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COP26: Não se deixe enganar pelas promessas de Bolsonaro

Brasil ainda não tem um plano confiável para enfrentar a persistente crise na Amazônia

Incêndios perto de Novo Progresso, Brasil, em 23 de agosto de 2020, queimam terras desmatadas por criadores de gado. © 2020 Andre Penner/AP Images

*Uma versão anterior deste comunicado de imprensa foi publicada em 1º de novembro. Esta versão foi atualizada em 2 de novembro às 18h.

(São Paulo) – Os compromissos e políticas climáticas do Brasil estão muito aquém do que é necessário para enfrentar a crise ambiental e de direitos humanos na floresta amazônica. A delegação do Brasil chegou a Glasgow para a conferência global sobre mudanças climáticas (COP26) com um plano nacional de redução das emissões de gases do efeito estufa menos ambicioso do que o apresentado em 2016, e com novas metas de conservação florestal que não preveem um plano operacional para sua implementação. Em 25 de outubro de 2021, o Ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, um “Programa Nacional de Crescimento Verde” para avançar o desenvolvimento sustentável e promover a conservação das florestas, mencionando o potencial do Brasil para ser um “líder de uma nova agenda verde mundial”. Em novembro de 2021, a delegação brasileira na COP26 anunciou um novo plano para redução das emissões de gases do efeito estufa (Contribuição Nacionalmente Determinada ou NDC em inglês) que não representa um aumento nas ambições em relação ao primeiro plano apresentado em 2016.

“O governo Bolsonaro pretende que o mundo agora pense que o Brasil está comprometido em salvar a floresta amazônica”, disse Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch no Brasil. “Mas esses compromissos não podem ser levados a sério, considerando seu histórico desastroso e o fracasso em apresentar planos confiáveis para obter resultados que são urgentemente necessários no combate ao desmatamento.”

O “Programa Nacional de Crescimento Verde” lançado pelo Ministro Joaquim Leite não exige a adoção de um plano operativo, com metas e ações, para sua implementação até setembro de 2022. Além disso, embora a “proteção da biodiversidade” e “reduzir as emissões de gases de efeito estufa” estejam entre seus objetivos declarados, ele não inclui um compromisso explícito de redução do desmatamento, o principal vetor das emissões do Brasil.

Em Glasgow, a delegação brasileira também se comprometeu a acabar com o desmatamento ilegal até 2028, mas o governo não apresentou um plano operacional para cumprir essa meta. O governo também não apresentou um plano para proteger os defensores da floresta e responsabilizar as redes criminosas que impulsionam a destruição da Amazônia pelos crimes ambientais e atos de violência cometidos. O governo Bolsonaro também mantém uma postura hostil em relação aos direitos dos povos indígenas, promovendo a adoção de várias iniciativas legislativas que restringiriam arbitrariamente seus direitos a seus territórios, que estão entre as florestas melhor protegidas da Amazônia.

Desde o início do mandato em janeiro de 2019, o governo do presidente Jair Bolsonaro tem enfraquecido a fiscalização ambiental, encorajando, na prática, a atuação de redes criminosas que impulsionam o desmatamento e que usam ameaças e violência contra os defensores da floresta. Os responsáveis por esses ataques raramente são responsabilizados.

As taxas de desmatamento na Amazônia brasileira aumentaram dramaticamente durante os primeiros dois anos de Bolsonaro no governo. Embora estimativas preliminares sugiram uma ligeira queda no desmatamento em 2021 em comparação com 2020, a tendência de destruição dificilmente foi revertida. Com 10.800 quilômetros quadrados desmatados no ano passado, o Brasil está longe de cumprir seu compromisso, anteriormente estabelecido, de reduzir os índices anuais de desmatamento na Amazônia para 3.925 quilômetros quadrados até 2020.

O desmatamento na Amazônia brasileira está empurrando a floresta tropical em direção a um ponto de não retorno que, se ultrapassado, pode fazer com que ela seque, liberando bilhões de toneladas de dióxido de carbono, alterando os padrões climáticos em toda a América do Sul e dizimando a agricultura.

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma organização econômica intergovernamental, cancelou uma discussão sobre elevar o status do Brasil em seu comitê de meio ambiente por causa das políticas do presidente Bolsonaro, afetando negativamente as ambições do governo de ingressar na organização como membro permanente.

Vários líderes europeus disseram que não ratificariam o acordo comercial pendente entre a União Europeia e o Mercosul se o Brasil não reduzir o desmatamento e as queimadas na Amazônia. Um fundo bilionário parou de vender ativos da JBS, gigante do setor da carne, em 2020 devido ao alto risco de desmatamento ilegal em suas cadeias produtivas. Em abril, um grupo de 15 senadores dos Estados Unidos assinou uma carta pública declarando que a cooperação militar e econômica dos EUA com o Brasil – incluindo o apoio à candidatura do Brasil à OCDE – deveria ser condicionada a resultados do país na redução do desmatamento e no combate à impunidade em relação a crimes contra os defensores da floresta.

Depois de dois anos minimizando a crise na Amazônia e ignorando pedidos de ação, o governo Bolsonaro mudou o tom das declarações públicas em 2021. Em abril, na cúpula do clima patrocinada pelo presidente dos Estados Unidos Joe Biden, Bolsonaro prometeu pela primeira vez conter o desmatamento e aumentar os recursos para a fiscalização ambiental. Em setembro, na Assembleia Geral das Nações Unidas,  reconheceu que o Brasil tem “desafios ambientais” e alegou que o governo estaria combatendo o desmatamento ilegal.

No entanto, os planos anunciados no final de outubro e aqueles anteriormente adotados pelo governo Bolsonaro desde 2020 não possuem metas concretas de curto e longo prazos para medir o progresso na contenção do desmatamento. Os dois planos de combate ao desmatamento anteriormente apresentados pelo governo não têm metas de redução do desmatamento ou tem metas menos ambiciosas que compromissos anteriores.

Os parceiros internacionais do Brasil deveriam pressionar o governo de Jair Bolsonaro a tomar medidas imediatas para reverter a destruição ambiental, encorajada nos últimos dois anos. Especificamente, o Brasil deveria:

  • Submeter um plano nacional de ação climática (Contribuição Nacionalmente Determinada ou NDC) revisado, que seja mais ambicioso do que seu plano de 2016 e se alinhe com os objetivos do Acordo de Paris;
  • Produzir um plano com etapas operacionais concretas e metas mensuráveis para reduzir drasticamente o desmatamento, proteger os defensores da floresta e garantir a responsabilização nos crimes ambientais e atos de violência relacionados.
  • “O Brasil está completamente fora de sintonia com o crescente consenso internacional sobre a necessidade de preservar as florestas e reduzir as emissões de gases de efeito estufa”, disse Daniel Wilkinson, Diretor Interino de Meio Ambiente e Direitos Humanos da Human Rights Watch. “As promessas do governo significam muito pouco sem planos operacionais concretos e confiáveis ​​para cumprir essas metas.”

Para obter detalhes sobre as promessas do Brasil e os planos existentes, consulte abaixo.

 

Promessas vazias do Brasil

Emissões crescentes de gases de efeito estufa

Em abril, o presidente Bolsonaro assumiu o compromisso de alcançar a neutralidade climática no Brasil em 2050 em vez de 2060, o que seria um avanço em relação ao seu plano de 2020, mas esse compromisso não foi formalizado em lei ou política. Tampouco existem políticas detalhando metas intermediárias e de curto prazo que permitiriam ao Brasil atingir esse objetivo. Em vez disso, suas emissões aumentaram significativamente, de acordo com as estimativas mais recentes.

As emissões do Brasil em 2020 foram maiores do que em qualquer outro ano desde 2006. Mudanças no uso da terra, incluindo a conversão de florestas para agricultura ou pastagens para gado, foram responsáveis por 46 por cento das emissões do Brasil em 2020, de acordo com uma análise do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), um coletivo de cientistas de organizações ambientais brasileiras e internacionais. As emissões pelo desmatamento na floresta amazônica e na savana arborizada do Cerrado representaram 90 por cento das emissões decorrentes das mudanças no uso da terra.

As emissões da agricultura e da pecuária, os principais motores do desmatamento no país, foram responsáveis por 27 por cento das emissões totais e aumentaram 2,5 por cento em relação ao ano anterior, atingindo seu nível mais alto já medido, mesmo com o governo executando um plano com a intenção de reduzir a poluição do setor, constatou a SEEG.

 

Plano Regressivo de Ação Climática

Em seu plano de ação climática de dezembro de 2020, o Brasil reiterou as mesmas metas de redução de emissões do plano de 2016, em vez de estabelecer metas mais ambiciosas conforme exigia o Acordo de Paris. Além disso, o plano aumentou a base de cálculo das reduções, permitindo que o Brasil aparente cumprir suas metas ao mesmo tempo em que faz reduções nas emissões significativamente menores do que o prometido originalmente.

O plano de 2020 também foi excluído o compromisso previsto no anterior de zerar o desmatamento ilegal até 2030. Em abril de 2021, o presidente Bolsonaro assumiu o compromisso de alcançar a neutralidade climática no Brasil em 2050 em vez de 2060, o que seria um avanço em relação ao plano de 2020. Porém, o compromisso não foi formalizado em lei ou política, e as últimas estimativas mostram que as emissões do Brasil aumentaram drasticamente, ao contrário do objetivo declarado.

O Climate Action Tracker, que fornece análises científicas independentes, classifica o plano geral do Brasil de 2020 como “altamente insuficiente” para cumprir a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5° C acima dos níveis pré-industriais. Se todos os outros países tivessem planos semelhantes ao do Brasil, o aquecimento chegaria a mais de 4° C até o final do século.

O último plano apresentado na COP26 tratou parcialmente dos retrocessos trazidos pelo plano apresentado em 2020 mas não representa um aumento de ambição em relação ao plano de 2016.

 

Planos Ambientais Inadequados

Antes da COP26, no dia 25 de outubro, o presidente Bolsonaro e vários de seus ministros anunciaram um “Programa Nacional de Crescimento Verde” em uma cerimônia no Palácio do Planalto. O programa, oficialmente adotado por meio de um decreto presidencial, tem como objetivo promover “a conservação de florestas e a proteção da biodiversidade” e “reduzir as emissões de gases de efeito estufa”. No entanto, o decreto prevê que um plano operativo, com ações e metas para a execução do programa, não teria que ser adotado até 30 de setembro de 2022, potencialmente adiando a implementação em um ano.

Em abril, o Conselho da Amazônia – órgão criado por decreto presidencial em fevereiro de 2020 e chefiado pelo vice-presidente da República – adotou um plano para reduzir o desmatamento na Amazônia para 8.670 quilômetros quadrados anuais até 2022. Seria uma redução em relação aos 10.800 quilômetros quadrados desmatados em 2020, segundo estimativas oficiais. No entanto, ainda é 15 por cento maior do que o desmatamento registrado em 2018, antes de Bolsonaro assumir o cargo, e longe da marca de 3.925 quilômetros quadrados que o Brasil deveria atingir em 2020, com base em compromissos climáticos anteriores. Nenhum compromisso formal foi assumido para continuar a reduzir o desmatamento em um montante específico após 2022.

Estimativas preliminares sugerem que o desmatamento este ano pode cair 5 por cento na Amazônia em relação a 2020. No entanto, os números preliminares geralmente subestimam as estimativas finais em vários milhares de quilômetros quadrados.

 

Período

Agosto 2015 – Julho 2016

Agosto 2016 – Julho 2017

Agosto 2017 – Julho 2018

Agosto 2018 – Julho 2019

Agosto 2019 – Julho 2020

Agosto 2020 – Jullho 2021

 

Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (DETER) (km2)

 

5377

4639

4570

6843

9215

8792

 

Programa de Monitoramento por Satélite do Desmatamento da Amazônia Legal (PRODES) (km2)

 

7893

6947

7536

10129

10851

N/A

Fontes: Programa de Monitoramento por Satélite do Desmatamento da Amazônia Legal (PRODES) e Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (DETER) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). As estimativas finais são fornecidas como um dado consolidado anual pelo período de agosto até julho.

Em maio de 2020, o Ministério do Meio Ambiente publicou um plano nacional de controle do desmatamento ilegal em todos os biomas, com implementação até 2023. No entanto, o plano não definiu metas de redução do desmatamento. O seu plano operativo, publicado quase um ano depois, também não fixou essas metas, mas declarava “Reduzir o desmatamento e aperfeiçoar o controle ambiental” como um objetivo. O único indicador estabelecido para acompanhar o progresso é o número de ações de fiscalização ambiental executadas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade nas unidades de conservação federais, e não se o desmatamento nessas áreas realmente diminuiu.

Embora proteger as unidades de conservação seja importante, essas áreas representaram apenas 12,4 por cento de todo o desmatamento no Brasil em 2020, e o plano não estabelece metas reais de redução do desmatamento mesmo nessas áreas. O plano tampouco estabelece metas de curto ou longo prazo para medir o progresso na redução do desmatamento em outras áreas sob pressão, como florestas públicas não designadas ou territórios indígenas.

Em Glasgow, a delegação do Brasil se comprometeu com a meta de acabar com o desmatamento ilegal até 2028, mas o governo ainda não apresentou um plano operacional para cumprir essa meta, ou para proteger os defensores da floresta e responsabilizar as redes criminosas que impulsionam a destruição da Amazônia pelos crimes ambientais e atos de violência cometidos.

 

Violência contra defensores da floresta

Os povos indígenas e comunidades locais sempre desempenharam um papel importante nos esforços para proteger o meio ambiente. No entanto, a retração das atividades de fiscalização ambiental durante o governo Bolsonaro e a impunidade por crimes ambientais colocam essas comunidades, que atuam na linha de frente, em maior risco, pois as redes criminosas usam a violência e a intimidação contra esses defensores da floresta, sempre que denunciam ou se opõem as suas atividades.

Na bacia do Tapajós, um epicentro do garimpo ilegal de ouro na Amazônia, comunidades Munduruku que se opõem às atividades extrativistas em suas terras têm enfrentado ameaças e intimidações. Em maio, por exemplo, pessoas envolvidas no garimpo ilegal buscaram impedir uma operação de fiscalização ambiental e atearam fogo em casas de uma líder indígena e sua família.

Autoridades, líderes indígenas e outros residentes locais que falaram com a Human Rights Watch em outubro disseram que a situação dos defensores da floresta na Amazônia piorou sob o governo de Bolsonaro, já que muitos grupos criminosos se sentem empoderados para prosseguir com suas atividades ilegais.

Nas terras indígenas, que são áreas protegidas, invasões, extração de madeira, grilagem e outras incursões ilegais aumentaram 137 por cento em 2020, em comparação com o ano anterior à posse do presidente Bolsonaro, segundo o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), uma organização sem fins lucrativos com escritórios em todo o Brasil.

Sob este governo, o desmatamento em terras indígenas é o maior da última década, sendo que 2019 marcou o pior ano pelo menos desde 2008, de acordo com dados oficiais.

Em julho de 2021, o Tribunal de Contas da União divulgou uma auditoria operacional que concluiu que declarações públicas de autoridades do poder executivo federal, em particular do presidente, desqualificando o trabalho de órgãos ambientais do governo têm prejudicado o exercício de fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA)​, potencialmente incentivado o desmatamento, e coincidiram com o aumento de relatos de ameaças e violência contra fiscais.

Em agosto, a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista de Meio Ambiente (ASCEMA), entidade que representa servidores do Ministério do Meio Ambiente e de suas agências de fiscalização ambiental, denunciou ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Ministério Público do Trabalho (MPT) do Distrito Federal o “assédio moral coletivo” contra servidores. A petição destaca 64 casos de assédio, retaliação e outras práticas que interferiram no trabalho desses servidores.

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