(São Paulo) – O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, deveria adotar medidas urgentes para enfrentar a crise de direitos humanos relacionada à destruição da Amazônia, e restabelecer o Estado de direito, disse hoje a Human Rights Watch.
Em 26 de janeiro de 2023, a Human Rights Watch publicou um relatório interativo que detalha o impacto das redes criminosas envolvidas na grilagem de terras e na extração ilegal de madeira dentro do Terra Nossa, um assentamento de reforma agrária no estado do Pará destinado à agricultura familiar e ao uso sustentável dos recursos naturais. A situação no assentamento mostra a relação entre a destruição ambiental, a violência e a pobreza em muitas comunidades rurais em toda a Amazônia que dependem do uso sustentável da floresta.
“Após anos de destruição ambiental, é bastante positiva a promessa do presidente Lula de uma mudança fundamental nas políticas do Brasil”, disse Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch no Brasil. “O que estamos vendo na Amazônia é tanto uma crise ambiental quanto uma crise de direitos humanos. O governo Lula deveria mobilizar o governo em todos os níveis e coordenar com o Ministério Público o combate às redes criminosas responsáveis pela destruição do meio ambiente e pela violência fatal”.
A Human Rights Watch apresentou suas recomendações em relação à proteção da floresta e de seus defensores, bem como dos direitos humanos de forma geral, em reuniões em Brasília, entre os dias 23 e 25 de janeiro, com as ministras do meio ambiente, dos povos indígenas e da igualdade racial, Marina Silva, Sônia Guajajara e Anielle Franco; com os ministros dos direitos humanos e do desenvolvimento agrário, Sílvio Almeida e Paulo Teixeira; com o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rodrigo Agostinho; o secretário nacional de justiça, Augusto Arruda Botelho; e com o secretário de assuntos multilaterais políticos do ministério das relações exteriores, Paulino Franco de Carvalho Neto. A Human Rights Watch encontrou, ainda, com a presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, e a ministra Carmen Lúcia; além de procuradores da República e defensores públicos da União.
Povos indígenas, pequenos produtores rurais e outras comunidades locais têm arriscado suas vidas ao tentarem manter suas terras e proteger o meio ambiente e seus meios de subsistência. Eles enfrentam ataques violentos de redes criminosas envolvidas na extração de madeira, grilagem de terras e garimpo ilegais. Essas redes mobilizam homens armados para ameaçar e intimidar aqueles que defendem a floresta.
Membros do Terra Nossa acreditam que desde 2018 grupos criminosos mataram pelo menos quatro pessoas que pretendiam denunciar os crimes ambientais no assentamento ou que ameaçavam seus interesses. Moradores acreditam que um quinto homem, desaparecido desde 2018, também esteja morto.
O relatório interativo inclui depoimentos de testemunhas sobre a atuação de criminosos que, em 2022, teriam iniciado queimadas dentro do assentamento, devastando a vegetação, as plantações e a reserva florestal onde moradores coletam castanhas, eliminando assim suas fontes de sustento. O objetivo desses criminosos ao atear fogo não era apenas desmatar para a criação de gado ou plantações de soja, mas sim intimidar os moradores, destruir seus meios de subsistência e forçá-los a sair, segundo o procurador da república Gabriel Dalla Favera de Oliveira.
“Eles fazem pressão até a pessoa ir embora para não morrer, e tomam a área”, um morador disse à Human Rights Watch.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) está ciente de que grileiros têm ocupado lotes ilegalmente no Terra Nossa pelo menos desde 2016, conforme demonstram documentos internos analisados pela Human Rights Watch. Ainda assim, não tomou as medidas necessárias para removê-los.
A realidade no Terra Nossa evidencia como a inação do governo tem permitido a grilagem e a destruição ambiental, impulsionando a violência, acabando com meios de subsistência e, consequentemente, aumentando a pobreza.
O governo Lula deveria desenvolver um plano abrangente de proteção da Amazônia e dos moradores que tentam defendê-la, como os pequenos produtores do Terra Nossa, disse a Human Rights Watch. O governo deveria coordenar uma atuação conjunta dos órgãos federais, incluindo o INCRA, em conjunto com as polícias e os ministérios públicos federal e estaduais, e governadores estaduais, para elaborar um plano, em consulta com as comunidades locais, para a prevenção e a responsabilização por crimes ambientais e pela violência, inclusive desmantelando as redes criminosas que atuam na Amazônia.
Esse plano deveria incluir o fortalecimento da capacidade das agências de proteção do meio ambiente e dos direitos indígenas, conforme o governo Lula tem prometido, e instituir mecanismos de controle e monitoramento da cadeia produtiva do ouro, carne e outros produtos agrícolas a fim de garantir que não esteja vinculada ao desmatamento.
O governo deveria ainda retomar a demarcação dos territórios indígenas e combater a grilagem, inclusive em assentamentos do INCRA como o Terra Nossa, cancelar títulos de terra fraudulentos e apoiar as comunidades que vivem do uso sustentável da floresta.
O governo Lula também deveria fortalecer o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), e garantir que os programas estaduais tenham financiamento, treinamento e apoio institucional adequados.
“A destruição da floresta enriquece criminosos enquanto empobrece muitos brasileiros”, disse Canineu. “Esforços para reduzir o desmatamento e, ao mesmo tempo, combater a pobreza e a desigualdade na Amazônia deveriam andar de mãos dadas. É possível e urgente fazer as duas coisas”.
Para o impacto da atuação de redes criminosas envolvidas na grilagem de terras e na destruição ambiental dentro de Terra Nossa, visite: