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O presidente Jair Bolsonaro participa, sem máscara, de uma cerimônia junto com ministros e autoridades de máscara. Brasília, 7 de setembro de 2020. © Marcelo Camargo/Agência Brasil

O governo do presidente Jair Bolsonaro está usando uma lei repressiva promulgada durante a ditadura (1964-1985) para pedir sentenças de prisão contra pessoas que criticaram sua resposta desastrosa à pandemia de Covid-19, disse a Human Rights Watch hoje.

Desde junho de 2020, a Polícia Federal instaurou inquéritos com base na Lei de Segurança Nacional de 1983, a pedido do governo, contra pelo menos quatro pessoas por críticas.

O governo também requisitou uma investigação criminal contra um ministro do Supremo Tribunal Federal, com base na mesma lei, e contra dois jornalistas com base em outra lei. A Polícia Federal e o Ministério Público não informaram se abriram investigações nos três casos.

“A Lei de Segurança Nacional concede proteções especiais à reputação do presidente ou de outras autoridades do alto escalão, e das forças armadas, algo que nenhum outro cidadão ou instituição brasileira recebe”, disse José Miguel Vivanco, diretor da divisão de Américas da Human Rights Watch. “Em um país democrático que protege a liberdade de expressão,  a população deveria ser capaz de monitorar e criticar autoridades, e debater livremente questões de interesse público, sem medo de retaliação ou punição.”

No dia 15 de junho, o Ministro da Justiça, André Mendonça, afirmou no Twitter que pediu à Polícia Federal e à Procuradoria-Geral da República que investigassem o cartunista Renato Aroeira por uma charge e o jornalista Ricardo Noblat por compartilhá-la online.

A charge retratava o presidente Bolsonaro com um pincel após pintar as pontas de uma cruz vermelha para transformá-la em uma suástica. No desenho, Bolsonaro diz: “Bora invadir outro?”, em referência a um vídeo no qual ele encoraja apoiadores a invadir hospitais para verificar se os leitos estavam realmente ocupados por pacientes com Covid-19, algo que questionava.

Mendonça disse que a charge – e o compartilhamento por Noblat – violou o artigo 26 da Lei de Segurança Nacional, que pune com até quatro anos de prisão caluniar ou difamar o presidente da República, do Senado, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal.

Em 7 de julho, Mendonça tuitou que pediria à Polícia Federal que investigasse Hélio Schwartsman, um colunista, também com base no artigo 26, por um artigo de opinião no qual acusou Bolsonaro de sabotar os esforços para conter a Covid-19 e disse torcer para que morresse o presidente, que tinha sido diagnosticado com coronavírus na época, sugerindo que sua morte salvaria vidas.

A Polícia Federal instaurou inquéritos sobre os três casos. O Superior Tribunal de Justiça suspendeu temporariamente o inquérito contra Schwartsman.

No dia 14 de julho, o Ministério da Defesa pediu à Procuradoria-Geral da República que investigasse Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal, por criticar a falta de ação do Ministério da Saúde, chefiado por um general da ativa, na contenção do Covid-19 e por afirmar que “o Exército está se associando a esse genocídio”. O Ministério da Defesa disse que a declaração violou o artigo 23 da Lei de Segurança Nacional, que pune com até quatro anos de prisão quem “incitar à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis”, bem como disposições adicionais dos códigos penal e militar.

A Procuradoria-Geral não informou se abriu uma investigação.

Em 20 de julho, Mendonça encaminhou pedido por escrito ao diretor da Polícia Federal para investigar Marcelo Feller, advogado criminalista, por violação do artigo 26 da Lei de Segurança Nacional. Durante um debate na televisão sobre a declaração do ministro Mendes em relação ao Exército, Feller disse que um estudo mostrou que as declarações do presidente Bolsonaro levaram as pessoas a não tomar as medidas adequadas contra a Covid-19 e que, como resultado, ele era responsável por pelo menos 10 por cento das mortes por Covid-19 no país.

Oito dias depois, a Polícia Federal instaurou um inquérito, dirigido por sua divisão de contrainteligência. Feller soube da investigação somente em 13 de janeiro de 2021, quando a Polícia Federal o intimou para dar depoimento, disse Feller à Human Rights Watch.

“É uma tentativa de me silenciar”, completou.

Em 21 de janeiro de 2021, um procurador arquivou o inquérito policial contra Feller, afirmando que a Lei de Segurança Nacional não pode ser usada para “perseguir qualquer pessoa que se oponha licitamente, externando críticas ou opiniões desfavoráveis ao governo, por mais ásperas que elas sejam”. Dois dias depois, o Superior Tribunal de Justiça também suspendeu o depoimento de Feller perante a polícia, concluindo que ele não havia cometido nenhum crime.

Em 10 de janeiro, Mendonça disse no Twitter que pediria à polícia que investigasse dois jornalistas por “instigarem dois Presidentes da República a suicidar-se”. Ele estava se referindo ao escritor Ruy Castro, que disse em sua coluna que caso o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, quisesse se tornar um mártir, ele poderia optar pelo suicídio, e o presidente Bolsonaro deveria imitá-lo. O ministro também se referia ao jornalista Ricardo Noblat, que compartilhou a coluna online.

Mendonça acusou ambos de violar o artigo 122 do Código Penal, que pune aquele que “induzir ou instigar” o suicídio com até quatro anos de prisão. Esse artigo visa punir condutas que possam levar ao suicídio, o que não é o caso em questão, em que está sendo usado para coibir a liberdade de expressão, disse a Human Rights Watch.

As leis penais de difamação são incompatíveis com a obrigação  de proteger a liberdade de expressão, segundo o direito internacional dos direitos humanos, disse a Human Rights Watch.

O relator especial da ONU sobre a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião afirmou, em 2000, que a prisão nunca deveria ser aplicada como uma punição por difamação e recomendou que os países revogassem suas leis penais de difamação.

O artigo 11 da Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão, aprovada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em 2000, afirma que “os funcionários públicos estão sujeitos a maior escrutínio da sociedade. As leis que punem a expressão ofensivas contra funcionários públicos, geralmente conhecidas [na América Latina] como ‘leis de desacato’, atentam contra a liberdade de expressão e o direito à informação.”

O relator especial da CIDH para a liberdade de expressão afirmou que “o uso de mecanismos penais para punir manifestações sobre assuntos de interesse público ou sobre funcionários públicos pode constituir uma forma de censura indireta, devido ao seu efeito intimidante e inibidor do debate público.”

“O presidente Bolsonaro, um defensor declarado do regime militar brasileiro, está usando uma lei repressiva da ditadura para tentar intimidar e silenciar as pessoas que discordam dele”, disse Vivanco. “O Congresso deveria fazer com que as leis do Brasil estejam em conformidade com as normas internacionais de direitos humanos e deveria revogar os artigos 23, 26 e outras disposições da Lei de Segurança Nacional que violam a liberdade de expressão.”
 

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