À medida que uma nova variante mais contagiosa do coronavírus se espalha pelo país, os brasileiros estão cada vez mais frustrados pela demora em receber a vacina. Até agora, 6.1 milhões de brasileiros receberam a primeira dose, cerca de 2,91% da população.
A situação em outros países é ainda mais sombria. A Organização Mundial da Saúde informou no início do mês que cerca de 130 países, com uma população de 2,5 bilhões de pessoas, ainda não receberam uma única dose.
A escassez de suprimentos influencia a disponibilidade das vacinas. O Brasil depende de vacinas e de insumos vindos da China, Índia e do consórcio COVAX Facility.
No plano de vacinação, o governo se disse confiante que garantiria doses para mais de 80% da população, embora não tenha dito quando. No ritmo atual, levaria mais de quatro anos para vacinar todos, segundo estimativa. Os brasileiros e outros esperam, enquanto países mais ricos já reservaram doses suficientes, ou em excesso, para sua própria população.
Mas há uma maneira de acelerar o acesso à vacina para todos.
A Human Rights Watch e outros apoiam a proposta da África do Sul e da Índia à Organização Mundial do Comércio (OMC) de suspender temporariamente algumas regras sobre direitos de propriedade intelectual até que “a ampla vacinação ocorra em todo o mundo”. A suspensão permitiria mais colaboração internacional na fabricação de vacinas, sem a autorização das empresas que as desenvolveram. Em março a OMC se reunirá para considerar essa proposta.
Priorizar a saúde pública em detrimento de algumas regras sobre patentes em uma emergência de saúde é permitido pelas normas globais de propriedade intelectual. Em 2007, o Brasil fez exatamente isso com um medicamento anti-HIV, o que permitiu tratamento universal gratuito para HIV/AIDS. Essa política se tornou um exemplo de sucesso a nível mundial.
Porém o governo do presidente Jair Bolsonaro parece ter abandonado o compromisso de defender a saúde pública. Desta vez, o Brasil está do lado das empresas farmacêuticas e países ricos, que bloqueiam a proposta. O governo afirma que não há necessidade de uma suspensão temporária das normas de propriedade intelectual porque elas já permitem que os governos flexibilizem as regras para proteger a saúde.
Na prática, as flexibilidades existentes não são suficientes e não oferecem uma solução rápida ou global. O Brasil deve reconsiderar sua posição e apoiar a proposta. A suspensão temporária das regras abriria caminho para compartilhar as fórmulas de vacinas, por meio de transferências de tecnologia, propriedade intelectual e emissão de licenças globais, abertas e não exclusivas, o que poderia aumentar a produção.
Isso ajudaria o mundo inteiro. Um estudo financiado pela Câmara de Comércio Internacional, que representa os interesses de empresas em todo o mundo, concluiu que a demora da vacinação nos países em desenvolvimento pode custar à economia global 49 trilhões de reais (US$ 9,2 trilhões). A metade desse custo seria das economias avançadas, mesmo depois de vacinarem sua população.
A suspensão temporária permitiria mobilizar a capacidade mundial de fabricação de produtos médicos para produzir em massa qualquer vacina segura e eficaz. Uma vacinação mais ampla salvaria inúmeras vidas no Brasil e em outros países. Levaria ainda a uma recuperação econômica mais rápida, prioridade declarada do governo brasileiro.