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Brasil: Bolsonaro ameaça pilares da democracia

Presidente ataca o Supremo Tribunal Federal, ameaça eleições, viola a liberdade de expressão

O Presidente Jair Bolsonaro, em um comício em 07 de setembro de 2021 em São Paulo, Brasil. © Amauri Nehn/NurPhoto via AP

O presidente Jair Bolsonaro está ameaçando os pilares da democracia brasileira, disse a Human Rights Watch hoje, no Dia Internacional da Democracia. Ele buscou intimidar o Supremo Tribunal Federal (STF) e tem ameaçado cancelar as eleições em 2022 ou, de alguma outra forma, negar aos brasileiros o direito de eleger seus representantes, ao mesmo tempo em que viola a liberdade de expressão daqueles que o criticam.

Em 7 de setembro de 2021, em discursos durante manifestações em Brasília e São Paulo, o presidente Bolsonaro atacou o Supremo Tribunal Federal e alertou aos brasileiros que “não podemos admitir” a manutenção do sistema eleitoral existente e que não poderia haver “eleições que pairem dúvidas sobre os eleitores”, citando alegações de fraude eleitoral sem nenhuma evidência. O Congresso rejeitou uma emenda constitucional defendida por Bolsonaro para mudar o processo eleitoral com base nessas acusações. Os discursos recentes fazem parte de um padrão de ações e declarações do presidente que parecem destinadas a enfraquecer os direitos fundamentais, as instituições democráticas e o Estado de Direito no Brasil.

“O presidente Bolsonaro, um apologista da ditadura militar no Brasil, está cada vez mais hostil ao sistema democrático de freios e contrapesos”, disse José Miguel Vivanco, diretor de Américas da Human Rights Watch. “Ele está usando uma mistura de insultos e ameaças para intimidar a Suprema Corte, responsável por conduzir as investigações sobre sua conduta, e com suas alegações infundadas de fraude eleitoral parece estar preparando as bases para tentar cancelar as eleições do próximo ano ou contestar a decisão da população se ele não for reeleito”.

O Supremo Tribunal Federal tornou-se um dos principais freios das políticas anti-direitos humanos do presidente Bolsonaro, como por exemplo, seu esforço para, na prática, suspender a lei de acesso à informação. Em vez de respeitar a independência do sistema judiciário, o presidente tem respondido com insultos e ameaças, disse a Human Rights Watch.

No dia 7 de setembro, o presidente Bolsonaro disse que não acataria nenhuma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. O ministro Moraes conduz as investigações da Polícia Federal sobre eventual interferência ilegal do presidente nas nomeações internas da Polícia Federal a fim de promover seus interesses pessoais, o vazamento de um documento sigiloso da Polícia Federal por motivos políticos e a disseminação de informações falsas sobre o sistema eleitoral.

Em seu discurso, o presidente Bolsonaro disse ao ministro Alexandre de Moraes para arquivar os referidos inquéritos e disse ao presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, que se ele não “enquadrar” o ministro Moraes, o judiciário “pode sofrer aquilo que nós não queremos”, sem explicar o que isso significa.

Outro inquérito em andamento, autorizado por uma ministra do Supremo, examina se o presidente Bolsonaro cometeu prevaricação em relação a um caso de suposta corrupção na compra de vacinas para Covid-19.

Em 8 de setembro, o presidente do STF, ministro Fux, respondeu que insultar os ministros e incitar o descumprimento de decisões judiciais “são práticas antidemocráticas, ilícitas e intoleráveis”.

Em 9 de setembro, após inúmeras críticas nacionais e internacionais sobre seus posicionamentos, o presidente Bolsonaro disse em uma declaração escrita que nunca teve a intenção de “agredir quaisquer Poderes”. Mas ele não recuou em relação à afirmação infundada de que o sistema eleitoral brasileiro não é confiável, como repetiu em 7 de setembro.

Anteriormente, o presidente Bolsonaro havia alegado, sem fornecer qualquer evidência, que as duas últimas eleições presidenciais foram fraudadas, incluindo sua própria eleição, na qual alegou ter obtido mais votos do que a contagem final mostrava. Desde 1996, o Brasil utiliza urnas eletrônicas não conectadas à Internet. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) afirmou que não houve “qualquer vestígio ou comprovação de fraude” desde então. Em 9 de setembro, o TSE instituiu uma comissão de transparência composta por órgãos públicos, sociedade civil e especialistas para monitorar e auditar as próximas eleições.

Em 4 de agosto, o ministro Alexandre de Moraes determinou a instauração de uma investigação sobre o presidente Bolsonaro por suas alegações sem provas sobre fraude eleitoral. A investigação irá  apurar se o presidente acusou falsamente alguém de cometer um crime ou infração com finalidade eleitoral, incitou a subversão da ordem política ou social ou cometeu outros crimes.

O presidente ameaçou reagir fora das “quatro linhas” da Constituição. Ele também encaminhou ao Senado um pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, algo inédito desde que a democracia foi restaurada no Brasil em 1985. O pedido foi rejeitado pelo presidente do Senado.

O presidente Bolsonaro quer que as urnas eletrônicas imprimam um recibo do voto e o deposite automaticamente dentro de uma urna de acrílico. Luís Barroso, ministro do STF e atual presidente do TSE, disse que a proposta é “uma solução arriscada para um problema que não existe” e pode possibilitar o tipo de fraude que ocorria quando o Brasil ainda utilizava cédulas de papel.

O presidente Bolsonaro respondeu o ministro Barroso com insultos, acusando-o de querer fraudar a eleição presidencial de 2022, na qual Bolsonaro planeja concorrer à reeleição.

Em janeiro, o presidente Bolsonaro disse que, a menos que o sistema eleitoral seja alterado, o Brasil terá “um problema pior que os Estados Unidos”, onde, segundo ele, houve fraude eleitoral nas eleições de 2020 – uma alegação falsa. E em julho, ele ameaçou: “corremos o risco de não termos eleições no ano que vem”.

O Congresso rejeitou a proposta de voto impresso em 10 de agosto. Ainda assim, em 7 de setembro, o presidente Bolsonaro deu a entender que as eleições não podem ser realizadas a menos que as mudanças que ele defende sejam implementadas. Essa ameaça é uma afronta ao direito dos brasileiros de eleger seus representantes, o que é protegido pela legislação internacional de direitos humanos, disse a Human Rights Watch.

O presidente Bolsonaro frequentemente afirma defender a “democracia”, mas suas declarações levantam dúvidas sobre o que ele entende por democracia, disse a Human Rights Watch. Ex-capitão do Exército, ele é um defensor da ditadura militar (1964-1985), período marcado por milhares de casos de tortura e assassinatos. O presidente Bolsonaro restabeleceu as comemorações de aniversário do golpe de 1964, que seu governo já definiu como “marco para a democracia brasileira”, e ele também chamou um coronel que comandava um dos centros de tortura da ditadura de “herói nacional”.

Em abril e maio de 2020, em um momento no qual o presidente Bolsonaro já atacava o Supremo Tribunal Federal, seus apoiadores realizaram manifestações pedindo por um golpe militar e pelo fechamento do STF e do Congresso.

O presidente Bolsonaro ocupou o governo federal com mais de 6.000 militares da ativa e da reserva, inclusive em cargos importantes do seu gabinete. Ele sugeriu diversas vezes que as forças armadas apoiam ​​seu governo. Em uma manifestação em maio de 2020, ele disse: “nós temos as Forças Armadas ao lado do povo”. Em outra manifestação, em janeiro de 2021, ele afirmou que “quem decide se um povo vai viver numa democracia ou numa ditadura são as suas Forças Armadas”.

Além disso, o presidente Bolsonaro tem violado a liberdade de expressão, que é vital para uma democracia saudável. Ele bloqueia seguidores que o criticam em contas de redes sociais que utiliza para anunciar e discutir assuntos de interesse público.

Seu governo requisitou a instauração de inquéritos criminais contra pelo menos 16 críticos, incluindo jornalistas, professores universitários e políticos. Mesmo que muitos desses casos tenham sido arquivados sem denúncias, as ações do governo mandam a mensagem de que criticar o presidente pode levar à perseguição, disse a Human Rights Watch.

O direito internacional protege o direito ao voto e a liberdade de expressão e a independência do judiciário. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), ratificado pelo Brasil, estabelece que “(t)odo cidadão terá o direito e a possibilidade (...) de votar e de ser eleito em eleições periódicas, autênticas (...) que garantam a manifestação da vontade dos eleitores”.

O Comitê de Direitos Humanos da ONU, órgão especializado e independente, responsável por realizar interpretações oficiais do PIDCP, declarou que “eleições periódicas genuínas (...) são essenciais para assegurar a responsabilidade dos representantes pelo exercício dos poderes legislativos ou executivos que lhes são conferidos” e acrescentou que “as eleições devem ser conduzidas de forma justa e livre, periodicamente, dentro de uma estrutura de leis que garantam o exercício efetivo do direito ao voto.”

O PIDCP também protege o direito à liberdade de expressão, incluindo a liberdade de “procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza”. E os Princípios Básicos das Nações Unidas sobre a Independência do Judiciário afirmam que o Judiciário deve “decidir todos os casos que lhes sejam submetidos com imparcialidade, baseando-se nos fatos e em conformidade com a lei, sem quaisquer restrições e sem quaisquer outras influências, aliciamentos, pressões, ameaças ou intromissões indevidas, sejam diretas ou indiretas, de qualquer setor ou por qualquer motivo”.

“As ameaças do presidente Bolsonaro de cancelar as eleições e agir fora da constituição em resposta às investigações contra ele são imprudentes e perigosas”, disse Vivanco. “A comunidade internacional deve mandar uma mensagem clara ao presidente Bolsonaro de que a independência do judiciário significa que os tribunais não estão sujeitos as suas ordens.”

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