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Uma nova abordagem

Legalizar a posse de drogas para consumo pessoal no Brasil ajudaria a aliviar a superlotação das prisões e permitiria um novo protocolo dos problemas da dependência química

Publicado em: O Globo

Ao longo da última década, o México conduziu uma política de “guerra às drogas" com consequências catastróficas: a violência relacionada às drogas já matou dezenas de milhares de pessoas. No mês passado, a Suprema Corte do país decidiu que a proibição ao uso da maconha viola o direito constitucional ao “livre desenvolvimento da personalidade" dos cidadãos mexicanos. Esta decisão, embora limitada à maconha, representa um passo importante rumo a uma nova abordagem na política de drogas, com o potencial de tornar a vida dos mexicanos mais saudável e segura.

Embora os governos tenham a legítima missão de minimizar os danos causados pelas drogas, a criminalização do consumo é contraproducente, ineficiente e incompatível com o respeito aos direitos humanos.
Maria Laura Canineu & Daniel Wilkinson

Diretora do escritório Brasil & Diretor Adjunto para as Américas

Esperamos que o Supremo Tribunal Federal (STF) no Brasil siga o exemplo do México. O STF está avaliando se a lei que tipifica como crime a posse de drogas para consumo pessoal viola o direito constitucional à privacidade. Se decidir pela inconstitucionalidade do dispositivo legal, o Brasil se juntará a um grupo crescente de países que está flexibilizando suas políticas sobre drogas, como Portugal, que descriminalizou o uso de todas as drogas em 2001, aparentemente sem consequências negativas para a população, e o Uruguai, que se tornou o primeiro país a legalizar e regulamentar completamente o mercado da maconha, em 2013.

Mesmo os Estados Unidos, tradicionalmente um dos mais fervorosos defensores da abordagem proibicionista às drogas, estão começando a abrandar suas políticas de controle. Quase metade dos 50 estados do país já legalizou a maconha de alguma maneira, e a administração Obama tem adotado uma postura de não-intervenção nos experimentos dos estados.

Essas mudanças refletem o reconhecimento cada vez mais presente de que, embora os governos tenham a legítima missão de minimizar os danos causados pelas drogas, a criminalização do consumo é contraproducente, ineficiente e incompatível com o respeito aos direitos humanos.

Seria benéfico ao Brasil fazer a distinção entre o consumo de drogas e os comportamentos antissociais que elas podem causar. Nos lugares onde a posse e o consumo são legalizados, o dinheiro que seria gasto para processar e encarcerar usuários não-violentos pode ser investido em centros de tratamento — e, excluído o risco de persecução penal, os dependentes químicos não temeriam buscar auxílio nas clínicas.

Tanto o México quanto o Brasil já tentaram adequar suas leis para permitir o direcionamento de usuários não envolvidos com o tráfico a centros de tratamento ou a serviços comunitários, em vez da prisão. No entanto, tanto a lei brasileira, aprovada em 2006, quanto a mexicana, de 2009, também endureceram as penas para pequenos traficantes e pouco orientam os integrantes do sistema de justiça sobre a distinção entre usuários e traficantes.

Assim, é impossível saber quantos dos mexicanos e brasileiros que hoje estão atrás das grades por crimes relacionados às drogas são simplesmente usuários não-violentos, equivocadamente processados ou condenados como traficantes. No México, a decisão da Suprema Corte sobre a maconha incluiu o reconhecimento de que permitir que os usuários cultivem a própria erva para consumo pessoal tem o condão de protegê-los tanto da persecução penal quanto dos riscos inerentes de comprá-la de criminosos.

Legalizar a posse de drogas para consumo pessoal no Brasil provavelmente ajudaria a aliviar a superlotação crônica das prisões do país, e certamente permitiria uma nova abordagem dos problemas da dependência química.

Em setembro, o STF adiou a decisão sobre se a lei que tipifica como crime a posse de drogas para consumo pessoal viola o artigo 5º da Constituição Federal, que garante o direito à privacidade. Esse direito também é consagrado no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana dos Direitos Humanos. Uma decisão afirmativa para o caso não significaria apenas um reconhecimento há muito devido da soberania dos cidadãos sobre seus corpos, mas também uma oportunidade de passar a tratar a dependência química como uma doença, e não como crime.

A Assembleia Geral das Nações Unidas está planejando uma sessão especial sobre as políticas de drogas em 2016, o que confere ao Brasil a chance de tomar um papel de liderança no redirecionamento dos recursos hoje usados para processar criminalmente usuários para o tratamento dos dependentes químicos. O Brasil deve assumir esse papel. Afinal, como descrito na Convenção Única sobre Entorpecentes, de 1961, o maior propósito das políticas sobre drogas é a saúde e o bem-estar da Humanidade.

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