(São Paulo) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou hoje, 17 de setembro de 2025, a primeira lei do país para proteger os direitos das crianças no ambiente digital, disse a Human Rights Watch.
A lei, denominada ECA Digital tem como objetivo atualizar o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 para proteger os direitos das crianças no ambiente digital. As empresas de tecnologia que ofereçam serviços que possam ser usados por crianças serão obrigadas a criar produtos levando em consideração os melhores interesses dos usuários jovens e a fornecer a eles, por padrão, os mais altos níveis de privacidade e segurança.
“As crianças brasileiras estão finalmente recebendo a proteção de que precisam e merecem para aprender, explorar e brincar com segurança online”, disse Hye Jung Han, pesquisadora dos direitos das crianças e de tecnologia na Human Rights Watch.
A nova lei amplia as proteções para crianças previstas na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais do Brasil, que são insuficientes.
Duas das disposições mais fortes do ECA Digital respondem às preocupações levantadas diretamente em investigações recentes da Human Rights Watch. Uma disposição proíbe as plataformas de usarem os dados pessoais de crianças e adolescentes de maneira que “cause, facilite ou contribua para a violação de sua privacidade ou de quaisquer outros direitos a eles assegurados em lei”, visando seus melhores interesses”. Em junho de 2024, a Human Rights Watch documentou que fotos pessoais de crianças brasileiras foram usadas para construir poderosas ferramentas de inteligência artificial, posteriormente exploradas para criar deepfakes abusivos de outras crianças.
Outra proteção na lei proíbe os serviços online de criar perfis de crianças para direcionar a elas publicidade comportamental, o que implica rastrear o comportamento online de uma criança para prever suas características e influenciar seus comportamentos e interesses. Isso reflete as recomendações das investigações da Human Rights Watch de abril de 2023 e maio de 2022, que documentaram que crianças no Brasil e em todo o mundo foram secretamente vigiadas em suas salas de aula online e na internet por meio de técnicas invasivas de criação de perfis e publicidade comportamental.
A aprovação desta lei reflete uma forte vontade política de proteger os direitos das crianças online, afirmou a Human Rights Watch. A lei, que foi apresentada pela primeira vez pelos senadores Flávio Arns e Alessandro Vieira em 2022, foi aprovada por unanimidade no Senado em novembro de 2024, e aprovada na Câmara dos Deputados em agosto de 2025 com o apoio de todos os partidos políticos, exceto um. O Senado a aprovou novamente apenas uma semana depois.
Esse amplo apoio permitiu sua aprovação mesmo com a forte oposição das empresas de tecnologia. O lobby da indústria enfraqueceu algumas das propostas originais da legislação, incluindo a remoção, na versão do projeto aprovada pela Câmara dos Deputados, da proibição das “caixas de recompensa” nos videogames, que incentivam as crianças a gastar dinheiro em recompensas aleatórias . Em uma reviravolta notável de última hora, a proibição foi restabelecida no texto final aprovado pelo Senado, após forte oposição à remoção por parte do senador Arns, um dos coautores do projeto de lei.
O ECA Digital entrará em vigor em março de 2026 e seu cumprimento será fiscalizado pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANDP). As empresas que não cumprirem a lei poderão enfrentar multas de até 50 milhões de reais (US$ 9,44 milhões) ou de até 10% da receita que obtêm no Brasil. Elas também podem enfrentar uma suspensão ou proibição de suas atividades, dependendo da gravidade da violação.
A forma como a lei será aplicada determinará se o Brasil protegerá de forma significativa os direitos das crianças online, afirmou a Human Rights Watch. A ANDP deveria realizar consultas com crianças e adolescentes ao começar a desenvolver as proteções para os seus diversos direitos. Também deveria garantir que a aplicação da lei proteja os direitos de todos. O governo deveria aproveitar o impulso da nova lei e continuar a construir proteções de dados robustas para brasileiras e brasileiros de todas as idades.
“O Brasil se destacou como o primeiro país da América Latina a aprovar uma lei específica para proteger a privacidade e a segurança das crianças online”, disse Han. “Outros governos deveriam observar, aprender e fazer o mesmo.”