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Eliza Samudio, 25, é uma das 4.465 mulheres que foram assassinadas no Brasil em 2010. Em outubro de 2009, ela havia procurado a polícia para reportar que seu ex-parceiro tinha a agredido e ameaçado matá-la caso não se submetesse a um aborto — o qual é ilegal no Brasil —, e a forçou a tomar substâncias abortivas.

Um teste de urina recolhida no momento do registro da ocorrência confirmou a presença de substâncias químicas abortivas. O problema é que a polícia demorou mais de oito meses para fazer a análise. Neste momento, Eliza estava morta.

Durante uma marcha no Dia Internacional da Mulher em São Paulo, em 8 de março de 2014, mulheres seguram fotos de vítimas que morreram por violência doméstica. © 2014 Reuters

Uma juíza da vara especializada de violência doméstica tinha negado a medida protetiva solicitada pela polícia após Eliza ter registrado a ocorrência. A juíza alegou que a Lei Maria da Penha não se aplicava ao caso, pois Eliza não mantinha uma "relação afetiva estável" com o agressor, com quem teve relação sexual somente uma vez.

As substâncias abortivas, no entanto, não funcionaram e, depois de dar à luz o bebê em fevereiro de 2010, Eliza entrou com uma ação para o reconhecimento da paternidade. Em junho, parentes e amigos de seu ex-companheiro a sequestraram. Um deles a estrangulou, a esquartejou e deu os restos de seu corpo aos cachorros, de acordo com um testemunho no julgamento de 2013, quando o ex-parceiro foi condenado e sentenciado a mais de 22 anos de prisão pelo mando do crime.

Apesar de tenebroso, o assassinato de Eliza possivelmente teria passado despercebido em um país onde parceiros, ex-parceiros ou parentes matam mais de 2.000 mulheres a cada ano. Contudo, no caso de Eliza, o homem envolvido é Bruno Fernandes de Souza, então goleiro e capitão do Flamengo, um dos clubes mais ricos do Brasil e o que possui a maior torcida.

Após Bruno passar mais de seis anos na prisão, um ministro do Supremo Tribunal Federal concluiu que o tribunal de justiça estadual estava demorando demais para julgar o recurso de apelação. Em fevereiro, o ministro decidiu que o Bruno poderia aguardar o julgamento em liberdade. Aos 32 anos, Bruno saiu da prisão, e o Boa Esporte, uma equipe da segunda divisão, o contratou.

Por essa razão, a equipe perdeu seus patrocinadores privados, e o governo municipal de Varginha, a pequena cidade onde o Boa Esporte joga, está avaliando se manterá o apoio financeiro. Nesta semana, um grupo de mulheres, vestidas de preto e com as mãos pintadas de vermelho, protestaram em Varginha contra a contratação de Bruno. Alguns fãs, porém, o aplaudiram após o primeiro treino com o time e pediram o seu autógrafo.

O alvoroço chamou atenção para o problema fatal da violência contra as mulheres no Brasil. A Lei Maria da Penha de 2006 – chamada assim em homenagem a uma sobrevivente da violência doméstica – foi um grande avanço, ao criar um quadro legal abrangente para prevenir a violência ou garantir justiça diante dela.

Apesar disso, uma em cada três brasileiras sofreu violência psicológica ou física durante o ano passado, segundo uma pesquisa divulgada na última semana. O Brasil precisa fazer muito ainda para tornar os dispositivos da lei Maria da Penha uma realidade.

As mulheres brasileiras frequentemente sofrem abusos durante anos antes de procurarem uma delegacia — e não é à toa. Quando finalmente o fazem, elas muitas vezes são recebidas por policiais despreparados que acabam arquivando suas declarações, condenadas ao esquecimento. Em 2013, uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito identificou atrasos injustificáveis ​​nas investigações de casos de violência doméstica, atrasos tão longos que se esgotam os prazos prescricionais e o agressor nunca é julgado.

Mesmo para as mulheres que conseguem obter uma medida protetiva, o documento muitas vezes não produz efeitos. Isto porque, na grande maioria dos casos, ninguém monitora seu cumprimento.

As autoridades brasileiras deveriam expandir as delegacias de polícia especializadas em violência contra as mulheres, oferecer treinamento relevante a todos os policiais, assegurar investigações adequadas e implementar patrulhas para garantir que os homens cumpram às medidas protetivas.

Em 2010, o próprio Bruno, conversando com repórteres sobre uma briga entre o jogador de futebol Adriano e sua noiva questionou "Quem nunca brigou ou até saiu na mão com a mulher?", e acrescentou com um famoso ditado brasileiro: "Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher".

Mas todos deveríamos. A violência contra as mulheres não deve ser tolerada como algo normal. Para acabar com ela, é preciso mais vontade política e mais rejeição social.

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