Durante a guerra de 2006, o Hezbollah lançou, indiscriminada e, por vezes, deliberadamente, milhares de mísseis contra áreas civis ao norte de Israel, matando, no mínimo, 39 civis, disse a Human Rights Watch em um relatório divulgado hoje. A Human Rights Watch disse que as justificativas do Hezbollah para atacar cidades israelenses – como resposta ao ataque indiscriminado de Israel ao sul do Líbano e na tentativa de levar Israel para uma guerra terrestre – não tiveram base legal sob as leis de guerra.
O relatório de 128 páginas, Civilians under Assault: Hezbollah’s Rocket Attacks on Israel in the 2006 War (Civis sob ataque: Ataques a míssil do Hezbollah contra Israel na guerra de 2006), apresenta mais de 20 estudos de caso baseados em extensa pesquisa de campo feita na região norte de Israel sobre ataques a míssil que mataram ou feriram civis em aldeias, vilas e cidades árabes, judaicas e de convivência mista. O relatório também apresenta provas das intenções do Hezbollah com os ataques a míssil por meio de mais de 100 comunicados e declarações feitas pelo grupo.
“As explicações do Hezbollah do porquê do lançamento de mísseis contra a população civil de Israel são extremamente falhas ao tentar justificar estes ataques ilegais”, disse Sarah Leah Whitson, diretora da divisão do Oriente Médio e Norte da África da Human Rights Watch.
Em seus pronunciamentos, líderes do Hezbollah ameaçaram, repetidamente, atacar cidades e assentamentos israelenses, em retaliação a ataques israelenses contra cidades libanesas – um raciocínio que sob a lei humanitária internacional não justifica ataques deliberados ou indiscriminados a civis. O Hezbollah também assumiu responsabilidade por ataques específicos a cidades e assentamentos israelenses, apesar de manifestar sua defesa do princípio de poupar civis. Pronunciamentos de líderes que ocupam posições de comando militar e que demonstram intenção de realizar ataques indiscriminados contra civis caracterizam crimes de guerra.
Mísseis do Hezbollah, alguns carregando esferas de aço antipessoais, atingiram, repetidamente, áreas povoadas ao norte de Israel. A Human Rights Watch descobriu que vários mísseis foram lançados contra regiões que, aparentemente, não apresentavam alvos militares legítimos no momento do ataque, indicando que civis foram atacados deliberadamente. Por exemplo, centenas de mísseis atingiram cidades como Karmiel, Nahariya e Kiryat Shmona, cuja propriedade militar é insignificante. Em outros casos, alvos militares foram identificados na região, mas mesmo assumindo que o Hezbollah tinha a intenção de atingi-los em vez de atingir civis, os mísseis de pouca precisão usados não foram capazes de fazer tal distinção, tornando o ataque indiscriminado.
Os mísseis do Hezbollah mataram, pelo menos, 39 civis israelenses durante o conflito e deixaram 101, moderada ou gravemente, feridos. Atingiram três hospitais, uma escola primária em Kiryat Yam e uma agência dos correios em Haifa. A campanha de ataques a míssil do Hezbollah prejudicou a atividade econômica e a rotina da maior parte do norte de Israel, forçando várias centenas de milhares de civis a fugirem para o sul ou a se esconderem em abrigos e “quartos seguros”.
O Hezbollah declarou que teve como alvo e atingiu mais alvos militares israelenses do que se tem conhecimento, e acusou a censura israelense de encobrir a extensão de tais ataques. No entanto, os ataques do Hezbollah a alvos militares legítimos, independentemente de sua extensão, não justificam os ataques indiscriminados e deliberados contra alvos civis.
As forças do Hezbollah lançaram mísseis de longo alcance desgovernados, chamados de “Katyushas”, que foram altamente imprecisos e que não conseguiram distinguir alvos militares de civis. Tais ataques, lançados contra cidades e aldeias, demonstraram, no mínimo, um desrespeito imprudente por civis, e freqüentemente atingiram indiscriminada e deliberadamente pessoas e objetos civis.
Muitos dos mísseis que atingiram áreas costeiras mais altamente povoadas – a cidade de Haifa e os subúrbios ao norte e leste da cidade, região conhecida como HaKrayot – foram armamentos de 220 milímetros contendo milhares de esferas de aço de 6 milímetros que, quando detonadas, se tornam armas antipessoais devastadoras. Incapazes de causar danos graves a estruturas e aparatos militares, elas penetram a carne e os órgãos de pessoas que se encontram dentro do amplo raio de explosão do projétil. O Hezbollah também lançou em áreas civis mísseis com munições de fragmentação carregados com submunições que, com o impacto, são programadas para liberar esferas de aço de 3 milímetros por uma vasta área. A polícia de Israel diz que identificou 118 ataques desses mísseis carregados com munições de fragmentação.
Em outros relatórios, a Human Rights Watch abordou outros aspectos do conflito, incluindo violações por parte de Israel em sua conduta das hostilidades. Um estudo importante da Human Rights Watch, intitulado Why They Died: Civilian Deaths in Lebanon during the 2006 Israel-Hezbollah War (Porque eles morreram: Mortes de civis no Líbano durante a guerra Israel-Hezbollah em 2006), será divulgado em setembro. A Human Rights Watch sempre mede o cumprimento de cada parte envolvida das suas obrigações perante as leis de guerra, e não compara simplesmente o comportamento de um lado com a conduta da outra parte envolvida no conflito. De acordo com as leis de guerra, violações feitas por uma parte do conflito não justificam ou minimizam violações cometidas pela outra parte.
Em Civilians under Assault, a Human Rights Watch apela ao Hezbollah, por uma questão de prática e doutrina, para que cesse todos os ataques que deliberadamente têm civis como alvo, bem como aqueles que não podem distinguir civis de combatentes, e que renuncie publicamente do argumento de que ataques a civis israelenses são permitidos como forma de retaliação contra os ataques israelenses a civis libaneses. O relatório solicita que o governo do Líbano proíba a entrega de mísseis ao Hezbollah, enquanto este os usar, ou enquanto defender uma doutrina que permita seu uso, em ataques deliberados e indiscriminados a áreas civis.
O relatório também apela aos governos da Síria e do Irã para que não permitam a transferência de material bélico para o Hezbollah, incluindo projéteis que o Hezbollah tem usado em violação da lei humanitária internacional.
A Human Rights Watch disse que, em alguns casos, Israel posicionou suas próprias instalações militares fixas e móveis dentro ou próximo de áreas civis ao norte de Israel, levantando questões quanto ao cumprimento integral da norma que exige que se evite, na medida do possível, o posicionamento de alvos militares dentro ou próximo de áreas densamente povoadas, para adequadamente proteger todos os cidadãos que moram próximo de instalações militares. Apesar de essa prática não ter diminuído a responsabilidade do Hezbollah de sempre distinguir não-combatentes de alvos militares legítimos, a Human Rights Watch apela ao governo de Israel para que tome todas as medidas possíveis para posicionar alvos militares longe de áreas densamente povoadas e para proteger, em igualdade de condições, todos os civis que possam estar sob risco extremo de sofrer um ataque inimigo, devido a sua proximidade a bases militares israelenses.
Por fim, ao observar que, até o momento, tanto o governo do Líbano como o de Israel falharam em investigar as violações da lei humanitária internacional cometidas durante a guerra de 2006, a Human Rights Watch recomenda que o secretário-geral das Nações Unidas estabeleça uma comissão internacional de investigação para averiguar relatos de violações da lei humanitária internacional, incluindo possíveis crimes de guerra, no Líbano e em Israel, e que formule recomendações que visem responsabilizar aqueles que violaram a lei.
“O Hezbollah, tal como Israel, deve respeitar as leis de guerra”, disse Whitson. “A menos que os responsáveis em ambos os lados sejam responsabilizados por suas ações, em vez de terem a permissão para se esconderem atrás das violações dos adversários, tememos que civis continuarão, inevitavelmente, a pagar caro.”