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Canadá: Crise Hídrica Coloca Famílias Indígenas sob Risco

Regulamentação, Investimentos e Fiscalização são Necessários para Solucionar Falhas do Sistema

(Toronto) – O Canadá possui água em abundância, mas em muitas comunidades indígenas de Ontário a água não é própria para consumo, diz o mais novo relatório da Human Rights Watch, publicado hoje. A água da qual dependem muitas comunidades indígenas, que vivem em territórios denominados reservas, está contaminada, é de difícil acesso, ou é tóxica devido a problemas nos sistemas de tratamento. As autoridades federais e provinciais precisam tomar medidas urgentes para lidar com essa crise.

Roxanne Moonias, mother to an infant with a chronic illness, demonstrates one of the steps she takes to ensure her baby is not exposed to contaminants in the water. Roxanne lives in Neskantaga First Nation and says that it takes her an hour each time to properly wash and rinse his bottles.  © 2015 Samer Muscati/Human Rights Watch

“Água contaminada e problemas nos sistemas de tratamento nas reservas indígenas de Ontário estão colocando a saúde das pessoas em risco, sobrecarregando pais e responsáveis, e agravando os problemas nas reservas como um todo”, disse Amanda Klasing, pesquisadora sênior da Human Rights Watch e autora do relatório. “Os povos indígenas possuem os mesmos direitos humanos à água potável e ao saneamento que todos os canadenses, mas, na prática, eles não têm acesso a eles”.

O relatório “Make It Safe: Canada’s Obligation to End the First Nations Water Crisis(em Português, “Água segura: a obrigação do Canadá de solucionar a crise hídrica que atinge os povos indígenas”) documenta, em 92 páginas, os impactos dos graves e persistentes problemas de água e saneamento que afligem milhares de indígenas – conhecidos no Canadá como “Primeiras Nações” – que vivem em reservas. O relatório avalia as causas desses problemas, incluindo a falta de parâmetros obrigatórios para a qualidade da água, financiamento insuficiente ou irregular, infraestrutura deficiente ou abaixo dos padrões mínimos, e degradação de mananciais. Auditorias conduzidas pelo próprio governo federal demonstram duas décadas de promessas superestimadas e desempenho aquém do esperado no setor de água e saneamento nas reservas.

Atualmente, em todo o Canadá existem 133 alertas em 89 reservas indígenas sobre água imprópria para consumo, sendo que a maioria está concentrada em Ontário. Esses alertas sobre a qualidade da água - alguns vigentes há décadas – representam os piores exemplos dos desafios estruturais que os povos indígenas no Canadá enfrentam quanto a água e esgoto. Em comunidades fora das reservas canadenses os riscos em relação à água nem se comparam, uma vez que nelas os sistemas de tratamento estão sujeitos  à regulamentos– e os alertas sobre a qualidade da água sãomuito mais raros.

 “Como aponta a Human Rights Watch, nós, em comunidades indígenas, precisamos daquilo que outros canadenses dão por certo: água segura para consumo e saneamento adequado”, disse Isadore Day, Chefe Regional de Ontário. “Apesar dos avanços e das muitas promessas, ainda hoje muitos indígenas neste país vivem – e morrem – na pobreza”.

Como parte da pesquisa, a Human Rights Watch conduziu uma pesquisa em 99 domicílios onde vivem 352 pessoas, em cinco comunidades indígenas em Ontário, e 111 entrevistas qualitativas. Também foram analisados dados oficiais sobre infraestrutura para água e esgoto, alocação orçamentária e alertas de qualidade da água. Ao todo, a Human Rights Watch compilou dados oficiais de 191 sistemas de tratamento em 137 comunidades de 133 povos indígenas diferentes em Ontário.

A Human Rights Watch constatou que a crise hídrica nas reservas diminui a qualidade e quantidade de água disponível para consumo e higiene. Muitas famílias relataram sofrer com infecções, eczema, psoríase e outros problemas de pele, que acreditam terem sido causados ou agravados pelas condições de acesso à água em suas casas.

Muitos entrevistados afirmaram que departamentos federais ou autoridades indígenas já os haviam alertado sobre contaminantes na água, tais como coliformes, Escherichia coli (E. coli), trialometanos cancerígenos e urânio. As consequências negativas da exposição a esses contaminantes vão desde graves problemas gastrointestinais ao aumento do risco de câncer.

As famílias relataram mudanças em sua rotina de higiene por conta de preocupações com a qualidade da água, inclusive limitando o banho das crianças. Cuidadores também sofrem com a responsabilidade extra de assegurar que crianças, idosos e outros não sejam expostos à água contaminada.

O governo federal possui jurisdição sobre as reservas, mas não tomou medidas suficientes para assegurar que seus residentes se beneficiem da mesma proteção da lei. Enquanto comunidades fora das reservas se beneficiam de parâmetros obrigatórios à qualidade da água, o mesmo não se dá nas reservas.

O governo federal oferece apoio financeiro para a elaboração de projetos, construção, operação e manutenção de sistemas de tratamento de água para os povos indígenas. No entanto, os projetos financiados ficaram aquém daqueles construídos em comunidades vizinhas. Alguns desses sistemas entraram sob alerta de contaminação pouco depois de começarem a operar, incluindo alguns com apenas dois anos de funcionamento. Além disso, uma em cada cinco pessoas nas reservas de Ontário obtém água a partir de poços privados, muitos dos quais também estão contaminados.

“A crise hídrica é resultado de anos de discriminação e foi agravada pela falta de prestação de contas por parte do governo”, disse Amanda. “São as famílias indígenas que ficam expostas e preocupadas com os danos que a água utilizada para beber e tomar banho poderá causar à suas crianças. O governo do Canadá precisa lidar tanto com os sintomas quanto com as causas fundamentais do problema”.

Esse fracasso de longa data do Canadá em estabelecer normas para as reservas indígenas ou em oferecer fiscalização adequada quando os demais cidadãos se beneficiam de tais proteções, configura discriminação e viola o direito dos povos indígenas à igualdade perante a lei, afirmou a Human Rights Watch

O governo de Trudeau anunciou em março de 2016 novas medidas e recursos para equiparar, dentro de 5 anos, os sistemas de tratamento de água das reservas indígenas aos das demais comunidades. Trata-se de um sinal positivo - mas não é a primeira vez que um governo se compromete a alocar recursos financeiros para sanar esses problemas. No passado, investimentos de bilhões de dólares não resolveram problemas estruturais do setor de água e esgoto nas reservas. Esses investimentos foram feitos de forma irregular e foram prejudicados por fórmulas arbitrárias de alocação e falhas na efetiva aplicação de recursos disponíveis, bem como por tetos rígidos de gastos que ignoraram o crescimento populacional, a distribuição desigual de recursos e as diferenças entre as reservas. O atual governo precisa aprender com os erros do passado e incluir de modo eficaz a participação dos povos indígenas em seus esforços para cumprir suas promessas.

“Apesar dos significativos investimentos no setor, o governo canadense tem fracassado em equiparar as condições de fornecimento de água e saneamento nas reservas aos padrões que a maioria dos canadenses tem acesso”, disse Klasing. “Apenas financiamento não significa resultados”.

A crise também tem causado impactos aos direitos culturais das comunidades indígenas. Com a contaminação, são afetadas as cerimônias da água, a pesca e caça tradicionais, o ensino das crianças e a conservação de conhecimentos tradicionais sobre a água. O direito internacional reconhece o direito dos povos indígenas a manter e fortalecer sua relação espiritual com terras, territórios, corpos de água e outros recursos tradicionalmente a eles pertencentes ou ocupados, bem como o direito a estender essas responsabilidades a futuras gerações.

Além disso, os mananciais de água dos povos indígenas estão cada vez mais degradados por conta da atividade industrial, resíduos agrícolas e descarte de lixo fora das reservas. Ainda assim, líderes indígenas afirmaram que as autoridades federais e provinciais não os envolvem no gerenciamento desses mananciais.

“Gerações de moradores das reservas indígenas cresceram sem água limpa e própria para o consumo”, disse Klasing. “O novo governo afirmou que está comprometido com a mudança. Agora, é preciso agir”.

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