(Joanesburgo) – O governo angolano está a visar organizadores de protestos para detenções arbitrárias em resposta às crescentes manifestações que criticam o governo ou as suas políticas, anunciou hoje a Human Rights Watch.
A Human Rights Watch instou as autoridades angolanas a libertar ou a acusar adequadamente todos os manifestantes detidos e a garantir que todos os detidos têm acesso rápido a aconselhamento jurídico e aos familiares. As autoridades devem investigar urgentemente os alegados raptos e o desaparecimento possivelmente forçado de vários organizadores de protestos. Angola tem previstas eleições legislativas a 31 de agosto de 2012.
“A recente vaga de abusos graves cometidos contra manifestantes é um sinal alarmante de que o governo angolano não tolera a dissidência pacífica”, afirmou Leslie Lefkow, diretora-adjunta de África da Human Rights Watch. “O governo deve cessar as tentativas de silenciamento destas manifestações e concentrar-se em melhorar o ambiente eleitoral”.
Desde 2011, Angola tem vindo a experienciar protestos públicos sem precedentes, com jovens, e agora veteranos de guerra, a sairem à rua para se manifestarem publicamente na capital, Luanda, e em outras cidades.
O movimento juvenil reivindica reformas sociais e a renúncia do Presidente José Eduardo dos Santos, que se encontra no poder há 33 anos.Os veteranos de guerra exigem benefícios sociais devidos há muito.
Ao longo do último ano, agentes da polícia angolana, fardados e à paisana, têm reagido às manifestações juvenis com repressões cada vez mais violentas, apesar da pequena escala dos protestos, e detiveram vários líderes juvenis, jornalistas e líderes da oposição.
Os protestos públicos dos veteranos de guerra têm vindo a ganhar força desde junho. Veteranos de guerra em Luanda e Benguela anunciaram mais manifestações antes das eleições, a não ser que o governo considere as suas exigências de pagamentos regulares de pensões. Muitos dos veteranos de guerra foram desmobilizados, ao longo das últimas duas décadas, de exércitos de todos os lados, incluindo o partido no poder, que participaram na longa guerra civil angolana. A 7 de junho, vários milhares de veteranos de guerra marcharam até ao Ministério da Defesa em Luanda, onde o Chefe do Estado-Maior do Exército, o General Sachipengo Nunda, prometeu dar resposta às exigências de pensões.
A 20 de junho, milhares de veteranos de guerra reuniram-se no quartel das Transmissões militares em Luanda, no seguimento de um anúncio oficial de que o governo iria desembolsar pagamentos únicos de 550 dólares e dar resposta às exigências de pensões. Veteranos de guerra que participaram na manifestação daquele dia contaram à Human Rights Watch que a manifestação irrompeu de forma espontânea após não terem recebido qualquer resposta oficial às suas exigências generalizadas de pensões.
Os veteranos de guerra marcharam pela cidade, tendo parado na estação de rádio católica Ecclesia e na embaixada dos Estados Unidos, e aproximaram-se da zona presidencial, até serem barrados por brigadas da Polícia de Intervenção Rápida, polícia militar e guardas presidenciais, que dispersaram a multidão disparando gás lacrimogéneo e balas reais.
Testemunhas contaram à Human Rights Watch que os manifestantes não estavam armados, mas que alguns participantes atiraram pedras e agrediram um general do exército angolano que se encontrava no local, de acordo com a investigação da Human Rights Watch. A Human Rights Watch não foi capaz de confirmar alegações de que três manifestantes foram mortos a tiro.
As forças de segurança detiveram mais de 50 veteranos de guerra durante o protesto de 20 de junho. Dezassete foram alegadamente libertados sem qualquer acusação a 22 de junho, mas as autoridades policiais, militares e judiciais não deram resposta aos repetidos pedidos da Human Rights Watch para que confirmassem os números totais de indivíduos detidos, libertados ou que continuam detidos em regime a aguardar julgamento. A 25 de junho, a polícia militar deteve um líder de uma comissão de queixas de veteranos de guerra.
A investigação da Human Rights Watch determinou que há pelo menos 28 veteranos de guerra que continuam detidos em regime de pré-julgamento: oito na sede da polícia de investigação criminal, e pelo menos 20 na sede da polícia militar judicial em Luanda. Agentes da polícia, polícias militares e funcionários judiciais contaram à Human Rights Watch que os detidos foram autorizados a solicitar assistência e aconselhamento jurídico, mas que não o tinham feito. Familiares de alguns detidos disseram à Human Rights Watch que tinham autorização para levar-lhes alimentos, mas não lhes foi permitido falar com os seus familiares.
Dois veteranos de guerra que estiveram detidos durante dois dias contaram à Human Rights Watch que foram forçados a declarar na televisão que os partidos da oposição política estavam por detrás dos protestos e que, posteriormente, foram libertados sem qualquer acusação. Contaram que foram interrogados em separado por agentes de segurança à paisana, sem a presença de um advogado, na polícia de investigação criminal provincial de Luanda. Também disseram que foram ameaçados com represálias caso se recusassem a dizer à televisão detida pelo estado, a Televisão Pública de Angola (TPA), que os partidos da oposição tinham incitado os ex-soldados a manifestar-se.
Um dos dois veteranos, Francisco Candela, que foi desmobilizado das forças rebeldes da antiga União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), em 2003, disse: “Disseram-me que se falasse contra os partidos da oposição, resolviam a minha situação. Mas se não aceitasse fazê-lo, condenavam-me por arruaça contra a segurança do estado. "
Candela acrescentou que os agentes de segurança o levaram a ele e a outro veterano de guerra rebelde num carro civil até ao quartel-geral das forças armadas, onde foram entrevistados por jornalistas da TPA na presença de agentes de segurança. Desde então, os meios de comunicação do estado têm noticiado extensivamente o alegado incitamento dos protestos por partidos da oposição. A 16 de junho, as Forças Armadas Angolanas acusaram publicamente os partidos da oposição UNITA, CASA-CE e Bloco Democrático de terem instigado uma manifestação anterior de veteranos de guerra, a 7 de junho, em Luanda.
A Human Rights Watch também falou por telefone com José Fernandes de Barros, ex-membro das forças do partido no poder, as Forças Armadas Populares para a Libertação de Angola (FAPLA), e signatário de um manifesto de uma comissão de reclamações, que representa 4000 veteranos de guerra à espera da desmobilização formal desde 1992. De Barros foi detido a 25 de junho pela polícia militar e, desde então, encontra-se detido na sede da polícia militar judicial de Luanda. Também disse ter sido interrogado por oficiais militares sem a presença de um advogado. A comissão já tinha planeado um protesto em fevereiro, mas cancelou-o.
O direito angolano e internacional exige o acesso imediato de todos os detidos a um advogado, que deverá ter permissão para estar presente durante o interrogatório, para impedir interrogatórios coercivos, afirmou a Human Rights Watch.
“As forças de segurança angolanas tornaram as detenções duvidosas de veteranos de guerra ainda mais suspeitas pelo facto de os terem interrogado na ausência de um advogado", afirmou Lefkow. "Interrogar detidos sem a presença de um advogado suscita graves preocupações de coerção".
Desaparecimento Possivelmente Forçado de Organizadores de Protestos de Veteranos de Guerra
As detenções de veteranos de guerra a 20 e 25 de junho foram antecedidas pelo desaparecimento possivelmente forçado de dois organizadores de um grupo ad hoc chamado Movimento Patriótico Unido (MPU), que tinha organizado uma manifestação de veteranos de guerra e ex-guardas presidenciais.
A 27 de maio, o MPU organizou uma manifestação de ex-guardas presidenciais em Luanda para exigir o pagamento de salários em atraso. As autoridades de Luanda tinham sido notificadas, de acordo com o exigido pela legislação angolana. Apesar de os guardas presidenciais terem retirado a sua participação para aguardarem novas negociações com a Casa Militar Militar do presidente, outros grupos de veteranos de guerra juntaram-se ao protesto, que foi dispersado pelas forças seguranças antes de chegar ao palácio presidencial.
Após a manifestação, um líder do MPU, António Alves Kamulingue, ligou a um jornalista da Voz da América e disse-lhe que tinha fugido para um hotel no centro da cidade porque estava a ser seguido e temia pela sua vida. Familiares de Kamulingue contaram à Human Rights Watch que, desde esse dia, não voltaram a ter notícias suas. Procuraram informações sobre ele em várias esquadras de polícia, bem como em todas as prisões e hospitais de Luanda, mas as autoridades negam ter conhecimento do seu paradeiro.
A 29 de maio, Isaías Cassule, outro membro do MPU, foi aparentemente raptado no bairro de Cazenga, em Luanda. Alberto Santos, ex-membro da unidade de guardas presidenciais, que se encontra atualmente escondido, contou num telefonema à Human Rights Watch que tanto ele como Cassule tinham sido convocados por telefone para aquele ponto de encontro por um alegado manifestante que declarou possuir imagens de vídeo do rapto de Kamulingue. Santos disse que viu seis homens, alguns deles com chapéus e óculos de sol, a arrastar Cassule para dentro de um carro. Santos conseguiu escapar. Familiares de Cassule contaram à Human Rights Watch que não têm notícias suas desde então. Comunicaram o seu desaparecimento à polícia e procuraram-no em esquadras de polícia e hospitais.De acordo com o direito internacional, um desaparecimento forçado ocorre quando as autoridades detêm um indivíduo, mas recusam-se a reconhecer esse facto ou não fornecem informações sobre o paradeiro ou destino do indivíduo. Entre os direitos que um desaparecimento forçado pode violar, figuram o direito à vida, à liberdade e à segurança, incluindo proteção contra a tortura e outros maus-tratos.
Ameaças e Represálias Contra Jovens Ativistas e Organizadores dos Protestos
Os organizadores das manifestações juvenis também tem sido visados e ameaçados por causa das suas atividades, afirmou a Human Rights Watch. Todos os líderes de protestos juvenis que falaram recentemente com a Human Rights Watch disserem sentir que correm perigo de vida.
A 14 de junho, Gaspar Luamba, estudante universitário e organizador do movimento de protestos juvenis, foi raptado ao meio-dia por quatro homens vestidos à civil, numa universidade no bairro de Viana, em Luanda. Luamba contou à Human Rights Watch que os agressores pediram a sua identificação e, de seguida, ordenaram-lhe que entrasse no carro, tendo-o avisado para não resistir.
“Levaram-me para um estaleiro de construção da empresa brasileira Odebrecht e interrogaram-me durante várias horas”, contou Luamba à Human Rights Watch. “Exibiram facas e alicates e ameaçaram usá-los. Perguntaram-me se os partidos da oposição nos estavam a financiar e quanto é que queríamos. Ameaçaram-me a mim e aos meus colegas com a adoção de medidas drásticas caso nos recusássemos a negociar. Mas não me agrediram fisicamente.” Luamba disse que foi libertado várias horas depois.
Outro organizador dos protestos juvenis, Adolfo Campos, foi atacado e ameaçado de morte por dois homens vestidos à civil a 12 de junho. Contou à Human Rights Watch: “Dois Land Cruisers forçaram-me a parar o carro na estrada às 22:00 horas. Saí do carro e dois indivíduos armados com uma pistola e uma metralhadora automática bateram-me na cara com as armas. Caí no chão e um deles apontou-me a sua arma. O outro disse: ‘Não o mates já. Vamos'". Disse que os agressores revistaram o carro mas limitaram-se a levar o seu telefone, tendo deixado 3000 dólares intactos.
Um dia antes, a 11 de junho, o conhecido músico de rap e organizador de protestos juvenis, Luaty Beirão, foi detido pelas autoridades portuguesas no aeroporto de Lisboa, após a polícia ter detetado um pacote de cocaína numa roda de bicicleta, a única bagagem que trazia no voo de Luanda, devido a receios de que a bagagem pudesse ser adulterada. De acordo com os meios de comunicação social, um tribunal de Lisboa ordenou rapidamente que Beirão fosse libertado, com base em fortes indícios de que agentes da polícia angolana haviam colocado a droga na sua bagagem para o incriminarem.
A 23 de maio, às 22:00 horas, no segundo ataque do género em dois meses, 15 homens vestidos à civil, e armados com barras de metal e pistolas, atacaram a residência de Dionísio "Carbono", outro organizador de protestos juvenis, que recebia em casa um grupo de jovens para discutirem o novo programa de rádio com a participação de ouvintes do movimento juvenil, na rádio privada Despertar. Vários jovens ficaram seriamente feridos e sofreram fraturas ósseas, de acordo com a investigação da Human Rights Watch.
“O uso crescente de violência, ameaças e outras represálias destinadas a silenciar organizadores de protestos é alarmante", disse Lefkow. "Os parceiros regionais e internacionais de Angola deveriam erguer as suas vozes e urgir o governo a pôr termo à violência e a respeitar os direitos fundamentais.”