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O que teme um policial no Rio

Execuções cometidas por PMs prejudicam o resto da força que quer cumprir a lei

Publicado em: O Globo

Ser um policial no Rio é difícil e perigoso. Dezenas são mortos a cada ano, muitos nas mãos de facções criminosas.

Mas não são apenas essas facções que colocam a vida dos policiais em risco. Também os colegas da própria polícia o fazem.

Nos últimos seis meses, entrevistei mais de 30 policiais que trabalham em áreas com altos índices de criminalidade. Eles contaram temer não apenas os traficantes, mas também outros policiais envolvidos no crime e violência.

Um deles, Danilo (nome fictício), me disse que participou de várias operações com o objetivo de matar — e não prender — supostos criminosos. Durante uma delas, disse ele, um policial se aproximou de um homem ferido no chão e o executou com um tiro à queima-roupa. “Eu não o denunciei por medo até de morrer, porque essas pessoas não têm escrúpulos”.

Dois outros policiais que entrevistei também sofriam com o dilema entre denunciarem seus colegas ou se calarem sobre as execuções, tornando-se cúmplices delas. Ambos disseram ter medo de serem mortos se falassem. Então, não o fizeram.

Execuções cometidas por policiais prejudicam o resto da força que quer cumprir a lei. Criminosos encurralados ficam menos propensos a se renderem pacificamente, acreditando que serão executados. Moradores das comunidades estão menos dispostos a ajudarem uma polícia da qual desconfiam e temem.

Uma policial, Laura (nome fictício), disse que, quando as pessoas confiam na polícia, elas podem ajudar a prevenir emboscadas. “Às vezes nos avisam para não seguir por um determinado caminho”. No fim de 2015, no entanto, surgiu um vídeo que destruiu essa confiança e fez com que Laura se sentisse “muito vulnerável”. O vídeo mostrava policiais forjando um confronto no Morro da Providência, onde ela trabalha, enquanto a vítima estava morrendo no chão. “Eu sei que faço o que é certo no meu trabalho”, disse ela, “mas eu percebo os olhares de desconfiança e ódio das pessoas”.

As execuções não são problema isolado. Em alguns batalhões, a conduta criminosa é esperada. “Matar bandido é o que era exigido como bom resultado por meus superiores”, contou Danilo.

A culpa não é apenas da Polícia Militar. Policiais civis e promotores de Justiça que não investigam adequadamente esses casos, assim como parte da população que aplaude quando a polícia mata, prestam um grande desserviço à corporação. Criminosos de uniforme permanecem impunes, pondo todo o resto da força sob risco.

Em janeiro, passei uma manhã com PMs da UPP da Mangueira. Eles empinavam pipas com crianças numa quadra de futebol. As crianças estavam sorrindo, mas tensas. Num muro, a pichação: “Polícia bom é polícia morto” (sic).

Perguntei às crianças o que achavam da polícia. “Ruim, porque mata pessoas inocentes”, disse um garoto de 9 anos. A alguns metros dali três policiais, sem coletes à prova de balas nem fuzis, tentavam fazer a coisa certa.

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