O Direito ao Cuidado e ao Apoio no Brasil: Algumas considerações para a sua implementação
A Human Rights Watch agradece a oportunidade oferecida pela Secretaria Nacional da Política de Cuidados e Família, para participar na consulta pública, atualmente em curso, sobre o direito ao cuidado e ao apoio e os elementos que deveriam ser considerados na implementação de uma política dessa natureza no país.
Este documento destaca aspectos específicos do direito ao cuidado e apoio relacionados aos direitos das pessoas com deficiência, que nós acreditamos, com base em nossa pesquisa, que deveriam ser considerados durante a implementação do direito ao cuidado e apoio no Brasil.
Nesta submissão, descrevemos o quadro geral para discutir o direito ao cuidado e apoio no contexto internacional dos direitos humanos para pessoas com deficiência.
Isto inclui tanto o direito a prover quanto o direito a receber cuidados, como destacado no marco conceitual da Política Nacional de Cuidado publicado pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, garantindo assim a habilidade das pessoas com deficiência de viverem de forma independente.
Além disso, abordamos o papel das organizações que representam as pessoas com deficiência no monitoramento e gerenciamento dos sistemas de cuidado e apoio, enfatizando sua ativa participação tanto na administração quanto na elaboração de políticas.
Quadro Geral da Discussão Sobre o Direito ao Cuidado e Apoio
Cada vez mais, as organizações de direitos humanos, especialmente aquelas dedicadas à promoção e defesa dos direitos das mulheres, têm questionado a ausência de políticas para abordar o fato que, globalmente, um significativo número de pessoas que se dedicam ao cuidado são mulheres em condições em que não há reconhecimento pelo trabalho prestado e nem remuneração adequada.
Com razão, esses movimentos têm destacado a necessidade de que governos dediquem esforços à criação de políticas que permitam o reconhecimento, a redistribuição e a redução do cuidado[1]. Os ônus sociais relacionados ao cuidado de diferentes populações, têm primariamente afetado mulheres que se dedicam a essas atividades por períodos prolongados, impedindo-as de exercer de forma equitativa os direitos humanos, incluindo a participação igualitária na educação, nas atividades econômicas, na vida pública, no descanso e no lazer[2].
Embora seja necessário reconhecer essa situação, é também importante notar que a principal narrativa sobre o direito ao cuidado e apoio foca principalmente naqueles que exercem essa atividade, em vez de focar na população que se beneficia desses cuidados e apoio.
Muitas vezes, essas abordagens representam as pessoas com deficiência como destinatárias passivas de cuidados, sem o efetivo poder de tomar decisões em relação aos cuidados e apoio que recebem. Essas abordagens levam a uma “perda de autonomia, desempoderamento econômico, segregação e isolamento do resto da comunidade em instituições ou em casas de familiares”[3].
Essas concepções tradicionais também afetam negativamente a forma como as pessoas com deficiência são vistas, pois são retratadas como “vulneráveis”, “fracas”, “dependentes” que precisam de cuidados e, portanto, são um “fardo” para a sociedade.
Por essa razão, é muito importante estruturar as políticas de cuidado e apoio com base no ordenamento jurídico internacional de direitos humanos, principalmente na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD)[4] e na Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas com Deficiência[5].
Neste contexto, é essencial reconhecer que as pessoas com deficiência têm o direito de serem autônomas e tomar suas próprias decisões, em igualdade de condições com as demais pessoas. Os princípios que regem as obrigações do Brasil com relação a esses segmentos da população deveriam sempre priorizar a capacidade moral e legal desses indivíduos.
Vale ressaltar que, durante décadas, as pessoas com deficiência foram consideradas como meros objetos passivos de cuidados, sem que seus direitos à autonomia e à capacidade jurídica fossem considerados. Ainda hoje, é possível observar instituições, ações e regimes jurídicos que negam às pessoas com deficiência sua capacidade jurídica, por meio de formas como a curatela e outros modelos de substituição para a tomada de decisão, permitindo que as políticas tenham um maior caráter de caridade e assistencialismo, em vez de embasados em direitos humanos[6].
No Brasil, a Human Rights Watch documentou que a maioria das pessoas com deficiência que vivem em instituições, inclusive em “residências inclusivas”, foram destituídas de sua capacidade legal, ou do direito de tomarem suas próprias decisões, e ficaram sob a curatela de outra pessoa, seja o diretor da instituição ou um familiar. A maioria das pessoas em instituições foram colocadas lá por seus curadores e familiares e não podem sair, mesmo que por um curto período, sem o consentimento do responsável legal. Adultos com deficiência que são destituídos de sua capacidade legal e colocados em instituições com base em sua deficiência contra sua vontade, a sem o seu consentimento ou com o consentimento de um responsável legal, são vítimas de detenção que é ilegal nos termos da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), que o Brasil ratificou em 2008.
O Direito das Pessoas com Deficiência de Serem Provedoras de Cuidados
Conforme mencionado, as pessoas com deficiência são comumente tratadas como receptoras, e não como provedoras, de cuidado.
As normas socioculturais também desempenham um papel na estigmatização das pessoas com deficiência como incapazes de se tornarem cuidadoras. Essa noção persiste apesar das evidências em contrário[7]. Na realidade, as pessoas com deficiência, incluindo as mulheres com deficiência, frequentemente são provedoras de cuidados[8]. Entretanto, governos em geral não oferecem às pessoas com deficiência o apoio adequado para que realizem as tarefas de cuidadoem igualdade de condições com as demais pessoas, inclusive a criação de seus filhos[9].
As pessoas com deficiência enfrentam barreiras únicas -no exercício de seu direito ao trabalho, inclusive como cuidadoras, como barreiras físicas, de informação e de comunicação. As mulheres com deficiência também enfrentam barreiras adicionais à sua participação igualitária no local de trabalho, inclusive assédio sexual, às vezes ligado a estereótipos prejudiciais sobre mulheres com deficiência[10].
O princípio da autonomia em conjunto com os direitos explicitamente reconhecidos pela CDPD, especificamente o direito das pessoas com deficiência de constituir família, indicam que as pessoas com deficiência devem ser consideradas como provedoras de cuidado. O artigo 23(2) da CDPD estabelece:
Os Estados Partes assegurarão os direitos e responsabilidades das pessoas com deficiência, relativos à guarda, custódia, curatela e adoção de crianças ou instituições ... [e] prestarão a devida assistência às pessoas com deficiência para que essas pessoas possam exercer suas responsabilidades na criação dos filhos. [11]
Conteúdo e escopo do direito ao cuidado e apoio
O governo do Brasil deveria considerar os seguintes elementos ao desenvolver sua política nacional de cuidado e apoio:
- Considerar as várias formas de apoio que as pessoas com deficiência podem precisar para gozar de seu direito à vida familiar, inclusive no desempenho das responsabilidades parentais, bem como no cuidado com seus pais e outros dependentes econômicos. Os possíveis apoios devem incluir sistemas de tomada de decisão apoiada e outras formas de apoio material, emocional e físico.
- Considerar a possibilidade de expandir o nome do programa para Programa Nacional de Cuidados e Apoio, para refletir o espírito consagrado na carta da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Enfatizando o direito das pessoas com deficiência de escolherem seus próprios sistemas de apoio, regidos pelo princípio da autonomia pessoal. Essa abordagem é particularmente relevante para adultos com deficiência. A mudança de paradigma nos direitos das pessoas com deficiência afasta-se de uma narrativa de dependência e passa a reconhecer as pessoas com deficiência como detentoras de direitos. Essa mudança reconhece que, às vezes, elas podem precisar de várias formas de apoio para exercer, de forma efetiva, seus direitos [12].
- Fornecer mecanismos que promovam apoio adequado a mães e pais com deficiência para que criem seus filhos, de acordo com o direito das crianças de conhecerem seus pais e serem cuidadas por eles [13], o direito da criança de preservar as relações familiares[14] e o melhor interesse da criança[15], tendo em mente que a deficiência nunca é, por si só, um motivo para separar as crianças de seus pais.
- Criar mecanismos que permitam a realização efetiva da autonomia progressiva das crianças, criando oportunidades para que elas expressem suas opiniões sobre os cuidados que recebem de seus pais ou responsáveis.
- Observar que as políticas públicas devem levar em conta - e procurar desmantelar - as várias formas de discriminação enfrentadas pelas pessoas com deficiência, especialmente as mulheres com deficiência, inclusive o preconceito e as várias barreiras atitudinais que as consideram incapazes de se tornarem cuidadoras.
- Desenvolver campanhas de conscientização para enfatizar o papel das pessoas com deficiência como cuidadoras. Além disso, desenvolver políticas públicas que ofereçam apoio emocional e financeiro, permitindo que essas cuidadoras desempenhem suas funções de forma reconhecida e adequadamente apoiada.
- Considerar e incluir as mulheres com deficiência no desenvolvimento e na reforma de regulamentos, políticas e programas para responder à violência e ao assédio no mundo do trabalho, de acordo com a Convenção nº 190 da OIT.
Obrigações do Brasil com relação ao direito a cuidados e apoio
O governo brasileiro precisa:
- Implementar políticas específicas que incentivem a criação de sistemas de apoio para que as pessoas com deficiência se tornem cuidadoras bem-sucedidas, como políticas que incluam moradia adaptável, orientação e aconselhamento; acesso fácil a informações; assistência adequada aos pais e responsáveis legais na criação dos filhos[16] ; e treinamento sobre como realizar atividades de cuidado parental ou outras atividades de cuidado diário, como trocar, alimentar e cuidar da criança[17].
- Garantir que as políticas desenvolvidas não perpetuem a iniquidade de gênero na distribuição do trabalho de cuidados não remunerado[18].
O direito das pessoas com deficiência e idosas de receber apoio para viver de forma independente
As pessoas com deficiência, inclusive as idosas, têm o direito de viver de forma independente, bem como o direito de receber apoio para usufruir do direito de viver de forma independente na comunidade. Especificamente, conforme enfatizado pelo Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, as pessoas com deficiência, inclusive as idosas, devem ser capazes de “exercer escolha e controle sobre suas vidas e tomar todas as decisões relativas a elas”[19].
Com relação aos direitos das pessoas com deficiência, os defensores dos direitos das pessoas com deficiência têm enfatizado regularmente a necessidade dos sistemas de cuidado e apoio respeitarem as atitudes e a autonomia das pessoas beneficiárias para superar o desequilíbrio de poder entre elas e seus apoiadores/cuidadores. Isso abrange as práticas e atitudes tradicionalmente paternalistas e capacitistas em relação às pessoas com deficiência, que aumentam o risco de violência, exploração e abuso.
Com relação aos direitos das mulheres, historicamente, elas têm sido responsáveis pelo apoio às pessoas com deficiência. A prestação de cuidados feita por mulheres tem sido um trabalho não reconhecido e sujeito a práticas abusivas, como o fato de serem mal pagas ou não remuneradas pelo apoio que prestam[20].
Essa situação exige uma mudança de paradigma, em que o cuidado e o apoio sejam oferecidos por meio de diferentes alternativas. Essas alternativas de apoio devem ser consistentes com o direito das pessoas com deficiência à vida independente e à inclusão na comunidade. Infelizmente, as políticas de atendimento atuais ainda apresentam iniciativas, como a institucionalização, que não respeitam as escolhas individuais e o direito de viver de forma independente na comunidade. A institucionalização de pessoas com deficiência, inclusive crianças com deficiência, é inconsistente com o direito à independência e à autonomia e, invariavelmente, acarreta outras violações de direitos humanos. O Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência observa que a “realização sistemática do direito à vida independente na comunidade requer mudanças estruturais”, incluindo a eliminação gradual da institucionalização. Além disso, o Comitê orienta que:
Os Estados Partes não podem construir novas instituições, nem reformar as antigas, além das medidas mais urgentes necessárias para proteger a segurança física dos residentes. As instituições não devem ser ampliadas [e] novos residentes não deveriam ser admitidos em substituição dos que saíram.[21]
Entretanto, o Brasil continua construindo instituições, bem como outras instalações que não são chamadas de “instituições”, mas que têm a mesma estrutura das grandes instituições, como pequenas casas coletivas, onde as pessoas são colocadas sem seu consentimento[22].
No Brasil, o recente “Novo Viver sem Limites”, plano nacional dos direitos das pessoas com deficiência, incluiu a continuação do programa de residências inclusivas, casas para pequenos grupos de pessoas, como uma de suas políticas [23].
Embora a Human Rights Watch reconheça que essas instalações sejam uma melhora em relação às grandes instituições, que prevalecem no Brasil, elas ainda não atendem aos padrões estabelecidos na CDPD porque os residentes não têm autonomia, escolha e controle sobre suas próprias vidas[24]. As instituições não são definidas por seu tamanho: elas podem abrigar um pequeno número de indivíduos, mas se essas pessoas não controlam suas vidas cotidianas e têm a obrigação de cumprir um cronograma fixo, igual ao de todas as pessoas que vivem no estabelecimento, esse estabelecimento ainda deve ser considerado uma instituição. Portanto, é necessária uma reavaliação, juntamente com a eliminação gradual dessas instalações. Isso possibilitará o fornecimento de apoio às condições de vida das pessoas que atualmente vivem nessas instituições. Políticas de cuidados e apoio apresentam uma excelente oportunidade para abordar essa questão, se refletirem o direito das pessoas com deficiência e das pessoas idosas de viverem na comunidade. A própria nota conceitual cita as “residências inclusivas” como um serviço de cuidado já fornecido pelo Estado, sem reconhecer os desafios do programa em fornecer o apoio adequado que permitiria viver de forma independente na comunidade.
Envolvimento de organizações de pessoas com deficiência na administração e na gestão de sistemas de apoio
Um princípio fundamental do ordenamento jurídico internacional sobre direitos das pessoas com deficiência diz respeito à necessidade de participação das pessoas com deficiência na elaboração e implementação de políticas que as afetem[25]. Além disso, para refletir a importância da inclusão das pessoas com deficiência em todos os assuntos, o lema do movimento dos direitos das pessoas com deficiência ”nada sobre nós sem nós“ evoluiu para ”nada sem nós”[26].
Ao determinar o conteúdo e o escopo do direito ao cuidado e ao apoio em relação às pessoas com deficiência com o objetivo de permitir que elas vivam de forma independente e sejam incluídas na comunidade, acreditamos que o governo brasileiro deveria enfatizar a necessidade das organizações de pessoas com deficiência estarem intimamente envolvidas na administração e no monitoramento desses serviços.
Para implementar o princípio da estreita participação das pessoas com deficiência nos cuidados e no apoio, o Brasil deveria implementar as diretrizes do Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência sobre como melhor alcançar uma participação significativa das organizações de pessoas com deficiência em diferentes políticas[27].
Conteúdo e escopo do direito ao cuidado e apoio
O governo brasileiro deveria oferecer uma ampla gama de serviços de apoio a pessoas com deficiência. Esses serviços deveriam incluir: tomada de decisão apoiada, encaminhamento e assistência para transporte, fisioterapia, treinamento de mobilidade, tecnologia de reabilitação, recreação e outros serviços necessários para melhorar a capacidade das pessoas com deficiência com necessidades de apoio intensivo para viverem de forma independente em suas famílias ou comunidades e/ou trabalharem ou continuarem trabalhando[28]. Todos os serviços deveriam permitir a escolha pessoal e o controle dos serviços prestados. Esses serviços ajudariam a concretizar a inclusão total das pessoas com deficiência e das pessoas idosas na sociedade e evitar seu isolamento e segregação de outras pessoas na comunidade.
O Brasil deveria aumentar a conscientização sobre a autonomia das pessoas com deficiência para eliminar os estereótipos que retratam as pessoas com deficiência e idosas apenas como receptores de cuidados. Também deveria aumentar a conscientização sobre o impacto negativo dos estereótipos de gênero e idade no provimento de cuidados e no recebimento de cuidados e apoio, e desenvolver programas e políticas para eliminar esses estereótipos.
Obrigações do Estado com relação ao direito ao cuidado
No contexto das obrigações do estado brasileiro relacionadas aos sistemas de cuidado e apoio, o governo deveria:
- Garantir que adultos que recebem cuidados e apoio possam controlar, dirigir e gerenciar seus próprios sistemas de cuidado e apoio. O Brasil também deveria garantir que provedores de cuidado e apoio do setor privado cumpram os elementos descritos abaixo.
- Garantir que as pessoas com deficiência tenham serviços de cuidado e apoio acessíveis, apropriados, integrados, de qualidade, oportunos e multidimensionais, adaptados às suas necessidades individuais, independentes e não relacionados à renda de seus familiares.
- Garantir que os adultos tenham a oportunidade de definir em documentos juridicamente vinculantes o tipo de cuidado e apoio que gostariam de receber e quem os fornecerá, caso seja necessário em um momento futuro.
- Garantir que a pesquisa, o desenvolvimento, a implementação e o monitoramento dos serviços de cuidado e apoio sejam realizados com o envolvimento das próprias pessoas com deficiência e de acordo com os padrões internacionais de ética.
- Garantir que as pessoas com deficiência tenham acesso a informações sobre os serviços de cuidado e apoio disponíveis, para que possam efetivamente utilizar, selecionar e optar por não receber serviços de cuidado e apoio, e que as pessoas com deficiência tenham acesso a informações e formação, incluindo letramento digital e técnico, para que possam avaliar os riscos e benefícios dos diferentes serviços de cuidado e apoio e tomar decisões informadas.
- Assegurar que as pessoas com deficiência tenham acesso a resoluções eficazes de litígio, mecanismos de denúncia e processos administrativos e/ou judiciais para buscarem reparação por práticas que restrinjam sua liberdade e autonomia e não respeitem sua vontade e preferências ou em situações em que ocorram violações.
- Estabelecer modelos de tomada de decisão apoiada e outros sistemas de cuidado e apoio que sejam consistentes com o direito à vida independente e à inclusão na comunidade e que incorporem os seguintes elementos:
- Princípios centrais de igualdade e não discriminação. O Brasil deveria disponibilizar sistemas de apoio para todos os tipos de deficiência, independentemente dos níveis de apoio exigidos pela pessoa, para que ela possa desfrutar plenamente de seus direitos, incluindo, entre outros, a opção de ter assistência pessoal animal e/ou humana e acesso a diferentes meios, como infraestrutura acessível, moradia acessível e centros de referência.
- Reconhecer a plena capacidade legal das pessoas com deficiência e das pessoas idosas e assegurar suas capacidades de tomar decisões sobre seus sistemas de apoio, inclusive por meio de tomada de decisão apoiada. O Brasil deveria estabelecer uma série de mecanismos para a tomada de decisão apoiada, de acordo com o artigo 12 da CDPD e o artigo 30 da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos.
- Incluir, como forma de apoio, o acesso à tomada de decisão apoiada para que as pessoas possam direcionar o apoio que recebem de seu apoiador. Por exemplo, mesmo que uma pessoa tenha um assistente para ajudá-la a comprar mantimentos, ela também pode precisar de outra pessoa para explicar ao assistente exatamente o que ela precisa e deseja.
- Centralizar uma noção mais ampla de autonomia nas políticas de cuidado e apoio. As políticas e os sistemas não deveriam definir a autonomia exclusivamente como a capacidade de uma pessoa realizar um ato por si mesma. Em vez disso, deveriam adotar um entendimento mais amplo de autonomia, abrangendo também situações em que a pessoa controla seu próprio ambiente com o apoio de outra pessoa.
- Incluir diversos componentes como parte do cuidado e do apoio. O cuidado e o apoio deveriam abranger uma variedade de componentes que permitam que as pessoas com deficiência e as pessoas idosas se envolvam em diferentes tipos de atividades - como apoio para atividades físicas, compreensão de informações e comunicação de decisões e lembrá-las das obrigações que precisam cumprir - relacionadas ao gozo de seus direitos em igualdade de condições com as demais, inclusive transporte, atividades de lazer, educação, paternidade e maternidade, emprego e cuidados do lar. Esses componentes também deveriam incluir apoio à tomada de decisões e acomodações, seja como uma forma de apoio em si ou como uma forma que permita que as pessoas com deficiência e idosas exerçam sua capacidade legal e dirijam seus próprios sistemas de apoio.
- Desenvolvimento de políticas que não sejam necessariamente direcionadas ao apoio individual, mas sim ao acesso universal, e que possam permitir que as pessoas com deficiência e idosas desfrutem de diferentes atividades de forma autônoma. Por exemplo, o Brasil deveria investir em transporte e moradia acessíveis.
- Integrar mais sensibilidade e inclusão de gênero nas políticas de cuidado e apoio. As políticas devem respeitar a identidade e a expressão de gênero, e todas as formas de cuidado e apoio a pessoas com deficiência e idosas devem respeitar sua autonomia e autoidentificação.
- Considerar as opiniões de crianças com deficiência para garantir que seus melhores interesses sejam levados em conta. As crianças com deficiência têm o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos que as afetam, o que inclui os cuidados que recebem, e de ter suas opiniões devidamente ponderadas de acordo com sua idade e maturidade, em igualdade de condições com outras crianças, e de receber cuidados adequados à deficiência e à idade para realizar esse direito[29]. Crianças têm o direito de sererem consultadas e de serem devidamente informadas sobre suas opções de cuidado[30].
[1] Organização Internacional do Trabalho OIT, “Care work and care jobs for the future of decent work,” https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/---publ/documents/publication/wcms_633135.pdf. P. 289.
[2] Conselho de Direitos Humanos da ONU, “Support systems to ensure community inclusion of persons with disabilities, including as a means of building forward better after the coronavirus disease (COVID-19) pandemic: Report of the Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights,” A/HRC/52/52, January 4, 2023, https://www.ohchr.org/en/documents/thematic-reports/ahrc5252-support-systems-ensure-community-inclusion-persons-disabilities (accessed November 6, 2023), para. 6.
[3] Conselho de Direitos Humanos da ONU, “Support systems to ensure community inclusion of persons with disabilities, including as a means of building forward better after the coronavirus disease (COVID-19) pandemic: Report of the Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights,” A/HRC/52/52, January 4, 2023, https://www.ohchr.org/en/documents/thematic-reports/ahrc5252-support-systems-ensure-community-inclusion-persons-disabilities (accessed November 6, 2023), para. 6.
[4] Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, Decreto nº 6949. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm
[6] Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Comentário Geral 1 (Capacidade jurídica). https://www.ohchr.org/en/documents/general-comments-and-recommendations/general-comment-no-1-article-12-equal-recognition-1
[7] Linda Sanabria, “The Hard Reality of Discrimination Against Parents with Disabilities”, (A dura realidade da discriminação contra pais com deficiência, em tradução livre). Accessibility.com, July 8, 2022, https://www.accessibility.com/blog/the-cruel-reality-of-discrimination-against-parents-with-disabilities (acessado em 6 de novembro de 2023).
[8] Arielle Dance, “Yes, Disabled People Can Be Parents”, (Sim, pessoas com deficiência podem ser pais, em tradução livre) Medium, 2 de fevereiro de 2023, https://medium.com/rewriting-the-narrative/yes-disabled-people-can-be-parents-f8ca60b96491 (acessado em 6 de novembro de 2023).
[9] The Arc, “Parents with Intellectual and/or Developmental Disabilities” (Pais com deficiência intelectual e/ou de desenvolvimento, em tradução livre), 7 de abril de 2019, https://thearc.org/wp-content/uploads/2023/02/Parents-with-Intellectual-and_or-Developmental-Disabilities.pdf (acessado em 6 de novembro de 2023).
[10] CDPD, comentário geral nº 3, parágrafo 58, 38 e 39
[11] CDPD art 23(2).
CDPD, art. 3 (a), 5, 12, 19, 23, e 28. Https://www.ohchr.org/en/instruments-mechanisms/instruments/convention-rights-persons-disabilities
[13] Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), artigo 7 (1).
[14] Idem, artigo 8 (1).
[15] Idem, artigo 3.
[16] Idem, art. 18(2).
[17] National Research Center for Parents with Disabilities (Centro Nacional de Pesquisa para Pais com Deficiência, em tradução livre), “Parenting Tips and Strategies from Parents with Disabilities”, (Dicas e estratégias parentais para pais com deficiência, em tradução livre), sem data, https://heller.brandeis.edu/parents-with-disabilities/support/parenting-tips-strategies/index.html (visitado em 6 de novembro de 2023).
[18] CRC, art. 18(1); Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), arts. 5(a)(b), 11.
[19] CDPD, Comentário Geral No.5, CRPD/C/GC/5, https://www.ohchr.org/en/documents/general-comments-and-recommendations/general-comment-no5-article-19-right-live, para. 16(a).
[20] OIT, “Care work and care jobs for the future of decent work” (Trabalho de cuidados e empregos de cuidados para o futuro do trabalho digno, em tradução livre) https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/---publ/documents/publication/wcms_633135.pdf.
[21] CDPD, Comentário Geral No.5, CRPD/C/GC/5, https://www.ohchr.org/en/documents/general-comments-and-recommendations/general-comment-no5-article-19-right-live, pp.. 28-37, 49.
[22] Brasil: Viver sem limites II deveria focar na independência, não na institucionalização, Human Rights Watch, 23 de maio de 2023, https://www.hrw.org/pt/report/2018/05/23/318010
[23] Brasil, Decreto Nº 11.793 de 23 de novembro de 2023. Institui o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Novo Viver sem Limite.
[24] “‘Eles ficam até morrer’: Uma vida de isolamento e negligência em instituições para pessoas com deficiência no Brasil https://www.hrw.org/pt/report/2018/05/23/318010
[25] CDPD, Comentário Geral nº 7 (2018) https://www.ohchr.org/en/documents/general-comments-and-recommendations/general-comment-no7-article-43-and-333-participation (Acesso em 6 de novembro de 2023).
[26] Alexis Buettgen & Ezra Zubrow, “Nothing Without Us: Disability, Critical Thought, and Social Change in a Globalizing World,” Handbook of Disability (”Nada sem nós: Deficência, Pensamento Critico e Mudança Social em um Mundo Globalizado”, em tradução livre). pp. 1-16, 20 de julho de, 2023, https://link.springer.com/referenceworkentry/10.1007/978-981-16-1278-7_99-1 ( Acesso em 6 de novembro de2023).
[27] CDPD, Comentário Geral No. 7 (2018) , https://www.ohchr.org/en/documents/general-comments-and-recommendations/general-comment-no7-article-43-and-333-participation (Acesso em 6 de novembro de 2023)
[28] Administration for Community Living, “Centers for Independent Living,” (Centros para vivências independentes, em tradução livre). Sem data , https://acl.gov/programs/aging-and-disability-networks/centers-independent-living ( Acesso em 6 de novembro de 2023)
[29] CDPD, art. 7; CRC, art. 12(1).
[30] Assembleia Geral das Nações Unidas, “Guidelines for the Alternative Care of Children,” (Guia para cuidados alternativos de Crianças, em tradução livre). A/RES/64/142, February 24, 2010, https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N09/470/35/PDF/N0947035.pdfhttps://resourcecentre.savethechildren.net/document/united-nations-guidelines-alternative-care-children/ (Acesso em 6 de novembro de 2023), paginas. 57, 64.