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Angola: Centenas ficam sem casa em despejos e demolições forçados

Investigar uso de força excessiva por parte da polícia contra moradores

Mulher com a filha ao colo após a demolição da sua casa na zona de Zango 3 em Luanda, Angola.  © 2023 Privado

(Joanesburgo)– As autoridades angolanas devem suspender imediatamente os despejos e demolições forçados no sul de Luanda, afirmou hoje a Human Rights Watch. O governo também deve garantir que os proprietários das casas já demolidas recebem reparações imediatas sob a forma de indemnizações, realojamento adequado e alternativas de alojamento.

As forças de segurança angolanas invadiram a zona do Zango 3, na capital, em 27 de fevereiro de 2023, despejando os moradores à força e, imediatamente de seguida, demolindo mais de 300 casas, deixando centenas de pessoas sem-abrigo. Os moradores descreveram que quem se recusou a abandonar a sua casa ou se reuniu para se manifestar pacificamente contra as ações das forças de segurança foi espancado e detido. As autoridades locais alegam que as casas foram construídas ilegalmente.

“As autoridades angolanas devem suspender imediatamente todas as operações de despejo e demolição em Luanda que violem as normas do direito internacional”, disse Ashwanee Budoo-Scholtz, diretora adjunta para África da Human Rights Watch. “Os oficiais responsáveis pelos despejos ilegais e pelo uso de força excessiva contra os moradores têm de ser responsabilizados.”

No dia 27 de fevereiro, entre as 7h00 e as 8h00, uma força conjunta de agentes da polícias e militares  munidos de espingardas militares e cassetetes, chegou sem avisar à zona do Zango 3, no município de Viana, de acordo com as descrições dos residentes. Um homem de uniforme da polícia e megafone em punho, descrito pelas testemunhas no local como o comandante da força, disse aos moradores para abandonarem as suas casas e ordenou ao motorista de uma escavadeira que começasse a destruí-las. Segundo os moradores, as forças de segurança não apresentaram nenhum mandado judicial, não se apresentaram à chegada, nem explicaram sob que ordens estavam a agir.

“Apareceram de surpresa quando a minha mulher e eu estávamos a preparar-nos para sair de casa para ir trabalhar”, disse Juliano, que não quis divulgar o nome completo. “Até agora [1 de março] não sei quem é que os mandou cá para me destruir a casa.” Juliano mora no bairro desde 2020 e possui os documentos legais da casa onde vivia, emitidos pela administração local de Viana. Vivia nesta casa com a mulher e os três filhos.

“Ainda estava no quarto a dar de mamar ao meu bebé quando ouvi aquela voz a mandar-nos sair de casa”, disse Rosa, outra moradora. “A seguir, dois soldados arrombaram-me a porta de casa e começaram a colocar os móveis, panelas, roupas – tudo – na rua. Quando tentei pará-los, um dos soldados deu-me uma bofetada na cara.”

Moradores e dois jornalistas que cobriam os despejos explicaram que a polícia espancou quatro homens que tentaram proteger as suas propriedades, tendo detido dezenas de outras pessoas que se reuniram para se manifestar pacificamente. Os jornalistas alegam que a polícia e os soldados negaram o acesso da comunicação social à área.

A Human Rights Watch procurou obter comentários da polícia angolana em 28 de fevereiro. Um porta-voz disse desconhecer qualquer operação de despejo e demolição em Viana. No entanto, a Administração do Município de Viana emitiu, no final do dia, um comunicado de imprensa que confirma a operação. A autarquia alega que os residentes construíram as casas ilegalmente e “contra os avisos das autoridades” numa área reservada à construção de uma central elétrica que servirá a zona do Zango. Além disso, a operação de despejo e demolição visa “limpar” os terrenos que estavam ocupados por pessoas “que, com as suas ações (…) põem em causa a concretização de projetos que irão beneficiar muitas famílias e acelerar o desenvolvimento do país”.

De acordo com o direito internacional, um “despejo forçado” é “a remoção permanente ou temporária, contra a sua vontade, de indivíduos, famílias e/ou comunidades das casas e/ou terras que ocupam, sem a provisão e o acesso a formas adequadas de proteção legal ou de outra natureza.” Mesmo quando a expropriação de terras levada a cabo pelo governo é legal, as autoridades têm de aplicar proteções mínimas de natureza processual, incluindo a consulta genuína dos afetados; a notificação adequada e razoável da data do despejo; informações divulgadas em momento oportuno sobre o despejo proposto; a identificação adequada do pessoal encarregue de levar a cabo o despejo; e recursos legais disponíveis para os afetados, incluindo compensações e alternativas de alojamento.

Os despejos forçadas são um problema persistente nas áreas urbanas de Luanda desde o fim da guerra civil em 2002. Em 2007, a Human Rights Watch e a SOS Habitat publicaram “‘Eles partiram as casas’: Desocupações Forçadas e Insegurança da Posse da Terra para os Pobres da Cidade de Luanda,” que documenta 18 casos de despejos em massa em Luanda entre 2002 e 2006, que afetaram 20 000 pessoas.

Em 2016, os despejos e demolições forçados no Zango II, Zango III e Walale, todos situados no município de Viana, deixaram mais de 6000 pessoas sem-abrigo. A Human Rights Watch visitou estas zonas em setembro de 2018 e descobriu que os moradores despejados ainda não tinham sido realojados e indemnizados.  As autoridades alegaram que os moradores tinham ocupado ilegalmente terras reservadas para projetos do Estado. O então governador de Luanda, Adriano Mendes de Carvalho, admitiu que a polícia e os militares fizeram uso da força durante as operações de despejo, tendo até descrito alguns destes confrontos como “verdadeiras cenas de terror”.

Em 2016, o Comité de Direitos Económicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas expressou preocupação com o uso recorrente de despejos forçados em várias cidades angolanas, inclusive de assentamentos informais e durante projetos de desenvolvimento, sem as garantias processuais necessárias, a provisão de alternativas de alojamento ou indemnizações adequadas para as pessoas afetadas.

“O governo angolano tem de pôr termo a pratica de longa data, dos despejos forçados, que é um ultraje”, disse Budoo-Scholtz. "No futuro, quaisquer operações de despejo devem ser planeadas e levadas a cabo dentro da lei e de uma forma ordenada que respeite os direitos das pessoas à habitação, aos meios de subsistência e à segurança."

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