(Maputo) –O governo de Moçambique não responsabilizou nenhum indivíduo pelos graves abusos cometidos tanto pelas forças de segurança do Estado como pela oposição, a Renamo, no ano anterior ao cessar-fogo de dezembro de 2016, denunciou a Human Rights Watch num relatório divulgado hoje.
O relatório de 68 páginas, “‘O Próximo A Morrer’: Abusos das Forças de Segurança do Estado e da Renamo em Moçambique”, documenta abusos violentos cometidos nas províncias centrais do país entre Novembro de 2015 e Dezembro de 2016. Os abusos incluem desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias, a destruição de propriedade privada pelas forças governamentais, bem como assassinatos políticos, ataques a transportes públicos e o saque de clínicas de saúde pelo grupo armado do partido político Renamo.
Abusos das Forças de Segurança do Estado e da Renamo em Moçambique
“Mais de um ano depois de o cessar-fogo ter sido declarado, o governo moçambicano ainda não responsabilizou nenhum membro das suas forças de segurança ou da Renamo pelos graves crimes cometidos", alertou Iain Levine, vice-diretor executivo de programas da Human Rights Watch. "O governo tem de investigar os abusos cometidos por ambos os lados e apresentar os responsáveis à justiça”.
O relatório baseia-se em mais de 70 entrevistas com vítimas de abusos e respetivos familiares, bem como a agentes da polícia, soldados, políticos, ativistas e jornalistas. A Human Rights Watch endereçou perguntas detalhadas tanto ao governo como à Renamo, cujas respostas foram incluídas no relatório como apêndices.
O partido do governo, a Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) e a Renamo (Resistência Nacional Moçambicana) combateram uma guerra sangrenta durante 16 anos, que terminou em 1992, tendo a Renamo mantido uma pequena força armada. As tensões entre os dois grupos escalaram nos anos seguintes, à medida que a Renamo ia rejeitando os resultados de várias eleições.
Em Fevereiro de 2015, o governo iniciou uma operação para desarmar o grupo armado da Renamo pela força. A Renamo resistiu, dando origem a confrontos frequentes e a várias violações de direitos humanos nas províncias centrais de Manica, Sofala, Tete e Zambézia.
As forças de defesa e segurança do governo levaram a cabo desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias, tortura e outros maus-tratos sob custódia, bem como a destruição de propriedade privada, denuncia a Human Rights Watch.
A organização documentou sete casos de desaparecimentos forçados e ouviu relatos credíveis de muitos outros casos. Num dos casos, dois irmãos, José e Manuel Munera, foram convocados a uma esquadra de polícia na aldeia da Gorongosa em 16 de abril de 2016.
"Às 16:00, eles ligaram para nos informar de que tinham chegado à esquadra", disse a esposa de José Munera à Human Rights Watch. "Às 18:00 eu liguei-lhe e o telefone ficou a tocar." Nenhum dos homens foi visto ou ouvido desde então.
Na sua resposta às perguntas colocadas pela Human Rights Watch, o gabinete do presidente de Moçambique, Filipe Jacinto Nyusi, negou que as forças de segurança do governo tenham cometido abusos e rejeitou as alegações de desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias, tortura e destruição de propriedade.
A Human Rights Watch também documentou graves abusos cometidos pelo grupo armado da Renamo, comandado pelo líder do partido, Afonso Dhlakama, incluindo o rapto e homicídio de figuras políticas que trabalhavam com o governo ou com a Frelimo.
Um líder comunitario na cidade de Muxungue, Makotori José Mafussi, por exemplo, foi morto a tiro em 21 de Julho de 2016. A sua filha contou à Human Rights Watch que o pai começou a receber ameaças após ter sido acusado de ajudar as forças do governo a identificar ativistas da Renamo na região.
“No dia em que foi morto, ele tinha encontrado um membro da Renamo chamado [nome retido] no mercado”, revelou a filha de Mafussi. “Quando chegou a casa, disse-nos que o homem o tinha avisado de que ia ser o próximo a morrer.” Naquela noite, um homem invadiu a propriedade da família e matou Mafussi com um tiro na cabeça.
As forças da Renamo também realizaram emboscadas e ataques de atirador a transportes públicos, principalmente na estrada N1 nas províncias de Manica e Sofala. Em Julho e Agosto de 2016, os homens armados da Renamo invadiram pelo menos cinco hospitais ou clínicas médicas para saquear remédios e provisões, restringindo o acesso a cuidados de saúde a milhares de pessoas em áreas remotas das províncias de Zambézia, Tete e Niassa.
O líder do partido, Dhlakama, admitiu ter dado ordens para atacar autocarros que afirmou estarem a transportar soldados secretamente. No entanto, a Renamo rejeitou as alegações de assassinatos políticos como sendo "propaganda" do partido no poder.
Desde que o cessar-fogo foi declarado, a maioria dos combates e abusos de direitos humanos relacionados com o conflito, cessou. Mas o governo não moveu nenhuma ação judicial pelos graves crimes cometidos, inclusive pelos casos documentados pela Human Rights Watch. Esta falta de responsabilização segue um padrão de impunidade que remonta ao início do conflito em 1977, relembra a Human Rights Watch.
As autoridades falharam, por exemplo, em investigar adequadamente 10 assassinatos de alto perfil que ocorreram em diversos pontos do país desde Março de 2015, que parecem ter motivação política. Também falhou em investigar com a devida minúncia uma possível sepultura em massa no distrito da Gorongosa, denunciada em Abril de 2016, bem como a descoberta de pelo menos 15 corpos por baixo de uma ponte nas proximidades.
O governo deve cumprir as obrigações que lhe incumbem no âmbito do direito internacional em matéria de direitos humanos e investigar de forma imparcial e minuciosa as denúncias de abusos graves, seja pelas forças governamentais ou pela Renamo, e levar os responsáveis à justiça, declarou a Human Rights Watch. O governo também deve criar uma base de dados nacional de pessoas desaparecidas, para ajudar a identificar e localizar quem foi detido, vítima de desaparecimento forçado ou assassinado.
Os parceiros internacionais de Moçambique devem pressionar o governo para investigar os abusos de direitos humanos cometidos tanto pelo governo como pelas forças da Renamo desde o final de 2015.
“O facto de abusos desta gravidade saírem impunes, algo que prevalece em Moçambique, encoraja o cometimento de novos abusos”, afirmou Levine. “Trazer o governo e as forças da Renamo à justiça é crucial para que o cessar-fogo se transforme numa paz duradoura”.