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Brasil: Rejeite Projeto de Lei do Marco Temporal

Proposta ataca os direitos territoriais dos povos indígenas

Povos indígenas se manifestam em frente ao Congresso Nacional para reivindicar seus direitos territoriais durante o Acampamento Terra Livre em Brasília, uma mobilização anual dos povos indígenas de todo o Brasil, em 26 de abril de 2023.   © 2023 Valter Campanato/Agência Brasil

(São Paulo) – O Congresso brasileiro deveria rejeitar um projeto de lei que adota um marco temporal arbitrário para o reconhecimento de terras indígenas. A Câmara dos Deputados pode votar nos próximos dias o Projeto de Lei 490/2007, que impediria a demarcação de territórios de povos indígenas quando lá não estavam presentes em 5 de outubro de 1988—dia da promulgação da Constituição Federal.

Povos indígenas que foram expulsos de seus territórios antes de outubro de 1988, e não puderem comprovar conflito possessório persistente até essa data, não conseguiriam obter o reconhecimento legal de suas terras se o marco temporal se tornar lei. Povos indígenas que não possam comprovar a ocupação do território naquela data também enfrentariam barreiras para a demarcação.

“O direito de povos indígenas a seus territórios não começa e nem termina em uma data arbitrária”, disse Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch no Brasil. “Aprovar esse projeto de lei seria um retrocesso inconcebível, violaria os direitos humanos e sinalizaria que o Brasil não está honrando seu compromisso de defender aqueles que comprovadamente melhor protegem nossas florestas.”

Em 24 de maio de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou um requerimento de urgência, que acelera a tramitação do projeto de lei. Se aprovado pela Câmara, o projeto seguiria para o Senado. A manobra parece ser uma tentativa de influenciar uma decisão bastante aguardada do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o marco temporal. Em 7 de junho, o STF deve retomar o julgamento sobre o caso e poderá emitir sua decisão final.

Em 2017, durante o governo do ex-presidente Michel Temer, a Advocacia-Geral da União emitiu um parecer endossando a tese do marco temporal. Em 2020, o STF suspendeu seus efeitos até a conclusão do julgamento. A Human Rights Watch tem insistido que o atual Advogado-Geral da União, Jorge Messias, repudie esse entendimento e inste o Supremo Tribunal Federal a defender os direitos dos povos indígenas.

O presidente Lula se comprometeu a proteger o meio ambiente e os direitos dos povos indígenas, inclusive criando um Ministério dos Povos Indígenas e retomando as demarcações. No entanto, seu governo tem enviado sinais contraditórios em relação ao marco temporal. Enquanto a ministra dos Povos Indígenas e a presidente da FUNAI o rejeitam veementemente, o ministro da Agricultura disse ser favorável a ele durante uma entrevista, e o Advogado-Geral da União ainda não revogou o parecer de 2017.

A Constituição Federal reconhece o direito dos povos indígenas às “terras que tradicionalmente ocupam”, sem limites de tempo ou prazos arbitrários, e estabelece que cabe ao governo federal demarcar os territórios indígenas e protegê-los. A incerteza sobre a demarcação torna esses territórios particularmente vulneráveis à invasão por grileiros, garimpeiros e outros, gerando conflitos possessórios e violência contra os povos indígenas.

Diversos pedidos de demarcação estão pendentes há décadas no Brasil. O projeto de lei afirma expressamente que seus dispositivos se aplicariam a todos os processos de demarcação ainda não concluídos, o que poderia atrasá-los ainda mais ou mesmo impedi-los totalmente.

Escolher um marco temporal arbitrário e deixar de reconhecer terras tradicionais reivindicadas após determinada data não está em conformidade com os padrões internacionais. A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, adotada com o apoio do Brasil, reconhece que os povos indígenas têm direito às terras, territórios e recursos que tradicionalmente possuem e ocupam ou que tenham de outra forma utilizado ou adquirido. Em conformidade com esse parâmetro, os Estados devem dar reconhecimento legal e proteção às terras tradicionais, incluindo aquelas que os povos indígenas foram forçados a deixar ou perderam de outra forma. A Corte Interamericana de Direitos Humanos também reconhece que o direito dos povos indígenas a suas terras tradicionais permanece enquanto “a conexão material, cultural ou espiritual” com o território persistir.

O projeto de lei 490/2007 também contém outros dispositivos problemáticos, inclusive um que permitiria ao governo explorar recursos energéticos e expandir a malha viária em áreas indígenas sem qualquer consulta às comunidades. Os parâmetros internacionais demandam uma consulta eficaz de boa-fé para obter o consentimento livre e informado de povos indígenas antes de adotar medidas legislativas ou aprovar projetos que impactariam seus territórios e meios de vida.

A demarcação e a proteção territorial são fundamentais não apenas para a defesa dos direitos indígenas, mas são ainda referências nos esforços bem-sucedidos de conservação, disse a Human Rights Watch. Os territórios mantidos por povos indígenas ajudam a efetivamente barrar o desmatamento. No Brasil e em outros países amazônicos, essas áreas registram taxas de desmatamento menores em relação a áreas comparáveis. Também oferecem benefícios climáticos líquidos para o planeta, com estudos mostrando que as florestas em terras indígenas são importantes sumidouros de carbono na Amazônia.

“Os direitos dos povos indígenas estão em risco”, disse Canineu. “O presidente Lula e seus ministros deveriam se opor veemente e inequivocamente a qualquer tentativa arbitrária de impedir as demarcações de terras indígenas. O Advogado-Geral da União também deveria fazer sua parte revogando imediatamente o parecer de 2017 e defendendo os direitos dos povos indígenas”.

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