Skip to main content

Angola: Polícia Interrompe Protesto Contra «Desaparecimentos»

Um Ano Após o Rapto de Dois Ativistas, Não Há Investigação Credível em Curso

(Joanesburgo) – Autoridades angolanas interromperam à força uma manifestação pacífica em 27 de maio que denunciava o desaparecimento forçado de dois ativistas há um ano, disse hoje a Human Rights Watch. A Human Rights Watch também manifestou a sua preocupação relativamente à inexistência de uma investigação credível dos desaparecimentos.

A polícia usou força excessiva contra cerca de 30 manifestantes na Praça da Independência em Luanda, disse a Human Rights Watch. Os ativistas estavam a realizar uma vigília pelo primeiro aniversário do desaparecimento de Isaías Cassule e António Alves Kamulingue. A polícia agrediu os manifestantes com porretes e deteve brevemente uma dúzia de pessoas. Um ativista, acusado de «tentativa de homicídio», continua detido e foi impedido de falar com o seu advogado.

«As autoridades angolanas parecem mais interessadas em reprimir manifestações pacíficas do que em investigar o que aconteceu aos dois homens “desaparecidos”», disse Leslie Lefkow, diretora-adjunta de África para a Human Rights Watch. «Este tipo de intimidação levanta ainda mais questões sobre a determinação do governo em abafar questões sobre os destinos de Cassule e de Kamulingue.»

Kamulingue e Cassule foram raptados por agressores não-identificados em 27 e 29 de maio de 2012, respetivamente, após terem organizado no dia 27 de maio em Luanda uma manifestação de guardas presidenciais e veteranos de guerra devido a queixas de salários e pensões por pagar. Jovens ativistas já haviam organizado manifestações em dezembro de 2012 e novamente em março de 2013, instando o governo a divulgar informação sobre os homens desaparecidos. De acordo com o direito internacional, um desaparecimento forçado ocorre quando as autoridades privam uma pessoa da sua liberdade mas recusam-se a admiti-lo ou não fornecem informações sobre o paradeiro ou destino do indivíduo.

A manifestação de 27 de maio começou por volta das 16 horas. A polícia barrou a entrada na Praça da Independência para impedir a reunião e, de seguida, agrediu cerca de 30 manifestantes que estavam sentados na praça vestidos de preto. Centenas de transeuntes, muitos dos quais eram estudantes vindos da escola a caminho casa, assistiram aos espancamentos. A polícia deteve uma dúzia de manifestantes e libertou-os no mesmo dia sem qualquer acusação, exceto Emilio Catumbela, que foi acusado de tentativa de homicídio e aguarda julgamento. Vários manifestantes foram maltratados na prisão e um sofreu ferimentos graves nas costelas que necessitaram de tratamento hospitalar.

As autoridades deram falsas informações aos advogados de Catumbela sobre o seu paradeiro, privando-o de acesso a aconselhamento. Salvador Freire, do grupo de apoio jurídico Mãos Livres, disse à Human Rights Watch «A polícia de investigação criminal mostrou-nos uma carta a confirmar que ele fora transferido para a Procuradoria-Geral da República, mas a Procuradoria negou que o detido, que estava a ser acusado de “ofensas corporais”, tivesse lá chegado.»

Freire disse que após um dia passado de escritório em escritório, lhe disseram que Catumbela estava a ser interrogado na 19.ª Esquadra da Polícia, onde estava a ser acusado de tentativa de homicídio do comandante da polícia daquela área. «Nem a polícia de investigação criminal, nem a Procuradoria-Geral nos disseram a verdade», disse Freire. «E, durante o período de tempo em que fui impedido de contactá-lo, as acusações contra o meu cliente foram agravadas e continuam a não nos deixar falar com ele.» O jovem manifestante Alemão Francisco disse à Human Rights Watch que conseguiu falar brevemente com Catumbela através da janela da sua cela na cadeia da esquadra. «Ele queixou-se de estar a ser torturado por agentes da polícia», disse o ativista.

A agência de notícias estatal, Angop, noticiou que a polícia dispersara uma manifestação ilegal e violenta e que fora forçada a deter manifestantes que lhe haviam atirado pedras. A Human Rights Watch falou com manifestantes que disseram que a vigília fora anunciada com antecedência às autoridades, em conformidade com os requisitos legais. As testemunhas disseram que o protesto era pacífico. “Mandela”, 27 anos, e “Nicolas”, 31, disseram que foram ambos espancados na prisão, tanto por outros detidos sob ordens da polícia, como pela própria polícia.

“Mandela” contou o seguinte à Human Rights Watch:

Levaram-nos para a 6.ª esquadra da polícia. Lá, a polícia tirou-nos todos os nossos pertences, incluindo a nossa roupa e sapatos. Ficámos apenas de boxers. No pátio, uma dúzia de agentes da polícia bateu-nos com cabos de metal e algemas. Eu caí ao chão e eles deram-nos pontapés com as botas. Depois, puseram-nos numa cela com seis ou mais criminosos. O comandante ordenou ao chefe de cela: «Trata destes dois.» Um dos presos disse: «Vocês deram muito trabalho ao chefe. Agora, vão apanhar porrada.» Bateram-nos com panelas e outras coisas – punhos, cotovelos – durante 40 minutos. Depois, veio o comandante e levou-nos para o pátio. Lá, agentes da polícia voltaram a bater-nos, até que outro agente os mandou parar.

“Mandela” disse que, de seguida, a polícia levou-os num carro policial até Cazenga, onde foram deixados num canto de uma rua escura por volta das 20 horas. A polícia devolveu-lhes a roupa, mas não os sapatos, dinheiro, celulares e outros pertences. “Mandela” disse que conseguiram pedir dinheiro emprestado para regressar a casa: «Mal consegui atravessar a rua e desmaiei. Ainda mal consigo mexer a minha perna direita e o meu braço direito, que estão inflamados.»

Mais tarde, colegas encontraram “Mandela” deitado no chão, semiconsciente, e levaram-no para o hospital onde recebeu tratamento pelos ferimentos nas costelas.

Desde 2011, Angola tem registado um aumento crescente no número de manifestações públicas, primeiro com jovens e, mais tarde, com veteranos de guerra a manifestar-se na capital, Luanda, e em outras cidades. O movimento juvenil reivindica reformas sociais e a renúncia do Presidente José Eduardo dos Santos, que está no poder há 33 anos, ao passo que os veteranos de guerra exigem benefícios sociais devidos há muito. As autoridades reagiram banindo e reprimindo violentamente as manifestações, detendo manifestantes arbitrariamente e levando a cabo julgamentos injustos. Agentes da polícia e agentes de segurança à paisana levaram a cabo uma campanha generalizada de intimidação e vigilância perscrutante.

Desde 2011, manifestantes apresentaram várias queixas à polícia por violência por parte de agentes de segurança à paisana e por inação policial face a atos de violência cometidos contra manifestantes e alguns jornalistas e observadores. A Human Rights Watch não tem conhecimento de nenhuma investigação policial credível de nenhum desses casos.

«Há dois homens desaparecidos há um ano e a falta de ação do governo só agrava as preocupações relativamente ao envolvimento das forças de segurança.», disse Lefkow. «O governo precisa de facilitar uma investigação independente, incluindo a visita de um especialista das Nações Unidas em desaparecimentos forçados.»

Para mais informações sobre abusos nas manifestações de dezembro e março e a inexistência de uma investigação credível dos desaparecimentos, por favor, veja em baixo.

Repressão de Manifestações Anteriores
As manifestações de dezembro de 2012 e março de 2013 em nome de Cassule e Kamulingue também foram anunciadas com antecedência, de acordo com a legislação angolana.

Ainda assim, nessas manifestações a polícia também dispersou os participantes usando força excessiva e fazendo detenções arbitrárias de manifestantes.
Em 30 de março de 2013, jovens manifestantes planearam uma marcha do Cemitério de Sant’Ana em Luanda até à Praça da Independência no centro da cidade, destinadas a urgir o governo a revelar o paradeiro de Cassule e Kamulingue, bem como a respeitar «o direito à vida e de pensar de forma diferente». Um comandante da polícia declarou aos manifestantes que tinha ordens do governo para dispersar as pessoas. A polícia deteve temporariamente pelo menos 18 jovens, incluindo vários transeuntes. A polícia também ameaçou usar força contra jornalistas e observadores independentes que estavam no local para noticiar a manifestação, incluindo uma investigadora da Human Rights Watch.

Vários manifestantes que estiveram detidos em várias cadeias policiais disseram à Human Rights Watch que foram interrogados durante horas por equipas de agentes da polícia e agentes de segurança vestidos à civil. Disseram que foram fotografados, que lhes tiraram as impressões digitais e que a polícia apreendeu os seus celulares e revistou os seus contactos e mensagens. «A polícia perguntou-nos repetidamente quem estava por trás das nossas manifestações e acusou-nos de incitar à violência e à guerra contra o Estado angolano», disse à Human Rights Watch Nito Alves, um manifestante de 18 anos detido em 30 de março e 27 de maio.
Durante a manifestação de 22 de dezembro de 2012, um grupo de jovens planeava fazer uma marcha da Praça da Independência até ao Ministério da Justiça, mas a polícia barrou o caminho. A polícia de intervenção rápida usou gás lacrimogéneo para dispersar a multidão, agrediu os manifestantes com porretes e deteve oito pessoas, incluindo vários transeuntes.

Um manifestante que foi detido e solto sem acusação, Alemão Francisco, disse à Human Rights Watch que, enquanto esteve detido, a polícia de investigação forçou-o a dar uma entrevista ao canal de televisão estatal, Televisão Pública de Angola (TPA). «Transmitiram a mensagem de que eu assumi a responsabilidade e pedi desculpa pelos danos causados a vários carros – mas não foi isso que eu disse», contou à Human Rights Watch. Em 28 de dezembro, um juiz absolveu todos os manifestantes por falta de provas.

Não Há Investigações Credíveis dos Desaparecimentos
Os advogados dos homens desaparecidos notificaram as autoridades do desaparecimento forçado dos mesmos em outubro de 2012. Mas as autoridades têm feito pouco para investigar o caso, disse a Human Rights Watch. Em 20 de dezembro, o Ministro do Interior, Ângelo Tavares, o Procurador-Geral, Arcanjo Custódio, o Comandante-Geral da Polícia, Ambrósio de Lemos, o Diretor da Polícia de Investigação Criminal, Pedro Alexandre, e o Secretário de Estado para a Juventude, Nhanga Assunção, convidaram familiares dos homens desaparecidos e vários jovens ativistas e jornalistas para uma reunião oficial.

No entanto, em vez de divulgarem informações sobre o paradeiro dos homens desaparecidos ou os passos dados pelas autoridades no processo, os oficiais negaram ter qualquer conhecimento oficial do caso e manifestaram preocupação em relação aos homens.

A polícia de investigação criminal parece só ter aberto um processo em fevereiro de 2013. O irmão de Cassule disse à Human Rights Watch que agentes da polícia de investigação criminal chamaram familiares dos homens desaparecidos a depor em fevereiro e tentaram intimidar a família para que parasse de falar com a comunicação social e com jovens ativistas.

Em 27 de março, a polícia deteve a única testemunha conhecida do rapto de Cassule, Alberto Santos, um ex-guarda presidencial. Santos descrevera pelo telefone à Human Rights Watch como no dia 29 de maio de 2012 seis agentes de segurança vestidos à civil arrastaram Cassule para o carro deles, ao passo que Santos, que estava a andar com Cassule, conseguiu escapar. Disse que, a partir desse momento, refugiara-se num esconderijo com medo de ser raptado. Santos disse que a polícia nunca o chamou a ser interrogado na qualidade de testemunha. Alberto Santos continua detido mas não foi formalmente acusado.

 

Your tax deductible gift can help stop human rights violations and save lives around the world.

Região/País