“Os soldados angolanos dispararam balas reais num protesto pacífico. Não surpreende, pois, que o resultado tenha sido a morte de um adolescente,” afirmou Daniel Bekele, diretor de África da Human Rights Watch. “É imperativo que as autoridades comecem imediatamente a investigar a razão que levou os soldados a abrir fogo, que os responsáveis sejam levados ao tribunal e que se tomem medidas para evitar novos derramamentos de sangue no futuro.”
Por volta das 15:00 do dia 6 de Agosto, a polícia militar chegou ao local para ajudar a demolir as habitações e abrir alas para um projeto comercial no bairro do Walale, na zona do Zango II, em Luanda, segundo relatos de duas testemunhas e da comunicação social. Os soldados foram recebidos por um grupo de moradores que protestavam pacificamente contra as demolições. Sem aviso, contaram as testemunhas, os soldados dispararam balas reais para o ar e para os pés dos manifestantes, para dispersar a multidão.
“Acho que eles [a polícia militar] ficaram irritados com o número de pessoas que estavam a sua espera,” disse um dos manifestantes, Dinho, cujo sobrenome não será utilizado para salvaguardar a sua segurança. “Carregaram as armas e começaram a disparar para os nossos pés. E nós começámos a fugir.”
Rufino António, de 14 anos, foi fatalmente atingido por uma bala no pescoço. Não há notícia de outros manifestantes feridos pelos disparos.
“Um dos soldados estava a ouvir-nos a suplicar que não demolissem as nossas casas,” disse Lucas, outro manifestante. “Mas depois, outro soldado apontou-me a arma dele. O miúdo estava mesmo atrás de mim. Eu disse-lhe para fugir. Corremos e escondemo-nos atrás de uma mangueira. Aquele tiro era para mim. Não acertou em mim, não acertou na mangueira, mas infelizmente, acertou no rapaz.”
Rui Domingos, tio de Rufino, disse à Human Rights Watch que o sobrinho estava a brincar com outras crianças quando a polícia militar chegou e que Rufino decidiu juntar-se à manifestação. Domingos disse ter sido chamado ao local juntamente com os pais de Rufino por volta das 17:00, por vizinhos que assistiram ao tiroteio. Quando chegaram, o sobrinho já estava sem vida.
“Os vizinhos disseram-nos que um militar lhe tinha dado um tiro.” contou Domingos. “E nós chamámos imediatamente o soba (chefe local) e a polícia”.
Domingos disse que poucos minutos depois de a polícia local ter chegado, surgiram alguns militares, que começaram a ameaçar o comandante da polícia e levaram o corpo de Rufino sem qualquer explicação. A família localizou o corpo do rapaz na morgue do Hospital Maria Pia no dia seguinte.
Um vídeo violento filmado logo após o tiroteio e publicado nas redes sociais por ativistas angolanos, mostra Rufino deitado no chão, por baixo de uma mangueira, com sangue a escorrer da cabeça ou pescoço. Uma multidão rodeia o corpo e um homem grita “Chamem a mãe dele, a mãe dele." Pouco depois, ouve-se um tiro, mas não se veem agentes das forças de segurança.
O protesto foi organizado por moradores locais contra a demolição planeada de cerca de 625 casas do bairro, tendo em vista a construção de um projeto de desenvolvimento comercial, industrial e agrícola pela Zona Económica Especial Luanda-Bengo.
Um ativista da OMUNGA, uma organização que monitoriza os despejos forçados em Angola, disse à Human Rights Watch que as demolições começaram em 31 de Julho e foram recebidas por repetidos protestos, nenhum dos quais envolveu violência. A operação de aplicação da lei foi conduzida por uma unidade militar do Posto de Comando Unificado (PCU), uma nova força formada por inspetores de construção civil, soldados do exército e polícia, encarregada de proteger os terrenos e infraestruturas do governo.
O tenente-general que lidera as operações da PCU, Simão Carlitos Wala, disse à Voz da América que o incidente estava a ser investigado, mas recusou-se a fornecer detalhes.
“As autoridades angolanas devem enviar polícia, e não soldados, para aplicar a lei durante as manifestações,” defendeu Bekele. “Os soldados, incluindo a polícia militar, são treinados para recorrer primeiro ao uso de armas.”
Os Princípios Básicos da ONU para o Uso da Força e de Armas de Fogo pelos Agentes da Autoridade estipulam que estes devem recorrer, tanto quanto possível, a meios não violentos antes da utilização da força. Sempre que o uso legítimo da força ou de armas de fogo seja inevitável, as autoridades deverão utilizá-las com moderação e a sua ação deve ser proporcional à gravidade da infração. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei não devem utilizar armas de fogo contra pessoas salvo em caso de legítima defesa do próprio ou de terceiros contra perigo iminente de morte ou dano corporal grave.
A legislação angolana só permite a utilização de força letal se tal for o último recurso para combater uma ameaça à vida ou evitar danos corporais graves. No entanto, a Human Rights Watch e outros grupos já documentaram vários casos em que as forças de segurança mataram ou feriram injustificadamente manifestantes.
Em Abril deste ano, um tiroteio policial feriu pelo menos três pessoas numa manifestação de estudantes contra o aumento das propinas no Caluquembe, província da Huíla. Inicialmente, a polícia negou ter disparado balas reais. No entanto, posteriormente, admitiu que um oficial tinha efetivamente aberto fogo e assegurou que este seria punido. Desconhecemos que medidas foram tomadas para punir o oficial ou os outros envolvidos no incidente.
“As autoridades angolanas deverão demonstrar que estão empenhadas em refrear o uso excessivo de força investigando a fundo a morte de Rufino António e julgando os responsáveis”, afirmou Bekele. “O governo deverá assegurar que as suas forças de segurança agem em linha com as normas internacionais e respondem a protestos pacíficos sem recorrer à violência.”