Os seis meses da Alemanha na presidência da União Europeia (UE) terminaram com nota baixa quanto ao Estado de Direito no bloco. Podemos esperar que os seis meses de Portugal à frente da UE sejam melhores?
Portugal acaba de assumir a presidência rotativa da UE. É motivador saber que o Governo incluiu “defender e consolidar o Estado de Direito e a democracia” na UE como uma das suas principais prioridades. O primeiro-ministro, António Costa, também destacou, correctamente, que a UE deve ser “uma união de valores”.
Até agora, tudo parece ir bem. Porém, será necessário mais do que boas intenções para pôr fim à grave erosão das salvaguardas democráticas e do Estado de Direito na UE.
A situação é crítica. Na Hungria, o governo de Viktor Orbán enfraqueceu a actuação dos tribunais, restringiu a liberdade e o pluralismo da imprensa, criminalizou actividades legítimas da sociedade civil, assumiu o controlo de universidades e promoveu a homofobia e a misoginia. Em plena pandemia global, ele fez uso dos ilimitados poderes do estado de emergência para editar centenas de decretos, incluindo vários sem nenhuma relação com a saúde pública, como limitando a liberdade de expressão. Contrariamente às suas obrigações como membro da UE, a Hungria, sob o governo actual, recusa-se abertamente a implementar decisões vinculativas do Tribunal de Justiça da UE exigindo que o país reforme a sua deficiente legislação sobre refúgio e cesse a obstrução ao financiamento internacional de organizações da sociedade civil.
Na Polónia, várias reformas comprometeram seriamente todos os níveis do judiciário do país, a ponto de alguns Estados da UE deixarem de extraditar suspeitos para a Polónia. As autoridades polacas recorrem a procedimentos disciplinares para silenciar juízes que são críticos do governo ou que implementam a legislação da UE quando esta vai contra as políticas governamentais. Em Outubro, o Tribunal Constitucional – um tribunal cuja independência e legitimidade foram comprometidas – fez a vontade do governo ao apoiar a proibição quase total do acesso ao aborto seguro, enfraquecendo os direitos básicos de meninas e mulheres e provocando os maiores protestos no país desde 1989. Pessoas LGBT enfrentam assédio e prisões sob falsas acusações.
Estes problemas atingiram o auge no final do ano passado, quando líderes húngaros e polacos ameaçaram vetar o orçamento da UE e o plano de recuperação da pandemia de covid se o acesso aos fundos da UE estivesse de alguma forma vinculado ao respeito ao Estado de Direito. Embora estes líderes autocráticos não tenham alcançado plenamente o seu objectivo, as suas agendas dizem muito sobre a falta de compromisso com os valores da UE e com os direitos dos seus cidadãos.
A presidência alemã da UE tornou-se uma grande decepção na luta pelo Estado de Direito, gradualmente enfraquecendo o mecanismo de condicionalidade do Estado de Direito sempre que teve controlo do processo, resultando no risco agora de atrasar seriamente a sua implementação, e gerando um impasse quanto ao escrutínio do Artigo 7 – o procedimento do tratado da UE quanto aos Estados em violação dos valores da UE.
A nova presidência portuguesa precisa de fazer duas coisas para defender o Estado de Direito na UE e pôr em prática as suas palavras.
Em primeiro lugar, deveria fazer reviver o escrutínio da UE sob o Artigo 7. A aplicação do Artigo 7 à Polónia em 2017 e à Hungria em 2018 foi a decisão certa a tomar. Mas, desde então, houve pouco progresso, principalmente porque outros Estados-membros não tiveram coragem de fazer o melhor uso dele.
Ainda há muito que pode ser alcançado por meio deste procedimento, começando pela convocação regular de audiências para ambos os governos prestarem contas; a adopção de recomendações quanto ao Estado de Direito; e a mobilização de uma votação para determinar se há um “risco manifesto de violação grave” dos valores da UE. Portugal deve certificar-se de que o persistente desrespeito da Hungria e da Polónia a importantes decisões do Tribunal de Justiça da UE seja trazido a discussão.
Em segundo lugar, Portugal deve fazer o seu melhor para activar o novo mecanismo da UE que visa condicionar o acesso aos fundos da UE ao respeito dos governos ao Estado de Direito. Concessões de última hora acordadas em Dezembro podem atrasar a sua aplicação até que o Tribunal da UE confirme a legalidade do mecanismo. E o prolongamento desse processo pode dar tempo ao primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, e ao líder do partido no poder e vice-primeiro-ministro, Jarosław Kaczyński, para consolidarem ainda mais a sua usurpação do poder. Se, como prometeram fazer, a Polónia e a Hungria contestarem o novo mecanismo de Estado de Direito no Tribunal da UE, a presidência portuguesa deve apoiar um pedido de procedimento acelerado e limitar os danos à eficácia de todo o mecanismo.
A urgência é grande, porque a própria democracia europeia está em jogo. A própria história de Portugal deixa claro: a adesão à UE e o respeito pelos princípios democráticos devem andar de mãos dadas. É este o tipo de legado que a presidência portuguesa da UE deveria orgulhar-se em promover.