Um mês após a operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro, o Comando Vermelho, a facção que era alvo da operação, continua controlando os complexos do Alemão e da Penha. Enquanto isso, 122 famílias, incluindo as de 5 policiais mortos, choram a perda de seus entes queridos. Os resultados fatais e as táticas empregadas levantam sérias questões sobre se o comando policial buscou causar tiroteios, em vez de evitá-los.
O governo do estado do Rio de Janeiro afirmou que a operação de 28 de outubro resultou na morte de 117 suspeitos, incluindo 2 crianças, enquanto apenas 6 civis ficaram feridos.
A proporção entre mortos e feridos – impressionantes quase 20 para 1 – é o oposto do que se esperaria de uma força policial que tem o dever de proteger a vida das pessoas e faz com que nos perguntemos se a verdadeira intenção era de matar, em vez de prender suspeitos.
A explicação da polícia sobre a estratégia da operação ajuda a entender o seu resultado letal. Autoridades afirmaram que, em 28 de outubro, várias unidades entraram nas áreas baixas dos complexos do Alemão e da Penha, empurrando os suspeitos em direção a uma área de mata na Serra da Misericórdia.
No topo, o Batalhão de Operações Especiais (BOPE) da Polícia Militar formou o que a polícia descreveu como um “muro”. Ao final do dia, agentes de segurança deixaram para trás dezenas de corpos perfurados por balas. Menos de 23% dos policiais que participaram da operação usavam câmeras corporais, apesar de uma decisão da Suprema Corte exigir isso.
Moradores disseram à Defensoria Pública que a polícia invadiu suas casas para emboscar suspeitos na rua. A polícia usa essa estratégia com tanta frequência que ela tem um nome: “Troia”, em referência à lendária emboscada grega que conquistou a cidade de Troia.
A operação faz parte de um padrão de uso abusivo da força pelas forças policiais do Rio de Janeiro. Há dez anos, quando comecei a pesquisar a conduta policial no Rio pela Human Rights Watch, agentes de segurança matavam cinco pessoas para cada ferido, de acordo com registros oficiais que obtive. Isso era especialmente surpreendente, dado que vários comandantes e policiais me disseram que o efetivo tinha pouca precisão de tiro e treinamento insuficiente.
A polícia enfrenta facções muito perigosas e bem armadas no Rio de Janeiro, e algumas mortes causadas pela polícia são em legítima defesa. No entanto, nossas pesquisas mostram que, em outros casos, a polícia usou força letal de forma desproporcional, violando leis brasileiras e internacionais.
A chave para determinar quando realmente se trata de legítima defesa é a realização de investigações rápidas, completas e independentes, o que nunca é feito no Rio de Janeiro.
Após a operação de 28 de outubro, a polícia não preservou o local dos tiroteios, nem conduziu análises ali, tampouco manteve a cadeia de custódia das provas. Documentei falhas semelhantes em dezenas de outras mortes causadas pela polícia no Rio na última década.
Tradicionalmente, a Polícia Civil investiga as mortes em operações das Polícias Civil e Militar. O chefe da Polícia Civil do Rio, o secretário Felipe Curi, que tem o dever de garantir uma investigação independente, mostrou o absurdo dessa estrutura quando, antes mesmo de todos os corpos terem sido identificados, se referiu aos mortos na operação como “narcoterroristas”.
Ele estava ecoando a linguagem de Donald Trump para justificar execuções extrajudiciais de suspeitos de tráfico de drogas no Caribe.
O Ministério Público, e não a polícia, deveria conduzir essas investigações, de acordo com uma recente decisão do Supremo Tribunal Federal e uma resolução do Conselho Nacional do Ministério Público.
Além disso, a perícia criminal oficial deve ser independente. Mas o Rio de Janeiro é um dos sete estados brasileiros, juntamente com o Distrito Federal, cuja perícia oficial está subordinada à Polícia Civil.
A investigação da operação de 28 de outubro também precisa do envolvimento robusto do Ministério Público Federal, auxiliado pela Polícia Federal, uma vez que promotores estaduais participaram do planejamento da desastrosa operação. O procurador-geral da República deveria considerar a federalização do caso, uma opção permitida pela Constituição.
Enquanto não houver investigações completas e eficazes sobre as mortes causadas pela polícia, policiais abusivos continuarão a agir livremente e operações abusivas continuarão. Essas operações põem em risco tanto os policiais que procuram cumprir a lei quanto a população.
As autoridades do Rio de Janeiro realizaram incursões de estilo militar repetidamente durante anos, sem enfraquecer os grupos criminosos. Pelo contrário, essas organizações se expandiram para outros estados e países vizinhos.
Desde a Operação Contenção, a polícia se retirou dos complexos do Alemão e da Penha, e o controle do crime organizado sobre essas comunidades continua tão forte quanto antes. As pessoas que morreram logo serão substituídas por outros jovens pobres, com poucas perspectivas de emprego e educação.
O Rio de Janeiro e o Brasil precisam de uma nova estratégia de segurança pública baseada em dados e ciência, que desmantele grupos criminosos perigosos, priorizando a inteligência e a investigação e visando combater a lavagem de dinheiro, o tráfico de armas e as conexões das organizações criminosas com a economia legal.
Isso requer uma coordenação muito mais forte entre os órgãos de segurança pública estaduais e federais, que tem sido prejudicada pela desconfiança de que alguns membros desses órgãos possam estar trabalhando para grupos criminosos. O Ministério Público precisa reforçar as investigações sobre as alegações de ligações entre o crime organizado, a polícia e os políticos.
A continuação de operações abusivas e ineficazes em bairros de baixa renda, com maioria de população negra, compromete o próprio Estado de Direito que as autoridades afirmam defender. O Brasil deve parar o derramamento de sangue sem sentido.