Caros Embaixadores,
Escrevemos após notícias na imprensa de que a OCDE está considerando atender ao pedido do Brasil de abrir discussões sobre acessão, e o anúncio de que o desmatamento aumentou dramaticamente pelo terceiro ano consecutivo na Amazônia. Instamos que o senhor envie um sinal claro ao governo do presidente Jair Bolsonaro de que reduzir o desmatamento na Amazônia, além de demonstrar resultados concretos na redução da impunidade em relação à violência contra os defensores da floresta e aos crimes ambientais, são etapas essenciais para iniciar esse processo e, eventualmente, tornar-se membro permanente.
Desde o envio de nossa carta aos senhores, em janeiro, houve uma mudança de tom do governo Bolsonaro. Autoridades de alto escalão, incluindo o presidente Bolsonaro, prometeram combater o desmatamento ilegal e assumiram novos compromissos na cúpula do clima em Glasgow. No entanto, suas ações continuam aquém do necessário para enfrentar a crise ambiental e de direitos humanos na Amazônia: na semana passada, as autoridades brasileiras divulgaram que entre agosto de 2020 e julho de 2021, mais de 13.000 quilômetros quadrados da floresta foram desmatados, um aumento de 22 por cento em relação ao ano anterior e a maior taxa em quinze anos.
Em 25 de outubro de 2021, o Ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, anunciou um “Programa Nacional de Crescimento Verde” para avançar com o desenvolvimento sustentável e promover a conservação das florestas, divulgando o potencial do Brasil como “líder de uma nova agenda verde mundial”. A “proteção da biodiversidade” e “reduzir as emissões de gases de efeito estufa” estão entre os objetivos declarados do programa, mas não inclui um compromisso explícito para reduzir o desmatamento, o principal impulsionador das emissões do Brasil. O programa também não exige a adoção de um plano operacional para sua implementação até setembro de 2022.
No dia 1º de novembro, na Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP26), a delegação brasileira anunciou um novo plano de ação climática – uma “Contribuição Nacionalmente Determinada” ou NDC – que não representa um aumento de ambição em relação ao seu primeiro plano apresentado em 2016.
Em Glasgow, os representantes brasileiros se comprometeram a acabar com o desmatamento ilegal até 2028, mas o governo federal não apresentou um plano operacional para cumprir essa meta – e, mais importante, o desmatamento na Amazônia aumentou dramaticamente sob seu comando. O governo federal também não apresentou um plano para proteger os defensores da floresta e para responsabilizar os crimes ambientais e atos de violência relacionados cometidos pelas redes criminosas que impulsionam a destruição da Amazônia.
O governo Bolsonaro também continua com uma postura hostil aos direitos dos povos indígenas, promovendo iniciativas legislativas que restringiriam arbitrariamente os direitos sobre seus territórios, que estão entre as áreas de floresta mais protegidas da Amazônia. O governo Bolsonaro não demarcou um único território indígena desde sua posse, embora seja uma obrigação constitucional do governo federal. Entre 2004 e 2012, quando o Brasil reduziu o desmatamento na Amazônia em 80 por cento, a demarcação e proteção dos territórios indígenas foi uma ferramenta fundamental para conter o desmatamento, segundo formuladores de políticas de governo que supervisionaram esses esforços bem-sucedidos. Pesquisas realizadas nos anos seguintes mostram que, apesar do aumento total do desmatamento, as florestas em território indígena continuam mais bem preservadas em comparação com outras áreas comparáveis.
Desde que tomou posse em janeiro de 2019, o governo do presidente Jair Bolsonaro enfraqueceu a aplicação de leis ambientais, na prática encorajando as redes criminosas que impulsionam o desmatamento e que usam ameaças e violência contra os defensores da floresta. Os responsáveis por esses ataques raramente são levados à justiça. Em julho deste ano, um órgão de controle externo do governo federal concluiu que declarações públicas de autoridades do governo, em particular do presidente Bolsonaro, têm prejudicado a fiscalização ambiental e potencialmente contribuíram para o aumento do desmatamento e um ambiente cada vez mais hostil para os defensores da floresta.
O desmatamento na Amazônia brasileira aumentou dramaticamente durante os primeiros três anos de Bolsonaro no cargo. Em 2021, o desmatamento aumentou 22 por cento em relação ao ano anterior, e atingiu seu maior nível em 15 anos, segundo dados oficiais divulgados em 18 de novembro. (Os pesquisadores responsáveis pela elaboração das estimativas apresentaram suas conclusões em 27 de outubro, mas o governo federal supostamente reteve os números para evitar críticas durante a COP26). Com 13.235 quilômetros quadrados desmatados de agosto de 2020 a julho de 2021, o Brasil está longe de cumprir seu compromisso anterior de reduzir o desmatamento na Amazônia para 3.925 quilômetros quadrados por ano até 2020[1].
O desmatamento contínuo na Amazônia brasileira, somado às mudanças climáticas, está empurrando cada vez mais a floresta tropical em direção a um ponto de não retorno que, se cruzado, pode secar vastas áreas, liberando bilhões de toneladas de dióxido de carbono, alterando os padrões climáticos em toda a América do Sul e destruindo a agricultura. Um estudo inovador, publicado em julho deste ano, concluiu que algumas áreas da Amazônia, particularmente na sua região sudeste, onde ocorre a maior parte do desmatamento, já estão liberando mais carbono do que absorvem.
Nesse contexto, saudamos o relatório da OCDE-Brasil “Avaliando o progresso do Brasil na implementação das recomendações da Análise de Desempenho Ambiental e promovendo seu alinhamento com o acervo básico da OCDE sobre meio ambiente”, divulgado este ano. A Human Rights Watch concorda com a avaliação do relatório de que “o aumento das taxas de desmatamento e outras fortes pressões sobre a riqueza natural do Brasil requerem mais esforços em todos os níveis de governo” para implementar a legislação ambiental existente no país. Atualmente, quase todo o desmatamento no Brasil pode ser considerado ilegal ou irregular.
A seguir, oferecemos recomendações que permitiriam ao Brasil tomar medidas no sentido de aplicar uma modelo de política “destinado à garantia de conservação eficaz e de longo prazo e o uso sustentável da biodiversidade e seus recursos relacionados”, em consonância com a Recomendação do Conselho sobre o Uso de Instrumentos Econômicos na Promoção da Conservação e do Uso Sustentável da Biodiversidade (OCDE/LEGAL/0326) e o roteiro estabelecido no relatório deste ano, bem como com a prioridade do Secretariado de “conduzir e promover a liderança global em ações ambiciosas e eficazes sobre as mudanças climáticas para alcançar a nível global emissões líquidas zero até 2050”.
Os Estados membros da OCDE deveriam pressionar o governo brasileiro a tomar medidas imediatas para reverter a destruição ambiental encorajada nos últimos três anos. Especificamente, o Brasil deveria:
- Apresentar um plano de ação climática nacional (NDC) revisado que seja mais ambicioso do que seu plano de 2016 e se alinhe com as metas do Acordo de Paris para limitar o aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais;
- Elaborar um plano com etapas operacionais concretas e metas mensuráveis para reduzir drasticamente o desmatamento, proteger os defensores da floresta e responsabilizar crimes ambientais e atos de violência relacionados; e
- Retomar a demarcação de terras indígenas e retirar o apoio a iniciativas legislativas que restrinjam arbitrariamente os direitos dos povos indígenas a seus territórios e que levem ao aumento do desmatamento.
Análise das políticas e compromissos do Brasil em 2021 para lidar com o desmatamento e as mudanças climáticas
Emissões crescentes de gases de efeito estufa
Em abril, o presidente Bolsonaro assumiu o compromisso de alcançar a neutralidade climática no Brasil em 2050 em vez de 2060, o que seria um avanço em relação ao seu plano de 2020, mas esse compromisso não foi formalizado em lei ou política. Em vez disso, no entanto, suas emissões aumentaram significativamente mesmo com a redução das emissões globais por causa da pandemia Covid-19, de acordo com as estimativas mais recentes.
As emissões do Brasil em 2020 foram maiores do que em qualquer outro ano desde 2006. Mudanças no uso da terra, incluindo a conversão de florestas para agricultura ou pastagens para gado, foram responsáveis por 46 por cento das emissões do Brasil em 2020, de acordo com uma análise do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), um coletivo de cientistas de organizações ambientais brasileiras e internacionais. As emissões pelo desmatamento na floresta amazônica e na savana arborizada do Cerrado representaram 90 por cento das emissões decorrentes das mudanças no uso da terra.
As emissões da agricultura e da pecuária, os principais motores do desmatamento no país, foram responsáveis por 27 por cento das emissões totais e aumentaram 2,5 por cento em relação ao ano anterior, atingindo seu nível mais alto já medido, mesmo com o governo executando um plano com a intenção de reduzir a poluição do setor, constatou a SEEG.
Plano Regressivo de Ação Climática
Em seu plano de ação climática de dezembro de 2020, o Brasil reiterou as mesmas metas de redução de emissões do plano de 2016, em vez de estabelecer metas mais ambiciosas conforme exigia o Acordo de Paris. Além disso, o plano aumentou a base de cálculo das reduções, permitindo que o Brasil aparente cumprir suas metas ao mesmo tempo em que faz reduções nas emissões significativamente menores do que o prometido originalmente.
O plano de 2020 também excluiu o compromisso previsto no anterior de zerar o desmatamento ilegal até 2030. Em abril de 2021, o presidente Bolsonaro assumiu o compromisso de alcançar a neutralidade climática no Brasil em 2050 em vez de 2060, o que seria um avanço em relação ao plano de 2020. Porém, o compromisso não foi formalizado em lei ou política, e as últimas estimativas mostram que as emissões do Brasil têm aumentado drasticamente, ao contrário do objetivo declarado.
O Climate Action Tracker, que fornece análises científicas independentes, classificou o plano geral do Brasil de 2020 como “altamente insuficiente” para cumprir a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5° C acima dos níveis pré-industriais. Se todos os outros países tivessem planos semelhantes ao do Brasil, o aquecimento chegaria a mais de 4° C até o final do século.
O último plano apresentado na COP26, embora não seja tão regressivo quanto o plano apresentado em 2020, ainda não representa um aumento de ambição em relação ao plano de 2016, já que não promete uma maior redução de emissões.
Planos Ambientais Inadequados
Antes da COP26, no dia 25 de outubro, o presidente Bolsonaro e vários de seus ministros anunciaram um “Programa Nacional de Crescimento Verde” em uma cerimônia no Palácio do Planalto. O programa, oficialmente adotado por meio de um decreto presidencial, tem como objetivo promover “a conservação de florestas e a proteção da biodiversidade” e “reduzir as emissões de gases de efeito estufa”. No entanto, o decreto prevê que um plano operativo, com ações e metas para a execução do programa, não teria que ser adotado até 30 de setembro de 2022, potencialmente adiando a implementação em um ano.
Em abril, o Conselho da Amazônia – órgão criado por decreto presidencial em fevereiro de 2020 e chefiado pelo vice-presidente da República – adotou um plano para reduzir o desmatamento na Amazônia para 8.670 quilômetros quadrados anuais até 2022. Seria uma redução em relação aos 10.800 quilômetros quadrados desmatados em 2020, segundo estimativas oficiais. No entanto, ainda é 15 por cento maior do que o desmatamento registrado em 2018, antes de Bolsonaro assumir o cargo, e longe da marca de 3.925 quilômetros quadrados que o Brasil deveria atingir em 2020, com base em compromissos climáticos anteriores. O desmatamento aumentou 22 por cento em 2021 e atingiu seu nível mais alto em 15 anos, de acordo com dados divulgados em 18 de novembro, indicando que o governo federal não está nem no caminho para cumprir esses objetivos modestos.
Em maio de 2020, o Ministério do Meio Ambiente publicou um plano nacional de controle do desmatamento ilegal em todos os biomas, com implementação até 2023. No entanto, o plano não definiu metas de redução do desmatamento. O seu plano operativo, publicado quase um ano depois, também não fixou essas metas, mas declarava “Reduzir o desmatamento e aperfeiçoar o controle ambiental” como um objetivo. O único indicador observado para acompanhar o progresso é o número de ações de fiscalização ambiental executadas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade nas unidades de conservação federais, e não se o desmatamento nessas áreas realmente diminuiu.
Embora proteger as unidades de conservação seja importante, essas áreas representaram apenas 12,4 por cento de todo o desmatamento no Brasil em 2020, e o plano não estabelece metas reais de redução do desmatamento mesmo nessas áreas. O plano tampouco estabelece metas de curto ou longo prazo para medir o progresso na redução do desmatamento em outras áreas sob pressão, como florestas públicas não designadas ou territórios indígenas.
Em Glasgow, a delegação do Brasil se comprometeu com a meta de acabar com o desmatamento ilegal até 2028, mas o governo ainda não apresentou um plano operacional para cumprir essa meta, ou para proteger os defensores da floresta e responsabilizar as redes criminosas que impulsionam a destruição da Amazônia pelos crimes ambientais e atos de violência cometidos.
Violência contra defensores da Floresta
Os povos indígenas e comunidades locais sempre desempenharam um papel importante nos esforços para proteger o meio ambiente. No entanto, a retração das atividades de fiscalização ambiental durante o governo Bolsonaro e a impunidade por crimes ambientais colocam em maior risco essas comunidades que atuam na linha de frente, pois as redes criminosas supostamente estão mais encorajadas a usar a violência e a intimidação contra esses defensores que se opõem as suas atividades.
Na bacia do Tapajós, um epicentro do garimpo ilegal de ouro na Amazônia, comunidades Munduruku que se opõem às atividades extrativistas em suas terras têm enfrentado ameaças e intimidações. Em maio, por exemplo, pessoas envolvidas no garimpo ilegal buscaram impedir uma operação de fiscalização ambiental e atearam fogo em casas de uma líder indígena e familiares.
Autoridades, líderes indígenas e outros residentes locais que falaram com a Human Rights Watch em outubro disseram que a situação dos defensores da floresta na Amazônia piorou sob o governo de Bolsonaro, já que muitos grupos criminosos se sentem empoderados para prosseguir com suas atividades ilegais.
Nas terras indígenas, que são áreas protegidas, invasões, extração de madeira, grilagem e outras incursões ilegais aumentaram 137 por cento em 2020, em comparação com o ano anterior à posse do presidente Bolsonaro, segundo o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), uma organização sem fins lucrativos com escritórios em todo o Brasil.
Sob este governo, o desmatamento em terras indígenas foi o maior da última década, sendo que 2019 marcou o pior ano pelo menos desde 2008, de acordo com dados oficiais.
Em julho de 2021, o Tribunal de Contas da União divulgou uma auditoria operacional que concluiu que declarações públicas de autoridades do poder executivo federal, em particular do presidente, desqualificando o trabalho de órgãos ambientais do governo têm prejudicado o exercício de fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), potencialmente incentivado o desmatamento, e coincidiram com o aumento de relatos de ameaças e violência contra fiscais.
Em agosto, a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista de Meio Ambiente (ASCEMA), entidade que representa servidores do Ministério do Meio Ambiente e de suas agências de fiscalização ambiental, denunciou ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Ministério Público do Trabalho (MPT) do Distrito Federal o “assédio moral coletivo” contra servidores. A petição destaca 64 casos de assédio, retaliação e outras práticas que interferiram no trabalho desses servidores.
[1] O Brasil se comprometeu na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima de 2009, conhecida como Cúpula de Copenhague, a reduzir o desmatamento na região amazônica em 80 por cento até 2020, em comparação ao desmatamento médio anual na região entre 1996 e 2005. Essa média foi de 19.625 quilômetros quadrados, que significa que para cumprir sua promessa, o Brasil teria que reduzir o desmatamento para 3.925 quilômetros quadrados por ano até 2020. O Brasil estabeleceu uma Política Nacional sobre Mudanças do Clima em 2009, implementada pelo Decreto 7.390 de 2010, substituído pelo Decreto 9.578 de 2018. Os decretos incorporaram ao direito doméstico o compromisso que o Brasil fez na Cúpula de Copenhague. Lei 12.187, de 29 de dezembro de 2009, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12187.htm (acesso em 30 de junho de 2019); Decreto 9.578, de 22 de novembro de 2018, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Decreto/D9578.htm (acesso em 26 de janeiro de 2021).