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Brasil: Investigações iniciais sobre mortes por ação policial deixam a desejar

Autoridades Deveriam Garantir Responsabilização e Prevenir “Operações Vingança”

A resident protests a deadly police operation in Baixada Santista, in São Paulo, Brazil, on August 2, 2023. © 2023 ALLISON SALES/AFP via Getty Images
  • As medidas iniciais adotadas pelas polícias civil e científica para investigar mortes durante a Operação Escudo no estado de São Paulo foram inadequadas e não observaram os padrões internacionais.
  • O Brasil tem um grave problema de uso excessivo da força policial. As “operações vingança” após a morte de um policial representam um desafio específico.
  • Autoridades federais e estaduais deveriam adotar protocolos para prevenir “operações vingança”. As investigações de mortes cometidas por ação policial deveriam incluir perícias adequadas e serem conduzidas pelo Ministério Público.

(São Paulo) – As medidas iniciais adotadas pelas polícias civil e científica para investigar 28 mortes ocorridas durante uma operação policial na Baixada Santista, estado de São Paulo, Brasil, foram inadequadas e não respeitaram os padrões internacionais, disse a Human Rights Watch em um relatório divulgado hoje.

O relatório de 19 páginas, “‘Eles Prometeram Matar 30’: Mortes decorrentes de ação policial na Baixada Santista, estado de São Paulo, Brasil”, descreve importantes falhas nas etapas iniciais das investigações policiais. Em 28 de julho as forças policiais de São Paulo deflagraram a chamada Operação Escudo na Baixada Santista, área metropolitana do litoral do estado de São Paulo, em resposta à morte de um policial na cidade do Guarujá. Até 5 de setembro, quando as autoridades encerraram a operação, a polícia havia matado 28 pessoas, resultando em uma das operações mais letais no estado de São Paulo em três décadas. Três policiais também foram feridos durante a operação.

“As investigações iniciais conduzidas pelas polícias civil e científica sobre as 28 mortes da Operação Escudo foram lamentavelmente inadequadas e não atendem aos padrões internacionais”, disse Juanita Goebertus, diretora para as Américas da Human Rights Watch. “Investigações minuciosas, independentes e imediatas, inclusive com perícias adequadas, são essenciais e deveriam ser lideradas pelo Ministério Público, que não deveria depender da investigação policial.”

A polícia civil funciona como polícia judiciária do estado e investiga a maioria dos crimes, trabalhando em estreita colaboração com a polícia científica, a quem compete a realização das perícias médico-legais e criminalísticas.

A Human Rights Watch examinou boletins de ocorrência de 27 mortes decorrentes de ação policial e 15 laudos necroscópicos; entrevistou autoridades, familiares das vítimas e membros das comunidades; e documentou ameaças contra o Ouvidor das polícias do estado de São Paulo.

A pedido da Human Rights Watch, o Grupo Independente de Especialistas Forenses do Conselho Internacional de Reabilitação para Vítimas de Tortura, um grupo internacional de proeminentes peritos forenses, analisou 15 laudos necroscópicos preliminares e constatou que não estavam de acordo com padrões internacionais. Os peritos concluíram que “com base nos relatórios preliminares da autópsia, os exames post mortem dos quinze indivíduos são ineficazes e não atendem aos padrões mínimos aceitáveis na investigação de mortes por armas de fogo no contexto da ação policial”.

O Brasil tem um grave problema de uso excessivo da força pela polícia. A polícia matou mais de 6.400 pessoas em 2022, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entidade que compila dados de fontes oficiais dos estados. Embora algumas mortes cometidas pela polícia sejam em legítima defesa, muitas resultam do uso excessivo da força, contribuindo para um ciclo de violência que prejudica a segurança pública e coloca em perigo a vida de civis e dos próprios policiais. A Human Rights Watch tem documentado graves falhas nas investigações da polícia civil sobre mortes cometidas por ação policial.

As mortes causadas por policiais em serviço aumentaram 86% no terceiro trimestre de 2023 no estado de São Paulo quando comparadas ao mesmo período de 2022.

A Human Rights Watch enviou pedidos de informação sobre as diligências investigativas realizadas no contexto da Operação Escudo, mas nem o Secretário de Segurança Pública de São Paulo nem o Delegado Geral da Polícia Civil forneceram as informações.

Entre as preocupações contidas no relatório, destacamos as seguintes:

  • Dos 26 boletins de ocorrência analisados a polícia não solicitou a perícia do local dos fatos em seis, e em outros três a perícia do local foi dispensada pela polícia civil por diversos motivos; em um deles, por exemplo, porque estaria chovendo. Em outro boletim de ocorrência, a última página estava faltando, não sendo possível determinar se a polícia havia solicitado a perícia do local.
  • Em pelo menos 12 dos 26 casos a polícia civil colheu depoimentos de policiais militares em grupos, em vez de individualmente, tornando extremamente difícil a corroboração independente das informações fornecidas.
  • Em pelo menos sete casos, os médicos legistas observaram que os corpos chegaram sem roupas para a realização do laudo necroscópico. Como afirmado pelos peritos forenses internacionais, é essencial a coleta de amostras de roupas e da pele para ajudar a esclarecer a “maneira e as circunstâncias da morte”.
  • Em 20 dos 26 boletins de ocorrência, os policiais militares envolvidos alegaram que dispararam após terem sido recebidos a tiros. Mas a polícia civil não solicitou exames residuográficos em nove casos, em dois dos demais solicitou exames das vítimas e em três apenas dos policiais.
  • De acordo com o Ministério Público de São Paulo, há imagens de câmeras corporais da polícia para apenas nove das 28 mortes.

O governador Tarcísio de Freitas inicialmente disse que a polícia não havia cometido abusos durante a operação. Após as mortes aumentarem, ele disse que as autoridades investigariam a conduta da polícia e que “se houver excesso, se houver falhas, nós vamos punir os responsáveis”. Contudo, o Secretário de Segurança Pública do estado disse em relação aos 28 mortos que “Foi a escolha deles. Nós não queremos o confronto”.

Em 16 de outubro, o governador entregou prêmios a alguns dos oficiais que fizeram parte da Operação Escudo.

O Ministério Público do estado de São Paulo instaurou investigações criminais sobre as 28 mortes, bem como uma investigação civil sobre violações de direitos humanos, além de um procedimento administrativo para monitorar as investigações realizadas pela própria polícia civil.

No Brasil, nos últimos anos, muitas operações policiais iniciadas após a morte de um agente policial tiveram como resultado um número significativo de mortos pela polícia. Estudos no Rio de Janeiro sugerem que a polícia tem mais probabilidade de matar durante tais operações.

As autoridades de segurança pública em São Paulo, em outros estados e na esfera federal deveriam adotar protocolos para prevenir “operações vingança”, disse a Human Rights Watch. Esses protocolos deveriam incluir medidas para garantir que policiais da unidade a qual a vítima pertencia recebam apoio psicológico e social e não participem em operações em resposta à morte do policial. Câmeras corporais deveriam ser usadas por todos os policiais envolvidos em operações.

Além disso, a Secretaria de Segurança Pública deveria sempre apresentar por escrito a justificativa e o plano operacional ao Ministério Público e rotineiramente informar a Ouvidoria das Polícias sobre todas as operações policiais iniciadas após a morte de um agente, disse a Human Rights Watch.

“Algumas das operações policiais mais letais no Brasil, como a Operação Escudo na Baixada Santista, foram conduzidas em resposta à morte de um policial”, disse Goebertus. As autoridades de segurança pública deveriam adotar medidas imediatas para prevenir operações vingança e fazer cumprir a lei”.

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