A Human Rights Watch enviou a seguinte mensagem a Estados Membros da União Europeia antes da reunião do Conselho de Negócios Estrangeiros da UE em 17 de outubro.
Por meio desta, gostaríamos de partilhar a mais recente investigação da Human Rights Watch sobre a República Democrática do Congo e exortá-los a apoiar medidas fortes, incluindo a adopção de sanções direcionadas, nas conclusões do Conselho de Negócios Estrangeiros da União Europeia no Congo, que serão adoptadas em 17 de outubro. A adopção de medidas imediatas pode ajudar a impedir a situação no Congo de ficar totalmente fora de controlo nas próximas semanas – com repercussões potencialmente violentas e generalizadas em toda a região.
Menos de 10 semanas antes do prazo de 19 de dezembro para o presidente Joseph Kabila deixar a presidência, tendo atingido o limite definido pela constituição de dois mandatos, as autoridades congolesas estão deliberadamente criando óbices aos planos de organizar eleições. O presidente Kabila tem repetidamente recusado declarar se planeia deixar cargo e seus seguidores têm procurado silenciar, reprimir e intimidar sistematicamente a crescente coligação de vozes que exigem que a constituição seja respeitada.
A crise atingiu proporções inéditas na semana de 19 de setembro, altura em que congoleses de todo o país saíram às ruas para protestar contra o fracasso da comissão eleitoral em convocar eleições presidenciais, três meses antes do fim do mandato de Kabila, conforme exigido pela constituição. As forças de segurança responderam aos protestos com uso excessivo e desnecessário de força letal, tendo matado pelo menos 56 pessoas na capital, Kinshasa. (Veja abaixo para mais detalhes sobre a violência de setembro).
Os acontecimentos do mês passado podem vir a ser uma demonstração dos acontecimentos das semanas seguintes – numa escala potencialmente muito maior – se o presidente Kabila não enviar um sinal claro de que vai deixar o cargo no final de seu mandato e permitir a organização de eleições confiáveis.
Apesar do panorama desolador, ainda há uma janela de oportunidade para evitar cenários piores.
A imposição de sanções direcionadas por parte da UE contra os altos oficiais das forças de segurança e dos serviços de inteligência, bem como aos oficiais do governo responsáveis pela violenta repressão, enviaria uma forte mensagem de que há consequências para as acções repressivas e que as declarações da UE e dos seus estados-membros não são apenas ameaças vazias. Estas acções também podem ajudar a dissuadir novos actos de violência, controlar as unidades e comandantes mais abusivos e aumentar a pressão para que o presidente Kabila deixe seu posto pacificamente no final do seu mandato e ajude a evitar uma crise mais generalizada. O Parlamento Europeu também tem feito repetidos apelos à UE pela implementação de sanções direcionadas nos últimos meses.
A hora de agir é agora – antes que haja mais corpos nas ruas e seja tarde demais para convencer o presidente Kabila a mudar de rumo.
Veja abaixo um resumo da nossa investigação sobre a violência em Kinshasa na semana de 19 de setembro. Em breve, publicaremos um relatório sobre estes resultados.
Para mais informações sobre a crise no Congo, consulte: https://www.hrw.org/news/2016/09/18/democratic-republic-congo-precipice-ending-repression-and-promoting-democratic-rule
Repressão na semana de 19 de setembro
Durante os protestos em Kinshasa, nos dias 19, 20 e 21 de setembro, as forças de segurança congolesas mataram pelo menos 56 pessoas, segundo a investigação da Human Rights Watch. No entanto, o número real de vítimas pode ser muito maior. A Human Rights Watch recebeu relatos confiáveis sobre mais de 30 vítimas mortas pelas forças de segurança e encontra-se a verificar e confirmar as informações.
A maioria das vítimas foi morta quando as forças de segurança dispararam contra multidões de manifestantes. Outras foram mortas quando as forças de segurança queimaram pelo menos três sedes dos partidos da oposição. Muitos dos corpos das vítimas mortas foram levados pelas forças de segurança, no que aparentou ser um esforço para esconder provas e impedir que as famílias organizassem funerais. Alguns dos corpos foram posteriormente largados no rio Congo, vários dos quais apareceram mais tarde nas margens do rio, no bairro de Kinsuka, em Kinshasa.
A violência partiu também de alguns manifestantes em Kinshasa, que agrediram violentamente ou queimaram até a morte pelo menos três polícias e um civil. Também queimaram e saquearam postos de polícia, um tribunal, câmaras de vigilância pública, lojas chinesas, edifícios associados com oficiais do partido da maioria e outros locais considerados próximos ou representativos do presidente Kabila e do seu governo.
A nossa investigação constatou que policiais e membros de ligas de juventude mobilizados por oficiais do partido no governo e agentes das forças de segurança também estiveram envolvidos nos saques e na violência. Um membro da liga da juventude do partido no poder revelou à Human Rights Watch que foi recrutado, juntamente com outros jovens, por oficiais do partido, tendo cada um recebido cerca de USD 35 e sido instruídos para «perturbar a manifestação da oposição e causar problemas, de modo que parecesse que a violência fora provocada pela oposição.» Um membro da liga da juventude associada ao Vita Club, uma equipa de futebol cujo presidente é o comandante do exército General Gabriel Amisi, contou à Human Rights Watch que também foi convocado para uma reunião antes das manifestações.
Dois agentes das forças de segurança e serviços de inteligência congoleses revelaram à Human Rights Watch que oficiais do partido no poder e oficiais das forças de segurança recrutaram membros de ligas de juventude e desmobilizaram combatentes para perturbar as manifestações. «Estavam ali para se infiltrar e fazer com que as manifestações explodissem [em violência] de dentro para fora», disse. «Eles começavam os problemas e depois os manifestantes reagiam, o que depois justificava a resposta da polícia.»
Numa aparente tentativa de impedir observadores independentes de documentar a repressão do governo, as forças de segurança detiveram oito jornalistas internacionais e congoleses, o líder do movimento juvenil pró-democracia Filimbi em Kinshasa e um activista congolês dos direitos humanos logo após os protestos terem começado em 19 de setembro. Os escritórios de uma proeminente organização de direitos humanos e de uma plataforma da sociedade civil também foram vandalizados. O líder da oposição, Martin Fayulu, foi gravemente ferido por um cilindro de gás lacrimogéneo que o atingiu na cabeça, tendo ficado vários dias hospitalizado. Outro líder da oposição, Moise Moni Della, presidente do partido político Conservateurs de la Nature et Démocrates (CONADE), foi detido por volta das 10:00 do dia 19 de setembro, quando estava a caminho das manifestações. Moise foi gravemente agredido por soldados e detido. Posteriormente, ele foi acusado de saque e continua detido.
Nos dias seguintes aos protestos, as forças de segurança realizaram buscas porta-a-porta sem ordem judicial em algumas partes de Kinshasa, alegadamente à procura de bens que tinham sido saqueados e de armas que tinham sido roubadas dos postos de polícia. Vários jovens foram presos, muitos dos quais parecem ter sido visados aleatoriamente.
Agentes dos Serviços de Imigração detiveram Bruno Tshibala, vice-secretário geral da Union pour la démocratie et le progrès social (UDPS), um dos principais partidos da oposição e porta-voz da coligação da oposição conhecida como Rassemblement, quando estava no Aeroporto Internacional de Kinshasa prestes a voar para Bruxelas, em 9 de outubro. Tshibala continua detido e foi acusado de conspirar para levar a cabo um massacre, saque e devastação, acusações que parecem ter motivações políticas.
De acordo com quatro oficiais das forças de segurança e serviços de inteligência congoleses entrevistados pela Human Rights Watch, membros do aparato de segurança presidencial da Guarda Republicana – alguns dos quais com o uniforme da polícia – foram responsáveis por grande parte da repressão ocorrida durante as manifestações, tendo disparado munições reais contra os manifestantes e atacado a sede do partido de oposição.
«Foi dada a ordem de reprimir os manifestantes para que a sua missão não fosse bem-sucedida», revelou um oficial. «A ordem dada foi de fazer de tudo para evitar que entrassem em Gombe [a parte da capital onde se situa a maioria dos edifícios do governo, presidência e embaixadas].» Outro disse que as ordens eram para «esmagar» as manifestações. Os soldados da Guarda Republicana, soldados do exército e agentes da polícia que seriam enviados à Kinshasa na semana de 19 de setembro receberam bónus em 16 de setembro como motivação para responder com força durante atuaçã nas manifestações, revelou um oficial de segurança.
Vários oficiais contaram à Human Rights Watch que o General Amisi, comandante do exército da primeira zona de defesa, que inclui Kinshasa e outras províncias ocidentais, e o General Ilunga Kampete, comandante geral da Guarda Republicana, lideraram um centro de comando de operações em Kinshasa durante a semana de 19 de setembro e deram ordens às unidades das forças de segurança no local que levaram a cabo a repressão. O General Amisi tem um longo historial de envolvimento em violações graves de direitos humanos e foi recentemente sancionado pelo governo dos EUA.
Pelo menos 12 oficiais do governo, membros da coligação majoritária de Kabila e oficiais das forças de segurança revelaram à Human Rights Watch que o director da Agência Nacional de Inteligência (ANR), Kalev Mutond, tem desempenhado um papel fundamental na estratégia de repressão do governo, inclusive na repressão da semana de 19 de setembro, bem como noutros abusos realizados contra jovens activistas pelos direitos humanos e pró-democracia, líderes da oposição e apoiantes, bem como outros que tenham participado em manifestações pacíficas ou reuniões ou que se tenham oposto às tentativas de estender a Presidência de Kabila.
A agência de inteligência de Mutond deteve arbitrariamente dezenas de jovens activistas pelos direitos humanos e pró-democracia e líderes da oposição, muitos dos quais foram mantidos incomunicáveis durante semanas ou meses, sem acusações e sem terem acesso às suas famílias ou a advogados. Alguns foram levados a julgamento por acusações forjadas – em relação às quais Mutond também desempenhou um papel, tendo alegadamente intimidado juízes e ditado sentenças. Alguns dos detidos pela ANR no âmbito da repressão do governo foram extremamente maltratados ou torturados, inclusive com choques eléctricos no corpo e uma forma de quase-afogamento que equivale a tortura. Outro detido foi forçado a deitar-se no chão e a olhar para o sol e obrigado a fazer 100 flexões em lama e cascalho, enquanto um agente da ANR lhe pisava os calcanhares e o agredia com ramos de árvore quando não conseguia completar as flexões. Os agentes da ANR também têm intimidado, ameaçado e perseguido repetidamente activistas, jornalistas e líderes ou apoiantes da oposição aparentemente no âmbito de uma campanha mais generalizada para espalhar o medo e limitarem sua atuação.
Vários oficiais revelaram que o vice-primeiro-ministro e ministro do interior e da segurança, Evariste Boshab, também desempenhou um importante papel de comando na repressão dos últimos dois anos. Enquanto ministro do interior e da segurança, ele é oficialmente responsável pelos serviços policiais e de segurança e pela coordenação do trabalho dos governadores provinciais. Estas instituições têm repetidamente banido ou reprimido manifestações da oposição, detido activistas e adversários, encerrado veículos de comunicação e restringido a liberdade de circulação dos líderes da oposição.
As conclusões da Human Rights Watch são fruto de entrevistas com mais de 50 vítimas, testemunhas, oficiais das forças de segurança e outros indivíduos.