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Indígenas pedem maior proteção de suas terras e direitos durante o Acampamento Terra Livre em Brasília, uma a mobilização anual dos povos indígenas do Brasil, em 6 de abril de 2022. © 2022 Carl de Souza/AFP/Getty Images

(São Paulo) – O Brasil não deveria impor um marco temporal arbitrário que restrinja o direito dos povos indígenas a seus territórios, disse hoje a Human Rights Watch em carta ao Advogado-Geral da União, Jorge Messias.

A Advocacia-Geral da União (AGU) deveria revisar imediatamente o nocivo parecer normativo que consolida a tese de que povos indígenas não podem obter o reconhecimento formal de suas terras se lá não estavam presentes em 5 de outubro de 1988—dia da promulgação da Constituição Federal—ou se não tinham nesta data uma controvérsia possessória de fato ou judicializada.

“O presidente Lula se comprometeu a defender os direitos dos povos indígenas durante sua campanha e depois de eleito”, disse Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch no Brasil. “Seu governo deveria cumprir essa promessa rejeitando, sem demora, a tese do marco temporal, endossada pelos governos Temer e Bolsonaro para arbitrariamente bloquear demarcações de terras indígenas”.

Entre os dias 24 e 28 de abril de 2023, milhares de indígenas devem se reunir no Acampamento Terra Livre em Brasília, uma mobilização anual para reivindicar a proteção de seus direitos, inclusive a demarcação de seus territórios.

Em 2017, no governo de Michel Temer, a Advocacia-Geral da União adotou um parecer que, dentre outros aspectos, consolida o marco temporal de 1988. A implementação dessa tese tornaria impossível a demarcação para comunidades que foram expulsas do território antes da Constituição de 1988 ou que não possam comprovar sua presença ou conflito possessório nesta data. O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro manteve essa tese e, na prática, suspendeu todas as demarcações de terras indígenas, travando processos que já aguardavam conclusão há anos.

Procuradores da República alertaram sobre a inconstitucionalidade do parecer da AGU, e o Supremo Tribunal Federal está examinando a legalidade do marco temporal. A corte suspendeu os efeitos do parecer em 2020 até chegar a uma decisão final, que terá repercussão geral e se aplicará a todos os casos.

A insegurança jurídica sobre os territórios indígenas os torna especialmente vulneráveis à invasão por redes criminosas envolvidas em garimpo, extração de madeira e grilagem de terras, alimentando os conflitos e a violência. As invasões possessórias e outras incursões para explorar recursos naturais em terras indígenas aumentaram 180% entre 2018 e 2021, segundo o Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

O novo Advogado-Geral da União, nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está revisando os posicionamentos da AGU adotados durante as gestões anteriores. Ele deveria comunicar ao STF, imediatamente, uma opinião que rejeite o marco temporal e defenda os direitos dos povos indígenas, conforme contemplados na Constituição Federal e nos parâmetros internacionais endossados pelo Brasil, disse a Human Rights Watch.

Escolher um marco temporal arbitrário e deixar de reconhecer terras tradicionais reivindicadas após determinada data não estão em conformidade com os padrões internacionais. A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, adotada com o apoio do Brasil, reconhece que os povos indígenas têm direito às terras, territórios e recursos que tradicionalmente possuem e ocupam ou que tenham de outra forma utilizado ou adquirido. Os Estados são obrigados a dar reconhecimento legal e proteção às terras tradicionais, incluindo aquelas que os povos indígenas foram forçados a deixar ou perderam de outra forma. A Corte Interamericana de Direitos Humanos também reconhece que o direito dos povos indígenas a suas terras tradicionais persiste enquanto “a conexão material, cultural ou espiritual” com a terra persistir.

A demarcação e a proteção de terras são fundamentais não apenas para a defesa dos direitos indígenas, mas são ainda referências nos esforços bem-sucedidos de conservação, disse a Human Rights Watch. Os territórios mantidos por povos indígenas ajudam a efetivamente barrar o desmatamento. No Brasil e em outros países amazônicos, essas áreas registram taxas de desmatamento menores em relação a áreas comparáveis. Também oferecem benefícios climáticos líquidos para o planeta, com estudos mostrando que as florestas em terras indígenas são importantes sumidouros de carbono na Amazônia.

“Os povos indígenas enfrentaram quatro anos de ataques constantes a seus territórios por madeireiros, garimpeiros e outros invasores fortalecidos pelas ações e retórica hostis do governo Bolsonaro em relação aos direitos dos povos indígenas”, disse Canineu. “O governo Lula deveria apoiar os povos indígenas e retomar a demarcação e a proteção de seus territórios, conforme a Constituição”.

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