Gilberto Tomazoni, CEO global da JBS, a maior produtora mundial de carnes, defendeu recentemente o apoio aos produtores rurais como forma de impulsionar as soluções climáticas para a agricultura na próxima cúpula climática COP30. “A pecuária também pode ser parte da solução”, escreveu ele. Sendo assim, a JBS deveria eliminar de sua cadeia de fornecimento as fazendas ilegais que destroem a Amazônia brasileira e prejudicam produtores rurais que operam legalmente.
“Os grileiros me fizeram perder 17 anos de trabalho em questão de minutos”, disse-me uma pequena produtora enquanto caminhávamos por seu sítio queimado no assentamento Terra Nossa, no Pará. Grileiros invadiram o assentamento, derrubando e queimando árvores e criando fazendas ilegais de gado. Depois de denunciar repetidamente os crimes, ela recebeu ameaças e escapou por pouco de uma tentativa de assassinato.
No nosso relatório, “Gado Sujo”, destacamos vários casos de produtores rurais no assentamento Terra Nossa cujos meios de subsistência foram devastados por fazendas ilegais. A maior parte do assentamento era coberta por florestas, mas os fazendeiros converteram quase 40% em pastagens para gado. Obtivemos documentos emitidos pela agência de saúde animal do Pará mostrando que os fornecedores diretos da JBS adquiriam gado dessas fazendas ilegais.
O Terra Nossa mostra a luta entre produtores rurais legítimos e criminosos ambientais na Amazônia. Em nosso relatório, distinguimos claramente entre esses grupos. Mas os frigoríficos da JBS não podem fazer essa distinção porque geralmente não conseguem identificar seus fornecedores indiretos.
O gado passa por várias fazendas antes de ser vendido aos frigoríficos. Os frigoríficos da JBS monitoram as fazendas das quais compram gado, mas não sabem de onde essas fazendas adquirem os animais. Essa abordagem esconde a origem do gado criado ilegalmente em áreas protegidas.
Em resposta ao nosso relatório, a JBS defendeu suas práticas de aquisição, dizendo que segue o protocolo Boi na Linha. Isso é positivo, mas o protocolo não rastreia fornecedores indiretos. Essa questão não é nova. A JBS se comprometeu originalmente a rastrear fornecedores indiretos até 2011, mas 14 anos depois ainda não o faz. Seu prazo mais recente é janeiro de 2026. Será que ela vai cumprir?
A Associação Brasileira das Exportadoras de Carne Bovina (ABIEC) também reagiu ao nosso relatório, afirmando que não levamos em consideração as importantes políticas que o Brasil adotou nos últimos anos.
Na verdade, no relatório descrevemos detalhadamente as políticas recentes do estado do Pará para rastrear o gado. Mas, como mostramos, fazendas ilegais no Pará podem vender para intermediários em Mato Grosso e São Paulo, e estes abastecem frigoríficos da JBS nos dois estados. Sem uma solução federal, a política de rastreabilidade do Pará simplesmente transfere o problema para outro estado.
Por isso, também elogiamos o anúncio do governo federal de um sistema de rastreabilidade federal. Isso é padrão em muitos países. Mas esse sistema só deve estar totalmente operacional em 2032. Isso é tão distante no futuro do Brasil que parece mais uma aspiração vaga do que uma meta real.
O Brasil tem instituições ambientais fortes que monitoram a floresta e recentemente deram a boa notícia de que o desmatamento na Amazônia diminuiu. Para consolidar essa tendência de queda, é necessária uma resposta institucional para lidar com o maior vetor de desmatamento do país: a pecuária. Estabelecer um sistema federal de rastreabilidade do gado é certamente um passo importante nessa direção, mas as intenções precisam se traduzir em ações.
As fazendas ilegais prosperaram no assentamento Terra Nossa porque sempre havia alguém disposto a comprar seus produtos. Enquanto isso, os produtores rurais legais sofrem violência e privações. “O que eu quero é só o que é meu, e que a Justiça faça o que tem de fazer dentro da lei”, disse-me a produtora do Terra Nossa. Ela está certa, não?