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Brasil: Não ofereça justiça privilegiada às Forças Armadas

Projeto de lei pretende tirar da Justiça comum o julgamento de membros das Forças Armadas

Soldados do Exército Brasileiro patrulham fora do estádio Maracanã durante um ensaio da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016 no Rio de Janeiro. Brasil, 17 de Julho de 2016.  © 2016 Ricardo Moraes/Reuters


(São Paulo) – O Senado brasileiro está avaliando um projeto de lei, já aprovado pela Câmara dos Deputados, que pretende afastar da Justiça comum o julgamento de membros das Forças Armadas acusados de cometer execuções extrajudiciais de civis, disse hoje a Human Rights Watch. O Senado deveria rejeitar o projeto de lei, uma vez que ele aumenta os riscos de impunidade nos casos de homicídio.

“O comando das Forças Armadas do Brasil quer restabelecer uma prática dos tempos da ditadura militar”, disse Maria Laura Canineu, diretora do escritório Brasil da Human Rights Watch. “Segundo o projeto de lei, militares das Forças Armadas seriam julgados somente por tribunais militares em todos os casos de sérias violações de direitos humanos: um convite à impunidade”.

No final de julho de 2017, o governo brasileiro ordenou o emprego de milhares de membros das Forças Armadas no Rio de Janeiro em resposta ao aumento da violência. O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, afirmou que os soldados permanecerão na cidade até o fim de 2018.
 
A proteção jurídica que as Forças Armadas querem é na prática estabelecer um sistema a seu favor, que dificulte que vítimas de graves violações de direitos humanos obtenham justiça.
Maria Laura Canineu

Diretora do escritório Brasil, Divisão das Américas
 
Membros das Forças Armadas estão patrulhando as ruas do Rio e conduzindo operações em conjunto com as polícias militar e civil do estado. Se o projeto de lei for aprovado, soldados acusados de execuções extrajudiciais ou tentativa de homicídio de civis durante essas operações serão julgados em tribunais militares, enquanto os policiais militares e civis serão julgados na Justiça comum. Tribunais civis deveriam continuar a ter jurisdição sobre todos os casos de execuções extrajudiciais, independente de quem seja o autor, disse a Human Rights Watch.
 
Na Justiça Militar, os tribunais de primeira instância são compostos por quatro oficiais militares e um juiz civil, todos com o mesmo poder de voto. A segunda instância (o Superior Tribunal Militar, STM) é composta por um colegiado de 15 oficiais militares e apenas 5 civis. É possível recorrer das decisões do STM ao Supremo Tribunal Federal, um tribunal civil.
 
O Código Penal Militar, aprovado em 1969, durante a ditadura militar (1964-1985), previa que execuções extrajudiciais de civis deveriam ser julgadas pela Justiça Militar. A redação do Código foi alterada em 1996, determinando que a competência para o julgamento desses crimes passasse a ser da Justiça comum. Caso aprovado, o projeto de lei reverteria este importante passo dado pelo Brasil no sentido de deixar para trás seu passado autoritário e fortalecer o Estado de direito no país, disse a Human Rights Watch.
 
As normas internacionais de direitos humanos determinam que execuções extrajudiciais e outras graves violações não devem ser julgadas por tribunais militares. A Corte Interamericana de Direitos Humanos sentenciou que “a jurisdição penal militar não é a jurisdição competente para investigar e, se aplicável, julgar e punir os autores de violações de direitos humanos”.
 
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos considerou que não é apropriado julgar violações de direitos humanos na Justiça Militar uma vez que “quando o Estado permite que investigações sejam feitas por entidades com possível envolvimento, a independência e a imparcialidade ficam claramente comprometidas”.
 
O Comitê de Direitos Humanos da ONU, que monitora o cumprimento das obrigações dos governos conforme o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, convocou todos os Estados-membros a garantirem que militares que supostamente tenham cometido violações de direitos humanos sejam julgados pela Justiça comum. Segundo o comitê, a “ampla jurisdição dos tribunais militares para lidar com todos os processos criminais contra militares … contribui para a impunidade de que gozam esses agentes nos casos de graves violações de direitos humanos. ” 
 
O general Villas Bôas pediu ao Senado que aprove o projeto de lei, argumentando que os militares das Forças Armadas empregados nas operações no Rio de Janeiro precisam de “proteção jurídica”. Em nota enviada à imprensa, o exército também afirmou que sujeitar soldados à jurisdição dos tribunais civis “pode comprometer uma pronta reação” durante confrontos em operações de segurança.
 
“O sistema de justiça comum prevê todas as garantias do devido processo criminal a qualquer militar acusado de ter cometido execuções extrajudiciais, assim como para qualquer outro cidadão”, disse Canineu. “A proteção jurídica que as Forças Armadas querem é na prática estabelecer um sistema a seu favor, que dificulte que vítimas de graves violações de direitos humanos obtenham justiça”.

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