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Brasil: Projeto de lei do Rio de Janeiro incentivará letalidade policial

Lei prejudicará a segurança pública e enfraquecerá a perícia

Ativistas seguram uma faixa dizendo “Justiça para Jacarezinho. Fim do massacre nas favelas”, durante um protesto no dia seguinte da operação na favela do Jacarezinho, na qual morreram 28 pessoas, Rio de Janeiro, Brasil, 7 de maio de 2021.
Ativistas seguram uma faixa dizendo “Justiça para Jacarezinho. Fim do massacre nas favelas”, durante um protesto no dia seguinte da operação na favela do Jacarezinho, na qual morreram 28 pessoas, Rio de Janeiro, Brasil, 7 de maio de 2021.  © Wilton Junior/Estadão conteúdo (Agencia Estado via AP Images)

(São Paulo) – O governador do estado do Rio de Janeiro deveria vetar as disposições de um novo projeto de lei que daria à Polícia Civil um incentivo econômico para matar suspeitos e enfraqueceria a perícia criminal, afirmou hoje a Human Rights Watch.

Em 24 de setembro, a Assembleia Legislativa estadual aprovou o projeto de lei 6027/2025, que faz mudanças estruturais na Polícia Civil. O governador Cláudio Castro poderá vetá-lo parcial ou totalmente.

“Dar bônus à polícia por matar não é apenas brutal, mas também prejudica a segurança pública, pois incentiva financeiramente os policiais a disparar em vez de prender um suspeito”, disse César Muñoz, diretor da Human Rights Watch no Brasil. “Uma estratégia que promove tiroteios coloca em risco a saúde e a vida de suspeitos, dos moradores e dos próprios policiais, sem contribuir de forma alguma para o desmantelamento das organizações criminosas.”

Em 2024, a Polícia Militar do Rio de Janeiro e a Polícia Civil mataram 703 pessoas, quase duas por dia, segundo dados oficiais. De janeiro a agosto de 2025, mataram outras 470 pessoas.

Das pessoas mortas em 2024, 86% eram negras, uma porcentagem muito superior à sua participação na população do Rio de Janeiro, que é de 58%. Se criado, o bônus provavelmente exacerbaria o impacto desproporcional e mortal sobre a população negra que vive em comunidades de baixa renda, disse a Human Rights Watch.

De acordo com o projeto de lei, os policiais poderiam receber até 150% de seus salários quando “em caso de neutralização de criminosos”. Alexandre Knoploch, um dos deputados estaduais que apresentou a medida, esclareceu durante o debate na Assembleia Legislativa e à imprensa que “neutralizar” significa matar.

O Ministério Público Federal instou o governador a vetar a gratificação, argumentando que ela violava o direito internacional e nacional, incluindo uma decisão de abril do Suprema Tribunal Federal (STF) que ordenou ao Rio de Janeiro tomar medidas para reduzir a letalidade policial.

Um prêmio monetário semelhante, apelidado de “gratificação faroeste”, foi criado em 1995 no estado do Rio de Janeiro e pago a policiais civis e militares. As mortes causadas pela polícia dobraram no ano seguinte. 

A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro encerrou o programa em 1998, depois que um estudo que analisou aproximadamente 1.200 autópsias realizadas ao longo de três anos constatou que a polícia havia atirado nas costas de 65% dessas pessoas, aparentemente enquanto fugiam. Vários policiais responsáveis por essas mortes não só não foram responsabilizados, como foram promovidos por “bravura”.

A Human Rights Watch documentou como os abusos policiais e a consequente quebra de confiança prejudicaram a segurança pública no Rio de Janeiro. A desconfiança torna as comunidades menos dispostas a colaborar em investigações criminais e alimenta um ciclo de violência que coloca em risco tanto moradores quanto policiais.

O novo projeto de lei também estabelece uma gratificação pela apreensão de armas de grande calibre ou restritas ao uso militar e policial. Na última década, a Human Rights Watch entrevistou policiais militares no Rio de Janeiro que admitiram que o interesse em apreender armas era um incentivo para matar suspeitos armados em emboscadas ou quando eles estavam fugindo.

Em vez desses bônus, as autoridades deveriam recompensar os policiais civis por suas contribuições àquilo que deveria ser a missão da Polícia Civil, ou seja, proteger os direitos da população e solucionar crimes, afirmou a Human Rights Watch.

O projeto de lei também enfraquece a autonomia da perícia, que é crucial nas investigações criminais. Essa proposta legislativa concede ao esquadrão antibomba da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE), a unidade de elite da Polícia Civil, a “competência exclusiva” de realizar laudos técnicos periciais de artefatos explosivos ou incendiários, mesmo que os policiais da CORE não sejam peritos. Além disso, os policiais da CORE realizariam análises forenses mesmo em casos de mortes causadas por policiais da CORE nos quais houvesse uma alegação de que um desses artefatos estivesse envolvido.

A Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis estabelece que o laudo de exame pericial deve ser elaborado “por perito oficial criminal.”

Além disso, o projeto de lei do Rio de Janeiro amplia o papel dos papiloscopistas, especialistas na identificação de pessoas por meio de impressões digitais, que nas delegacias de homicídios estão subordinados aos delegados da Polícia Civil. Ao contrário dos peritos criminais e legistas, os papiloscopistas podem ser mais facilmente influenciados ou pressionados pelos delegados a chegar a determinadas conclusões, segundo vários peritos do Rio de Janeiro entrevistados pela Human Rights Watch. O projeto de lei dá aos papiloscopistas atribuição para dirigir qualquer órgão oficial de perícia, laboratórios e bancos de dados periciais, bem como centrais de custódia.

A perícia criminal deve ser independente para garantir que se baseie exclusivamente na ciência, para evitar conflitos de interesse ou preconceitos, para preservar a credibilidade dos laudos perante os tribunais e para evitar erros judiciais. Essa independência é particularmente importante quando os peritos precisam de elucidar as circunstâncias de uma morte causada pela polícia.

Em 30 de setembro, a Assembleia Legislativa do Rio aprovou outro projeto de lei, o 39/2025, que manteve a subordinação da perícia aos delegados. O PL criou um novo cargo para chefiar a perícia, o subsecretário da polícia técnico científica, que pode ser ocupado por um delegado ou, “preferencialmente”, por um perito, segundo o projeto. O atual chefe da perícia, o superintendente da polícia técnico científica, também deve ser “preferencialmente” um perito, mas é uma delegadaOs peritos pediram aos deputados estaduais que exigissem que o cargo recém-criado fosse ocupado por um perito.

Além disso, o projeto de lei reserva vagas para delegados no Conselho Superior de Polícia, um importante órgão consultivo composto por dez membros, mas nenhuma para peritos. De fato, o subsecretário de polícia técnico científica só poderá integrar o conselho se não for um perito, segundo o projeto.

“A perícia independente e de qualidade é essencial para levar os responsáveis por crimes à justiça”, disse Muñoz. “O governador Cláudio Castro deveria vetar as propostas legislativas que enfraquecem a perícia e, em vez disso, apresentar um novo projeto de lei que garanta a sua independência da Polícia Civil.”

Correção

Esta nota de imprensa foi alterada em 3 de outubro para corrigir a cadeia de subordinação dos papiloscopistas.

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