(Joanesburgo) - O fracasso das autoridades moçambicanas em investigar de forma credível, os recentes assassinatos e ataques contra críticos do governo, está a criar um ambiente de medo entre os ativistas do país, alertou hoje a Human Rights Watch. Após o rapto e agressão física do jornalista e advogado de direitos humanos, Ericino de Salema, em Maputo no dia 27 de Março de 2018, seguiram-se denúncias de intimidação e ameaças de ativistas por alegados membros das forças de segurança.
Seis ativistas disseram à Human Rights Watch que vivem com medo desde que começaram a receber mensagens ameaçadoras por terem criticado o governo. Dois disseram terem sido forçados a mudar de casa, a usar carros diferentes e a alterar as suas rotinas após se terem apercebido de que estavam a ser seguidos por veículos sem matrícula, tanto na cidade como à porta das suas casas, onde ficavam estacionados várias horas seguidas.
“As autoridades moçambicanas têm de agir rapidamente para recolher provas sobre a agressão física a Salema e deter os responsáveis”, alertou Dewa Mavhinga, diretor da Human Rights Watch na África Austral. "Tomar as devidas medidas jurídicas contra os autores deste crime enviará uma mensagem forte a toda a sociedade, inclusive as forças de segurança, que querem criar uma atmosfera de medo.”
Salema é um dos comentadores políticos residentes num dos principais programas de televisão de Moçambique, Pontos de Vista na STV, no qual assume frequentemente posições críticas em relação às políticas do governo. Salema disse à Human Rights Watch que recebeu telefonemas ameaçadores antes do rapto.
Ele descreveu como, pouco tempo depois das 13:00 de 27 de Março, foi abordado por dois homens armados num veículo sem matrícula, junto ao seu carro estacionado em frente aos escritórios do Sindicato Nacional de Jornalistas, em Maputo. Os homens forçaram-no a entrar no veículo e a cobrir a cabeça. Andaram às voltas pela cidade durante cerca de duas horas, seguindo depois para a estrada circular de Maputo, nos arredores da cidade. Disse que ouviu uma voz masculina a dar instruções aos homens pelo telemóvel. Os raptores disseram a Salema que tinham sido incumbidos de "lhe ensinar uma lição".
"Bateram-me nas pernas, braços e joelhos com barras de ferro", disse. “Gritei até já não ter forças. Foi aí que me calei... e eles deixaram-me lá. O braço esquerdo e as pernas de Salema foram fraturados com gravidade, tendo sido evacuado para tratamento fora de Moçambique.
Salema é o segundo comentador do mesmo programa de televisão a ser raptado e atacado. Em Maio de 2016, José Jaime Macuane, analista político, foi raptado por homens armados que se identificaram como agentes de polícia, e atingido com quatro disparos nas pernas. Foi abandonado numa área isolada perto da estrada circular de Maputo. Apesar das promessas de investigação da polícia, dois anos depois o caso ainda está por resolver.
“Quando se é vítima de um crime que não foi investigado, quando as pessoas ao nosso redor nos aconselham a não falar porque podemos ser a próxima vítima, o medo torna-se real.”, disse Macuane à Human Rights Watch. “Sempre que saio de casa, sei que me pode acontecer alguma coisa.”
Macuane disse que foi feito muito pouco progresso na investigação do seu caso e que os investigadores só lhe pediram os seus registos médicos há algumas semanas.
Dois outros ex-comentadores do Pontos de Vista disseram à Human Rights Watch que decidiram cortar laços com o programa de televisão devido ao facto de terem começado a receber ameaças frequentes de indivíduos não identificados que afirmavam trabalhar para os Serviços de Informação e Segurança do Estado (SISE).
Um ex-comentador de televisão que pediu para não ser identificado, disse ter sido alertado por um familiar que trabalha para o SISE de que o seu nome estava num dossiê de pessoas que poderiam ser alvo dos serviços pelas críticas regulares que tecem às políticas do governo.
O fracasso do governo em investigar com seriedade e processar os crimes com motivação aparentemente política e outros ataques, está a colocar o clima de medo no país em níveis alarmantes, disse a Human Rights Watch.
Desde Março de 2015, as autoridades não foram capazes de investigar adequadamente 10 assassinatos de alto perfil no país. As vítimas incluem o constitucionalista Gilles Cistac, que foi atingido por tiros disparados por quatro homens não identificados, à porta de um café em Maputo. No dia 8 de Outubro de 2016, Jeremias Pondeca, membro de uma equipa do partido da oposição Renamo que preparava uma reunião entre o presidente Filipe Nyusi e o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, foi morto a tiro na sua corrida matinal na principal praia de Maputo, Costa do Sol. Em 4 de Outubro de 2017, Mahamudo Amurane, presidente do Municipio de Nampula e membro do partido da oposição Movimento Democrático de Moçambique, foi morto a tiro por homens não identificados, perto da sua casa.
A Polícia de Investigação Criminal de Moçambique, o órgão governamental responsável pelas investigações criminais, prometeu publicamente investigar os casos, mas ainda não identificou nenhum suspeito.
“O governo moçambicano deve tomar urgentemente medidas apropriadas para investigar os crimes de que os ativistas têm sido alvo”, disse Mavhinga. "Esta falta de ação condenará os ativistas a viver no medo e numa insegurança permanentes."