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Nicarágua: acusações sem provas contra críticos

Condições abusivas de detenção, violação do devido processo e processos arbitrários

Lesbia Alfaro, mãe do líder estudantil Lesther Alemán, que foi para o exílio após participar de protestos contra o governo do presidente da Nicarágua Daniel Ortega em 2018, segura um retrato de seu filho durante uma entrevista à AFP em Manágua, em 14 de setembro de 2021. © 2021 Photo by OSWALDO RIVAS/AFP via Getty Images.

Novas evidências indicam que dezenas de críticos que o governo da Nicarágua deteve arbitrariamente por meses, a maioria deles acusados ​​de “traição”, estão sendo mantidos incomunicáveis ​​e frequentemente submetidos a exaustivos interrogatórios e em condições abusivas, incluindo confinamento em solitária prolongado ou alimentação insuficiente, disse a Human Rights Watch hoje. O governo acusou muitos de graves crimes sem fornecer provas que fundamentem as acusações, o que deixa em evidência que se trata de perseguições com motivação política como forma de retaliação por se oporem ao governo.

O governo da Nicarágua, chefiado pelo presidente Daniel Ortega, deteve arbitrariamente 36 críticos desde o final de maio de 2021, em um momento em que o país se prepara para eleições presidenciais em 7 de novembro. Em 31 de agosto, após acusações de que os críticos foram vítimas de desaparecimentos forçados já que seus paradeiros permaneciam desconhecidos, as autoridades nicaraguenses permitiram breves visitas de familiares pela primeira vez desde suas prisões. No final de agosto, o Ministério Público começou a apresentar denúncias contra a maioria deles em processos criminais que careciam de garantias básicas de devido processo legal. As denúncias, por crimes envolvendo penas de prisão de 15 a 25 anos, incluem desde lavagem de dinheiro até, mais frequentemente, "conspiração para prejudicar a integridade nacional".

“A velocidade com a qual o governo de Ortega leva a cabo está onda de detenções antes das eleições de novembro, submetendo seus críticos a terríveis condições de detenção e os acusando de crimes sem respeitar o devido processo revela que Ortega não tem a mínima intenção de perder as eleições”, disse José Miguel Vivanco, diretor de Américas da Human Rights Watch. “O governo de Ortega deve libertar imediata e incondicionalmente todos os presos políticos, e a comunidade internacional deve manter a pressão sobre seu governo para elevar o custo de suas práticas abusivas.”

Em 7 de setembro, o Ministério Público ordenou a prisão de Sergio Ramírez, famoso escritor e ex-vice-presidente de Ortega, que critica abertamente o atual governo. Ramírez fugiu da Nicarágua em junho após testemunhar em um dos casos contra opositores políticos e permanece no exterior. O Ministério Público também processou e ordenou a detenção de vários jornalistas e acadêmicos que vivem ou estão exilados no exterior.

Desde agosto, a Human Rights Watch conduziu entrevistas por telefone com 19 pessoas que têm informações sobre 28 dos 36 casos de pessoas detidas arbitrariamente desde o final de maio. Por temer represarias, não publicamos as identidades dos detidos cujos casos foram discutidos e dos entrevistados. A Human Rights Watch também analisou fontes oficiais, incluindo registros policiais, comunicados de imprensa do Ministério Público, documentos judiciais, artigos na imprensa e publicações de grupos de direitos humanos locais e internacionais para corroborar seus depoimentos.

Os familiares que puderam ver os detidos, em alguns casos após meses, descreveram condições prisionais abusivas, incluindo alimentação insuficiente e tempo muito limitado de banho de sol, interrogatórios diários sem a presença de um advogado e, para alguns, confinamento solitário prolongado.

O confinamento solitário prolongado – isto é, o confinamento em solitária que dura 15 dias consecutivos ou mais – equivale à tortura e é proibido pela legislação internacional, disse a Human Rights Watch.

Entre 28 de maio e 6 de setembro, o governo desencadeou uma onda de prisões arbitrárias, para facilitar o caminho para a reeleição do presidente Ortega para um quarto mandato consecutivo em novembro. A polícia prendeu sete candidatos presidenciais da oposição e 29 críticos do governo, incluindo oponentes políticos, jornalistas, defensores de direitos humanos, estudantes e líderes empresariais e comunitários. Em alguns casos, a polícia usou de violência durante as prisões, incluindo espancamento de pessoas que não apresentaram resistência. Entre os detidos, 32 estão na penitenciária Direção de Assistência Judiciária (também conhecida como El Chipote), onde no passado foram torturados críticos do governo de Ortega, e quatro estão em prisão domiciliária.

As autoridades nicaraguenses iniciaram investigações contra a maioria deles por supostamente “pedir intervenções militares”, “organizar atos terroristas e desestabilizadores com financiamento de potências estrangeiras”, “solicitar, exaltar e aplaudir a imposição de sanções contra a Nicarágua e seus cidadãos”, e “incitar a interferência estrangeira nos assuntos da Nicarágua”. A polícia citou disposições de uma lei recente que proíbe os chamados “traidores da pátria” – um termo com definição extremamente imprecisa — de concorrer ou ocupar cargos públicos. Uma candidata presidencial foi acusada de “lavagem de dinheiro” por meio de uma organização que promove a liberdade de imprensa, juntamente com outros dois membros da organização.

Desde fevereiro, uma reforma do Código de Processo Penal permite aos promotores manter pessoas detidas por até 90 dias sem denúncia. Em quase todos os casos envolvendo críticos do governo, os tribunais permitiram a detenção por esse prazo.

A maioria dos críticos foi processada por “conspiração para prejudicar a integridade nacional” por meio de procedimentos que careciam das garantias mais básicas do devido processo legal. Muitos foram mantidos incomunicáveis ​​por meses, sem visitas de familiares ou acesso a seus advogados, apesar das inúmeras petições aos tribunais. As autoridades proibiram seus advogados de participarem de audiências públicas, impondo defensores públicos no lugar deles. Durante meses, a maioria dos advogados não teve acesso aos documentos judiciais, apesar de solicitá-los repetidamente.

Nos casos em que a Human Rights Watch pôde revisar a denúncia, os promotores muitas vezes não identificaram atos específicos dos réus para sustentar as acusações. Os atos que eles identificaram geralmente eram comportamentos protegidos pelas normas internacionais de direitos humanos sobre liberdade de expressão e não deveriam ser criminalizados.

Em muitos casos, os promotores repetiram literalmente as mesmas alegações contra várias pessoas em processos diferentes. Em todos os documentos analisados ​​pela Human Rights Watch, os promotores justificaram graves acusações de enfraquecer a "integridade nacional" da Nicarágua exclusivamente com base em alegações de que os acusados ​​deram entrevistas a meios de comunicação, compartilharam mensagens do WhatsApp, participaram de reuniões ou assinaram cartas que apoiavam as sanções contra as autoridades nicaraguenses, pediram eleições livres ou exigiram a condenação internacional dos abusos do governo.

Alguns detidos sofrem doenças crônicas ou necessitam de acesso regular a remédios, mas os juízes não responderam às petições de seus advogados solicitando acesso a exames médicos. Os guardas prisionais às vezes recebem ou solicitam remédios de parentes, mas, em alguns casos, as autoridades se recusam a permitir que parentes entreguem suprimentos médicos.

Além das 36 prisões realizadas desde o final de maio de 2021, grupos de direitos humanos da Nicarágua relatam que outras 104 pessoas consideradas críticas ao governo foram detidas anteriormente e, até agosto, permaneciam privadas de liberdade. Muitas estavam detidas há mais de um ano e enfrentavam condições de detenção abusivas semelhantes as documentas neste relatório.

 

Para mais detalhes sobre os casos e acusações veja o relatório completo em inglês ou espanhol.

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