Skip to main content
  • Assassinatos, sequestros e violência sexual por parte de grupos criminosos na capital do Haiti, Porto Príncipe, e em seus arredores aumentaram drasticamente desde o início de 2023.
  • O governo haitiano tem falhado em protegera população da violência desses grupos criminosos, muitos dos quais têm supostos vínculos com altos funcionários políticos, agentes econômicos e policiais.
  • O apoio internacional na segurança pode ser necessário, mas provavelmente só será eficaz com um novo governo de transição e como parte de uma resposta multidimensional com fortes garantias de direitos humanos.

(Nova York, 14 de agosto de 2023) - Assassinatos, sequestros e violência sexual por grupos criminosos na capital do Haiti, Porto Príncipe, e em seus arredores, aumentaram drasticamente desde o início de 2023, com uma resposta fraca ou inexistente do Estado, disse a Human Rights Watch em um relatório divulgado hoje. 

O relatório de 98 páginas (em inglês), “Vivendo um pesadelo: Haiti precisa de uma resposta urgente com foco em direitos humanos à escalada da crise”, documenta abusos cometidos por grupos criminosos e a inação do Estado em quatro cidades metropolitanas de Porto Príncipe - Cabaret, Cité Soleil, Croix-des-Bouquets e a própria Porto Príncipe - entre janeiro e abril de 2023. No Haiti, o Estado é quase inexistente, a impunidade impera e quase metade da população sofre de insegurança alimentar grave. A Human Rights Watch também avaliou as crises humanitária, política e judicial, além dos abusos relacionados às intervenções internacionais anteriores e o legado duradouro da escravidão, exploração e abuso por parte das potências coloniais.

The metropolitan area of Port-au-Prince, Haiti, highlighting the communes where abuses were documented. Data © CNIGS. Graphics © Human Rights Watch

“São necessárias medidas urgentes para lidar com os níveis extremos de violência e o medo palpável, a fome e a sensação de abandono que tantos haitianos experimentam hoje”, disse Nathalye Cotrino, pesquisadora da divisão de crises e conflitos da Human Rights Watch. “O apoio internacional na segurança pode ser necessário, mas provavelmente só ajudará com um novo governo de transição e como parte de uma resposta multidimensional com salvaguardas robustas de direitos humanos.”

A Organização das Nações Unidas (ONU), os EUA, a França, o Canadá, os membros da Comunidade do Caribe e outros governos interessados deveriam agir com urgência para apoiar o Haiti a superar sua crise e garantir uma transição democrática. Nos próximos dias, o secretário-geral da ONU deverá apresentar ao Conselho de Segurança opções para o emprego de uma força internacional consensual no Haiti para ajudar a restaurar a segurança, atendendo a uma solicitação do primeiro-ministro do país. O Quênia ofereceu assumir a liderança e fornecer 1.000 policiais para uma força multinacional.

A Human Rights Watch entrevistou mais de 100 pessoas, antes, durante e depois de uma visita ao Haiti no final de abril e início de maio, incluindo 58 vítimas e testemunhas de abusos, entrevistadas no Haiti, bem como membros da sociedade civil haitiana, grupos de direitos humanos e da diáspora, representantes da ONU e agências humanitárias, atores políticos haitianos e agentes governamentais, incluindo o primeiro-ministro Ariel Henry. A Human Rights Watch também analisou dados e relatórios de organizações internacionais e não governamentais, de grupos da sociedade civil haitiana e da imprensa, e verificou e geolocalizou imagens de vídeo e fotografias de incidentes violentos.

A ONU estima que grupos criminosos no Haiti mataram mais de 2.000 pessoas na primeira metade de 2023, sequestraram mais de 1.000 e usaram violência sexual para aterrorizar a população. A Human Rights Watch documentou 67 assassinatos, inclusive de 11 crianças e 12 mulheres, e mais de 20 casos de estupro, muitos deles estupros coletivos praticados por vários criminosos. Em resposta à violência e à inação do Estado, alguns haitianos se voltaram para a “justiça popular”, formando o movimento Bwa Kale, que ganhou força no final de abril e, até junho, já matou mais de 200 suspeitos de pertencerem a grupos criminosos em todo o país, muitas vezes em conluio com policiais.

Cerca de 150 grupos criminosos operam na capital, Porto Príncipe, e em sua região metropolitana, muitos deles sob duas das principais coalizões criminosas, a federação G-Pèp e a aliança G9. Muitos dos piores abusos ocorreram em Cité Soleil, uma comuna densamente povoada que faz fronteira com a costa, onde os moradores estão em um conflito prolongado entre a aliança G9, liderada por Jimmy Chérizier, ou “Barbecue”, e sua rival, a federação G-Pèp, liderada por Gabriel Jean-Pierre. A G-Pèp controla uma área chamada Brooklyn, enquanto a G9 controla os bairros vizinhos e está tentando dominar o Brooklyn.

The Cité Soleil commune (including Brooklyn neighborhood), Haiti, showing the areas controlled by the G-Pèp and G9 criminal coalitions. Data © CNIGS, OpenStreetMap. Image © 2023 Maxar Technologies. Google Earth. Graphics © Human Rights Watch

Uma mulher entrevistada pela Human Rights Watch disse que ela e sua irmã estavam voltando para casa com um grupo de pessoas no dia 15 de abril quando foram paradas por membros do G9. “Eles pegaram vários homens do grupo, fizeram com que eles se alinhassem, mataram alguns deles com facões e atiraram em outros”, disse ela. “Os criminosos abriram alguns dos corpos dos homens antes de juntá-los e atear fogo neles. [Depois], quatro homens me estupraram.” Os membros do G9 também estupraram a irmã dela, e nenhuma das mulheres conseguiu procurar atendimento médico. O grupo matou o irmão da senhora no mesmo dia.

O governo haitiano tem falhado em proteger a população da violência desses grupos criminosos, que foi exacerbada pelo fluxo contínuo de armas e munições para o Haiti, em grande parte provenientes do estado americano da Flórida. Muitos dos grupos supostamente têm vínculos com altos agentes políticos, econômicos e policiais. Com base nas informações disponíveis, não houve processos criminais ou condenações dos responsáveis por assassinatos, sequestros e violência sexual, ou de seus apoiadores, desde o início de 2023.

A crise de segurança agrava uma terrível crise humanitária. “Não comemos todos os dias”, disse uma pessoa que mora no Brooklyn. “Só bebemos água da chuva [e] meus filhos estão doentes do estômago. Nós também não temos eletricidade há muito tempo.”

A ONU estima que quase 60% da população haitiana de 11,5 milhões de pessoas vive abaixo da linha da pobreza. Quase 195.000 pessoas foram deslocadas internamente devido à violência desde 2022, e dezenas de milhares tentaram fugir do país. Apesar dos repetidos apelos da ONU para que os haitianos não sejam forçados a voltar para o Haiti, outros países forçaram a volta de mais de 73.800 pessoas ao Haiti no primeiro semestre de 2023.

Desde o assassinato do ex-presidente Jovenel Moïse em julho de 2021, o primeiro-ministro Henry tem controlado todas as funções executivas e parlamentares e não chegou a um consenso com os atores políticos haitianos e representantes da sociedade civil para permitir uma transição democrática.

Quase todas as pessoas representantes da sociedade civil haitiana e vítimas de abuso entrevistadas disseram que a situação se deteriorou tão drasticamente que é necessária uma resposta internacional, incluindo um componente de segurança. Muitos destacaram a necessidade de evitar mais danos e abusos agora, com salvaguardas adequadas para evitar os graves abusos resultantes de intervenções internacionais passadas. Representantes da sociedade civil haitiana também disseram que outros países deveriam parar de apoiar o primeiro-ministro Henry, que, segundo elas, lidera um governo ilegítimo e corrupto com supostas ligações com grupos criminosos.

Famílias abandonam suas casas no bairro de Pétion-ville em Port-au-Prince, Haiti, em 23 de março de 2023, enquanto grupos criminosos ocupam áreas do Haiti.  © 2023 RICHARD PIERRIN/AFP via Getty Images

Os esforços de uma força de segurança internacional para proteger os principais locais e as principais estradas do país deveriam ser acompanhados de iniciativas para oferecer empregos, educação e acesso a necessidades básicas em áreas atualmente controladas por grupos criminosos, bem como para garantir que os responsáveis por graves abusos sejam investigados e processados por meio de procedimentos confiáveis, justos e que respeitem os direitos.

“O legado contínuo de intervenções estrangeiras abusivas no Haiti não deveria ser uma desculpa para a inação”, disse Cotrino. “Em vez disso, deveria ser um chamado à ação para corrigir os erros do passado e apoiar os esforços haitianos rumo à verdadeira governança democrática, ao respeito pelos direitos humanos básicos e ao fim dos ciclos letais de violência e abuso.”

Your tax deductible gift can help stop human rights violations and save lives around the world.

Região/País