a um neurologista e recebeu medicação prescrita. “Foi um período debilitante”, resumiu.
VI. Obrigações Internacionais do Brasil de Defender a Educação Sobre Gênero e Sexualidade
O Brasil é parte de vários tratados que exigem que o país respeite, proteja e promova o direito à educação sobre gênero sexualidade. Esses acordos incluem o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, na sigla em inglês)[282]. Incluem, ademais, acordos regionais interamericanos, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), o Protocolo de San Salvador e a Convenção de Belém do Pará[283].
Direito à Educação
O direito à educação é estabelecido no PIDESC, na CDC e no Protocolo de San Salvador[284], bem como na Constituição Federal brasileira. O artigo 205 da Constituição estabelece que a educação “será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”[285].
Como reconhecido por especialistas da ONU e órgãos de tratados – como o Comitê dos Direitos da Criança, o direito à educação engloba o direito à educação integral em sexualidade (EIS)[286]. O relator especial da ONU sobre o direito à educação descreveu a educação sexual como “um direito humano em si mesmo e um meio indispensável para a realização de outros direitos humanos, como o direito à saúde, o direito à informação e os direitos sexuais e reprodutivos”[287].
O relator especial também observou que a educação integral em sexualidade “deve ser livre de preconceitos e estereótipos que possam ser usados para justificar discriminação e violência contra qualquer grupo” e “deve prestar atenção especial à diversidade, pois todas as pessoas têm o direito de viver sua sexualidade sem ser discriminadas por sua orientação sexual ou sua identidade de gênero”[288].
Onde os conteúdos escolares não atendem aos padrões internacionais de direitos humanos, o Comitê dos Direitos da Criança disse que o direito à educação pode exigir “a reformulação fundamental dos programas de ensino a fim de incluir os vários objetivos da educação e a revisão sistemática de livros didáticos e outros materiais didáticos e tecnologias, bem como das políticas escolares”[289].
O Estado também viola o direito à educação quando não adota medidas eficazes para prevenir o bullying, o isolamento ou a discriminação, resultando em estresse persistente ou problemas de saúde mental que dificultam o foco no aprendizado e a permanência de estudantes na escola, incluindo meninas e jovens LGBT. O Comitê dos Direitos da Criança identificou medidas que os governos devem adotar para proteger as crianças do bullying, assédio e outras formas de violência. Isso inclui contestar condutas discriminatórias que permitem que a intolerância e a violência floresçam[290] e divulgar informações sobre proteção de crianças e adolescentes por meio de campanhas públicas e educação escolar[291].
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o Protocolo de San Salvador e a Convenção de Belém do Pará incluem dispositivos que apoiam a oferta de informações nas escolas para prevenir a violência e a discriminação sexual, incluindo educação sobre gênero e sexualidade[292]. Em junho de 2020, no caso Paola Guzmán Albarracín vs. Equador, a Corte Interamericana de Direitos Humanos declarou que as crianças têm direito a um ambiente educacional seguro e livre de violência sexual e reconheceu o direito à educação integral em sexualidade[293]. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos pediu aos Estados que sigam os protocolos necessários para garantir o acesso à informação e à educação integral, para que o direito à saúde e à saúde sexual possa ser concretizado[294].
Direito de Acesso à Informação
O direito internacional e a Constituição brasileira reconhecem o direito de acesso à informação[295]. O artigo 5º da Constituição brasileira estipula que “é assegurado a todos o acesso à informação” e que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral” [296]. A CDC reafirma que as crianças gozam da liberdade de procurar e receber informações, como parte do direito à liberdade de expressão[297], que só pode ser restringido quando necessário para preservar os direitos de terceiros ou a proteção da segurança nacional, ordem pública, saúde pública ou moralidade.[298]
Vários órgãos destacaram a obrigação do Estado em fornecer informações completas e precisas necessárias para a proteção e promoção do direito à saúde, incluindo em particular a saúde sexual e reprodutiva[299].
Os Estados negam o acesso à informação quando se recusam a ofertar aos estudantes informações apropriadas à idade e baseadas na ciência sobre gênero e sexualidade, incluindo informações relevantes para a sua saúde sexual e reprodutiva. Eles também limitam o acesso à informação quando proíbem professores e outros funcionários da escola de oferecer orientação e materiais didáticos sobre essas questões. A CDC identificou a falta de “acesso a serviços e informações sobre saúde sexual e reprodutiva” como um problema específico para “[a]dolescentes que são lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais”.[300]
Direito à Saúde
O PIDESC reconhece “o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental”[301]. A CDC prevê explicitamente que as crianças têm esse direito e obriga os governos a “assegurar que todos os setores da sociedade, e em especial os pais e as crianças, conheçam os princípios básicos de saúde” e “desenvolver a assistência médica preventiva, a orientação aos pais e a educação e serviços de planejamento familiar”[302]. A Constituição Federal também afirma o direito à saúde, afirmando que “é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas”[303].
Os Estados não cumprem suas obrigações de proteger o direito à saúde quando informações apropriadas à idade e que promovem a saúde são indevidamente retidas dos estudantes. O Comitê dos Direitos da Criança afirma que “educação integral e inclusiva em saúde sexual e reprodutiva adequada à idade, baseada em evidências científicas e nos padrões de direitos humanos e desenvolvida com a participação de adolescentes, deve fazer parte do currículo escolar obrigatório e atingir os adolescentes fora da escola”[304]. O comitê também afirmou que os governos devem “abster-se de censurar, reter ou deturpar intencionalmente informações relacionadas à saúde, incluindo educação e informação em sexualidade, e [...] garantir que as crianças tenham a capacidade de adquirir o conhecimento e as habilidades para proteger a si mesmas e aos outros à medida que começam a expressar sua sexualidade”[305].
Recomendações
Aos Legislativos Municipais, Estaduais e Federal
- Revogar ou arquivar quaisquer leis ou projetos de lei pendentes que visem banir a chamada “ideologia de gênero”, censurar os termos “gênero” ou “orientação sexual” ou de outra forma violar o direito dos alunos à educação integral em sexualidade, conforme as decisões do Supremo Tribunal Federal na ADPF 457, ADPF 526, ADPF 467, ADPF 460, ADPF 600, ADPF 465, ADPF 461 e ADI 5537, e as normas internacionais de direitos humanos.
Aos legisladores e a todas as autoridades públicas
- Abster-se de fazer declarações públicas que equiparem educação relacionada a gênero e sexualidade, ou a educação integral em sexualidade (EIS), à “erotização prematura”, “ideologia de gênero” ou “doutrinação” de estudantes.
- Parar de intimidar, ameaçar, assediar ou mobilizar as redes sociais contra professores individualmente por abordarem EIS em sala de aula.
Ao Ministério da Educação
- Promover educação integral em sexualidade apropriada para a idade, conforme definida pelas Nações Unidas e de acordo com as leis e políticas existentes, decisões do STF e normas de direitos humanos. As políticas de EIS devem abordar explicitamente práticas seguras e informadas em se tratando de desenvolvimento sexual, relacionamentos e sexo seguro; aumentar a conscientização para a prevenção da intolerância, da violência baseada em gênero, da desigualdade de gênero, infecções sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada; e afirmar a diversidade sexual e de gênero. Essas políticas devem ser desenvolvidas por meio de consulta com especialistas em educação e juventude.
Ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos
- Garantir que quaisquer campanhas ou políticas relacionadas à prevenção da gravidez precoce estejam firmemente alinhadas com os padrões internacionais sobre educação integral em sexualidade. Divulgar informações cientificamente precisas, baseadas em evidências e não estigmatizantes.
- Extirpar a “ideologia de gênero” como base para denúncia de violações de direitos humanos dos protocolos do Disque 100, inclusive do Manual da Taxonomia de Direitos Humanos que informa as categorias de denúncias no Disque 100.
Ao Conselho Nacional de Educação
- Emitir uma resolução estabelecendo que a educação em sexualidade no Brasil precisa estar de acordo com os padrões internacionais sobre educação integral em sexualidade, conforme definida pelas agências das Nações Unidas e os órgãos especializados em direitos humanos e de acordo com a legislação e diretrizes educacionais existentes, decisões do STF e normas internacionais de direitos humanos. A resolução deveria estabelecer que as secretarias estaduais e municipais de educação apoiem os professores para que possam lidar com esse material de aprendizagem de forma livre e segura e deveria ser redigida em consulta com estudantes, professores e outros especialistas em educação.
Ao Conselho Nacional do Ministério Público
- Emitir resolução estabelecendo que os membros dos Ministérios Públicos dos estados devem se abster de investigar condutas que não constituam crimes de acordo com a legislação brasileira, incluindo alegações falaciosas de “doutrinação”, promoção de “ideologia de gênero” ou discussão de gênero, identidade de gênero ou orientação sexual nas escolas.
- Recomendar que os Ministérios Públicos dos estados emitam recomendações administrativas, consistentes com a legislação brasileira e as decisões do STF, orientando que as instituições e estabelecimentos de ensino respeitem a liberdade dos professores de ensinar, aprender e divulgar informações relacionadas à educação integral em sexualidade, bem como a obrigação de ensinar EIS de acordo com as normas internacionais de direitos humanos. Os Ministérios Públicos devem esclarecer que ensinar ou divulgar esse tipo de conteúdo não é crime de acordo com a legislação brasileira.
Secretarias Estaduais e Municipais de Educação
- Garantir que os programas de ensino estejam alinhados com os padrões internacionais sobre educação integral em sexualidade (EIS), conforme definida pelas agências das Nações Unidas e os órgãos especializados em direitos humanos, bem como com as leis e diretrizes federais de educação existentes, decisões do STF e as normas internacionais de direitos humanos.
- Onde os programas de ensino existentes abordarem elementos da EIS superficialmente, esclarecer que esse conteúdo inclui o dever de ensinar material apropriado à idade e baseado na ciência sobre práticas seguras e informadas em se tratando de desenvolvimento sexual, relacionamentos e sexo seguro; intolerância, violência de gênero, desigualdade de gênero, infecções sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada; e aceitação em relação à diversidade sexual e de gênero.
- Assegurar que os gestores escolares, professores e outros funcionários de escolas compreendam e se sintam apoiados no ensino e realização de atividades destinadas a ampliar o conhecimento sobre EIS com base na legislação brasileira e internacional de direitos humanos.
- Desenvolver treinamentos e orientações para servidores e funcionários da secretaria, gestores escolares, professores e outros funcionários de escolas que abordem como gerenciar, conter e desescalar adequadamente denúncias e reclamações feitas às secretarias de educação ou às escolas contra professores com base em alegações infundadas ou falaciosas relacionadas à EIS.
- Compilar e avaliar dados sobre denúncias e reclamações relacionadas ao ensino de EIS, incluindo alegações espúrias de “doutrinação”, promoção de “ideologia de gênero” ou discussão de gênero, identidade de gênero ou orientação sexual nas escolas. Esses dados devem incluir o número de denúncias e reclamações apresentadas, as acusações feitas, a disciplina que o professor estava lecionando, a idade dos estudantes e outras informações contextuais sobre o incidente.
- Usar esses dados para melhor compreender como as secretarias de educação e escolas devem se comunicar com as comunidades escolares sobre os direitos das crianças e adolescentes à EIS.
- Quando as secretarias de educação receberem denúncias oficiais relacionadas à EIS com base em alegações infundadas ou espúrias e estas levarem à abertura de processos administrativos ou disciplinares contra os professores, garantir que os funcionários da secretaria responsáveis pelo caso atuem de maneira célere para evitar danos emocionais, psicológicos e repercussões profissionais aos professores que não cometeram nenhuma irregularidade.
Aos Ministérios Públicos Estaduais
- Abster-se de investigar condutas que não constituam crime sob a legislação brasileira, incluindo alegações espúrias de “doutrinação”, promoção de “ideologia de gênero” ou discussão de gênero, identidade de gênero ou orientação sexual nas escolas.
- Emitir recomendações administrativas consistentes com a legislação brasileira e as decisões do STF orientando que as secretarias de educação e as escolas respeitem a liberdade dos professores de ensinar, aprender e divulgar informações relacionadas à educação integral em sexualidade (EIS) e a obrigação de ensinar EIS de acordo com as normas interacionais de direitos humanos. Os Ministérios Públicos devem esclarecer que ensinar ou divulgar esse tipo de conteúdo não é crime de acordo com a legislação brasileira.
- Compilar e avaliar dados sobre denúncias ao Ministério Público e às delegacias de polícia civil relacionadas ao ensino da EIS, incluindo alegações espúrias de “doutrinação”, promoção de “ideologia de gênero” ou discussão de gênero, identidade de gênero ou orientação sexual nas escolas. Esses dados devem incluir o número de casos registrados, as denúncias feitas, a matéria que o professor estava lecionando, a idade dos estudantes e outras informações contextuais sobre o ocorrido, e devem ser disponibilizados às secretarias de educação de uma forma que respeite a privacidade dos indivíduos.
Às Polícias Civis dos Estados
- Abster-se de investigar condutas que não constituam crimes sob a legislação brasileira, incluindo alegações espúrias de “doutrinação”, promoção de “ideologia de gênero” ou discussão de gênero, identidade de gênero ou orientação sexual nas escolas.
- Desenvolver treinamentos e emitir orientações que esclareçam que o ensino de educação integral em sexualidade (EIS) não constitui crime de acordo com a legislação brasileira. Instruir investigadores e policiais a não abrirem investigações com base em alegações infundadas ou espúrias relacionadas à EIS.
- Compartilhar com o Ministério Público as denúncias recebidas relacionadas ao ensino de EIS para subsidiar uma melhor compreensão da extensão dos ataques ao ensino deste conteúdo, incluindo alegações espúrias de “doutrinação”, promoção de “ideologia de gênero” ou discussão de gênero, identidade de gênero ou orientação sexual nas escolas.
Agradecimentos
Este relatório é fruto da pesquisa e redação de Cristian González Cabrera, pesquisador do Programa de Direitos das Pessoas LGBT da Human Rights Watch. O relatório foi revisado por Graeme Reid, diretor do Programa de Direitos das Pessoas LGBT da Human Rights Watch; Danielle Haas, editora sênior do Programa; Maria Laura Canineu, diretora do Brasil na Divisão das Américas; Anna Livia Arida, diretora associada do Brasil; César Muñoz, pesquisador sênior de Américas; Ximena Casas, pesquisadora da Divisão de Direitos das Mulheres; Elin Martínez, pesquisadora sênior da Divisão de Direitos das Crianças; e Maria McFarland Sánchez-Moreno, conselheira jurídica sênior. Yasemin Smallens, coordenadora do Programa de Direitos das Pessoas LGBT da Human Rights Watch coordenou a produção, a revisão editorial e formatou o relatório. Travis Carr, coordenador sênior de publicações e Fitzroy Hepkins, gerente administrativo sênior, prestaram assistência adicional na produção. O relatório foi traduzido para o português por Victor Mauro Gonçalves Setti, tradutor freelance.
A Human Rights Watch gostaria de agradecer às inúmeras organizações e indivíduos que contribuíram para a pesquisa incluída neste relatório. Este relatório é dedicado a todos os professores que partilharam as suas experiências conosco.