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“O Brasil precisa deixar claro que respeita o Estado de Direito”, diz ONG internacional

Human Rights Watch, uma das principais organizações de defesa dos direitos humanos do mundo, está prestes a instalar seu escritório no Brasil. Será a 16.ª base física da ONG, que tem mais de 100 pesquisadores trabalhando em 90 países. Os trabalhos no Brasil serão orientados por José Miguel Vivanco, responsável pela Divisão das Américas.

Vivanco ficou mundialmente conhecido em 2008 pelo episódio de sua expulsão da Venezuela – logo após a divulgação de um relatório sobre as violações de direitos humanos no governo do presidente Hugo Chávez. A polêmica faz parte do dia a dia desse advogado de origem chilena, que já atuou como assessor da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

 Na entrevista abaixo, ele contesta recente declaração da presidente Dilma Rousseff, que considera perigoso dar palpites em questões de direitos humanos em outros países. Também afirma que o Brasil deverá, obrigatoriamente, cumprir a decisão da OEA quanto aos mortos e desaparecidos na ditadura militar e defende os procuradores que acusam agentes de Estado de crimes continuados. Nenhum período da história e nenhuma instituição, civil ou militar, pode ficar à margem de investigações, segundo o especialista.

 O que explica o interesse de sua organização pelo Brasil?

 A rationale por trás da nossa vinda apoia-se em dois teoremas principais. Primeiro, o nosso trabalho terá uma vertente interna, começando com o quesito segurança pública. Trata-se de demonstrar que segurança pública não é incompatível com o respeito aos direitos humanos. Na realidade brasileira, nem sempre tem sido possível dar efetiva segurança ao público sem atropelar os direitos humanos. Segundo, pretendemos colaborar no debate em torno da centralidade dos direitos humanos na diplomacia brasileira. O Brasil – e também Índia e África do Sul, outros países em que estamos instalados – é uma democracia, com imprensa livre e judiciário independente, que ganha crescente peso no cenário internacional. Nós gostaríamos que o Brasil exercesse um papel de liderança mais efetivo ao nível global na promoção e proteção aos direitos humanos.

 O que achou da declaração da presidente Dilma, nos Estados Unidos, sobre o risco de dar opiniões sobre direitos humanos em outros países?

 Ficamos surpresos quando ela disse, na Universidade de Harvard que não faria recomendações a outros países, pois considerava isso “perigoso”, e que não gostaria que fizessem comentários sobre o Brasil. A ideia de que violações de direitos humanos são assuntos internos de cada país não reflete o consenso internacional legal. Hoje se reconhece o princípio da universalidade dos direitos humanos e todos países são sujeitos ao escrutínio internacional quando se trata do respeito aos direitos fundamentais.

 O senhor tem acompanhado os debates sobre a Comissão da Verdade no Brasil?

 São inegáveis os méritos da Comissão Nacional da Verdade para o esclarecimento de graves violações aos direitos humanos ocorridas durante a ditadura e a consolidação da democracia no Brasil. Porém, o país foi condenado no fim do ano passado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos a promover justiça penal com relação aos desaparecimentos e execuções de militantes na Guerrilha do Araguaia, bem como em todos os demais casos de violação à Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

 Ainda há um debate interno sobre o cumprimento dessa sentença.

 O cumprimento é obrigatório. Não se trata somente dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, mas também de deixar claro que o país respeita plenamente o Estado de Direito. Nenhum cidadão, governo ou instituição civil ou militar está acima da lei, assim como nenhum período da história brasileira pode ficar à margem de investigações.

 Acha que parentes ou representantes de pessoas que foram vítimas da ditadura militar devem fazer parte da Comissão da Verdade? Ela deveria acolher representantes dos militares?

 Pela lei que cria a Comissão Nacional da Verdade, os seus membros devem ser brasileiros de reconhecida idoneidade e conduta ética, identificados com a defesa da democracia e institucionalidade constitucional, bem como o respeito aos direitos humanos. Outro requisito importante é a neutralidade do indicado para o exercício de suas funções, ou seja, que a Comissão não seja integrada por pessoas envolvidas nos eventos de repressão ou de resistência a serem investigados. O essencial é a sólida credibilidade de cada membro da comissão, independente de seu pensamento ou afiliação política. A confiabilidade do relatório final dependerá não somente do rigor metodológico dos trabalhos mas também da autoridade moral dos signatários.

 Procuradores federais vem tentando responsabilizar agentes de Estado envolvidos em casos de desaparecidos políticos, acusando-os pelos crimes de sequestro e ocultação de cadáver. Mas a primeira denúncia, contra um coronel da reserva, foi rejeitada. Como vê a iniciativa?

 A decisão da Justiça Federal do Estado do Pará de rejeitar a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra o coronel da reserva Sebastião Rodrigues de Moura, pelo crime de sequestro qualificado, foi uma oportunidade perdida para garantir justiça em casos de violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura.

 Por quê?

 O juiz não levou em conta que, segundo a jurisprudência internacional, leis de anistia não podem ser aplicadas a casos de desaparecimento forçado. Enquanto o cadáver de uma vítima de sequestro por agentes do Estado não for recuperado, é impossível determinar quando o crime prescreveu, então a anistia não se aplica. A suprema corte chilena, por exemplo, admitiu e sustentou esse princípio. Na prática, essa norma é importantíssima pois obriga os agentes do Estado que cometeram sequestros a esclarecerem o destino das vitimas. 

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