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Moçambique: Centenas de mulheres e meninas raptadas

Militantes ligados ao ISIS devem libertar mulheres cativas; Autoridades devem dar assistência às sobreviventes

Uma mulher caminha pelo campo de deslocados internos “25 de junho”, em Metuge, Cabo Delgado, Moçambique, em 20 de maio de 2021.  © 2021 JOHN WESSELS/AFP via Getty Images

(Joanesburgo) – Desde 2018, um grupo armado ligado ao Estado Islâmico (ISIS) raptou e escravizou mais de 600 mulheres e meninas na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, anunciou hoje a Human Rights Watch. As forças moçambicanas e regionais resgataram algumas das vítimas, mas muitas continuam desaparecidas.

O grupo, conhecido localmente como Al Sunnah wa Jama'ah (ASWJ) e Al-Shabab (ou mashababos) tem forçado as mulheres e meninas mais jovens, de aparência mais saudável e pele mais clara a “casar-se” com os seus combatentes, que as escravizam e abusam sexualmente delas. Outras mulheres e meninas foram vendidas a combatentes estrangeiros por valores entre 40 000 e 120 000 meticais (600 a 1800 USD). Algumas das reféns estrangeiras foram libertadas, mediante o pagamento de resgate pelas famílias.

“Os líderes do Al Shabab devem libertar imediatamente todas as mulheres e meninas em cativeiro”, declarou Mausi Segun, diretora para a África da Human Rights Watch. “Devem tomar todas as medidas necessárias para prevenir as violações e abusos sexuais por parte dos seus combatentes, acabar com os casamentos infantis, os casamentos forçados e a venda e escravidão de mulheres e meninas nas suas bases militares e áreas de operação.”

Entre agosto de 2019 e outubro de 2021, a Human Rights Watch entrevistou remotamente 37 pessoas, incluindo mulheres que estiveram em cativeiro, familiares seus, fontes de segurança e funcionários do governo e analisou as reportagens na imprensa sobre os raptos. Segundo estes relatos, o Al-Shabab raptou mulheres e meninas durante ataques em vários distritos da província de Cabo Delgado, incluindo Mocímboa da Praia, em março, junho e agosto de 2020, e Palma em março de 2021.

Uma mulher de 33 anos disse que combatentes do Al-Shabab agrediram a sua tia, oficial das autoridades locais, e a forçaram, sob ameaça de uma arma de fogo, a identificar todas as casas em que viviam meninas com idades entre 12 e 17 anos na cidade de Diaca, em Mocímboa da Praia. A mulher contou 203 meninas, mas não sabe se os combatentes as raptaram a todas. “Houve mães que imploraram aos combatentes que as levassem em vez das filhas”, disse um homem de 27 anos. “Mas um dos mashababos disse que não querem mulheres velhas com filhos e doenças.”

Uma mulher de 34 anos de Mocímboa da Praia que já esteve cativa disse que foi forçada a selecionar mulheres e meninas destinadas a ter relações sexuais com os combatentes no seu regresso das operações militares. “As [mulheres] que se recusavam eram punidas com espancamentos e ficavam sem comida durante dias.”

Em 30 de abril, a enviada especial da Comissão da União Africana para as mulheres, paz e segurança, Bineta Diop, exortou o governo de Moçambique, os órgãos regionais e a comunidade internacional a “agir rapidamente e a prestar o apoio adequado” às mulheres e meninas que foram mantidas em cativeiro e sujeitas a maus-tratos pelo Al-Shabab.

Nos últimos anos, as autoridades moçambicanas fizeram alguns progressos, tendo resgatado centenas de vítimas de rapto das bases do grupo. No entanto, as autoridades mantiveram as reféns que foram libertadas sem acesso a comunicações e aos seus familiares durante várias semanas, alegadamente para realizar exames de segurança.

Em outubro, um oficial do gabinete do governador de Cabo Delgado disse à Human Rights Watch que o exército mantinha centenas de pessoas, a maioria mulheres e crianças, que haviam sido libertadas das bases do grupo, no Complexo Desportivo de Pemba. Os soldados mantiveram-nas retidas para separar os civis dos supostos combatentes. O oficial disse que as mulheres detidas na unidade estavam a receber cuidados médicos, incluindo apoio psicossocial (à saúde mental), mas não especificou a natureza da ajuda ou quem estava a prestá-la.

As autoridades moçambicanas e os parceiros internacionais e regionais, incluindo a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (CDAA), devem prestar serviços de reintegração e reabilitação dignos, sensíveis ao género, sensíveis à criança e respeitadores dos direitos humanos, incluindo cuidados abrangentes pós-violação para mulheres e meninas resgatadas, disse a Human Rights Watch. As autoridades devem proceder a uma averiguação completa e julgar adequadamente os líderes e combatentes do Al-Shabab pelos raptos, casamentos infantis e forçados, violações e violência sexual, escravidão e outros crimes de género, em violação da lei internacional e moçambicana.

Os abusos do Al-Shabab contra mulheres e meninas também infringem as leis regionais e internacionais de direitos humanos e violam o direito internacional humanitário. Tratados especializados internacionais e regionais sobre os direitos das mulheres e crianças, incluindo o Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos sobre os Direitos das Mulheres em África (Protocolo de Maputo), garantem o direito de não sofrer violência sexual e de gênero, incluindo violência reprodutiva. Ao abrigo destes instrumentos, o governo de Moçambique tem a obrigação de prevenir, investigar, julgar e punir os responsáveis por abusos, bem como apresentar soluções oportunas, acessíveis e eficazes às vítimas e sobreviventes.

“Um número desconhecido de mulheres e meninas permanece em cativeiro em Moçambique, sujeitas a abusos terríveis diários, incluindo escravidão e violação por combatentes do Al-Shabab”, disse Segun. “As autoridades moçambicanas devem intensificar os esforços para resgatar e reintegrar as sobreviventes nas suas comunidades e garantir prontamente o seu tratamento digno e o acesso a serviços médicos e psicossociais.”

Para obter mais detalhes sobre a crise humanitária e o rapto de mulheres e meninas em Cabo Delgado, consulte a informação em baixo.

Crise humanitária na Província de Cabo Delgado                       

Desde outubro de 2017, o Al-Shabab atacou várias aldeias, matou mais de 2500 pessoas e destruiu numerosas propriedades e infraestruturas civis, incluindo escolas e centros de saúde, em Cabo Delgado. Mais de 800 000 pessoas foram deslocadas desde abril de 2020, após uma escalada da violência.

Em abril de 2018, o grupo armado jurou lealdade ao Estado Islâmico. Em Agosto de 2019, o ISIS reconheceu o grupo como afiliado e, desde então, assumiu a responsabilidade por vários dos ataques do grupo. Nos últimos quatro anos, o Al-Shabab cometeu mais de 1000 ataques contra alvos militares do governo e centros populacionais civis nos distritos de Macomia, Mocímboa da Praia, Muidumbe, Nangade, Palma e Quissanga no norte da província de Cabo Delgado.

Em 23 de Junho, após meses de deliberações, a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (CDAA), aprovou o envio da sua Força de Alerta para Moçambique, SAMIM. No mês seguinte, o Ruanda, que não é membro da CDAA, enviou 1000 soldados para Cabo Delgado ao abrigo de um acordo separado com o governo de Moçambique. Desde então, as tropas moçambicanas apoiadas pelas forças do Ruanda e da SADC recuperaram algumas áreas controladas pelo Al-Shabab no distrito de Mocímboa da Praia e expulsaram os combatentes da cidade de Palma.

Os nomes das mulheres que foram mantidas em cativeiro são pseudónimos para proteger a sua privacidade.

Distrito de Macomia

A imprensa noticiou que em 3 de novembro de 2018, combatentes do Al-Shabab invadiram e saquearam lojas e mercados na aldeia Unidade, em Macomia, e incendiaram 45 casas, uma escola e uma mesquita. Duas irmãs, “Anchia,” 23 anos, e “Lurdes,” 19 anos, disseram à Human Rights Watch em agosto de 2019 que fugiram do ataque com outros residentes e se esconderam na quinta da família. Horas depois, na mesma noite, foram descobertas por seis homens armados com catanas e espingardas de assalto AK-47. Anchia disse que o líder, chamado Abdul, lhe perguntou a si e à irmã onde estavam os seus maridos e filhos. Quando lhes respondeu que eram ambas solteiras, o homem disse: “Então vão ser minhas mulheres e vou dar-vos filhos”.

Depois, os homens armados forçaram as duas mulheres a caminhar durante horas. Chegaram por volta do meio-dia de 4 de novembro a um acampamento escondido no mato perto da cidade de Quiterajo. Disseram que viram cerca de 30 outras mulheres e meninas no acampamento, algumas das quais o líder vendeu como noivas ou ofereceu aos combatentes para relações sexuais ou para serem suas “mulheres”. O líder do acampamento, que tratavam por “Xeque”, deu Anchia e Lurdes a Abdul, que as levou para um acampamento nas proximidades, onde viveram com ele durante seis meses.

Anchia disse:

Tínhamos uma vida normal: rezávamos, cozinhávamos, trabalhávamos na quinta e cuidávamos dos filhos [de outras mulheres do acampamento]. Uma noite, no início de maio [2019], as forças do governo chegaram ao acampamento. Fugimos e escondemo-nos nas margens do rio. Quando voltámos de manhã, os soldados tinham matado quatro homens, incluindo Abdul, e levado as outras pessoas do acampamento.

As irmãs fugiram para Pemba. Em Pemba, moraram com uma mulher da igreja, ajudando-a nas tarefas domésticas enquanto o grupo da igreja lhes dava de comer e vestir. Lurdes descreveu as consequências a longo prazo do seu rapto:

Não quero procurar os nossos familiares aqui em Pemba porque não quero que saibam que estou grávida [de Abdul].

Os relatos de mulheres raptadas em Macomia continuaram até outubro de 2021.

Vila Mocímboa da Praia

A vila de Mocímboa da Praia sofreu pelo menos três ataques do Al-Shabab, acompanhados pelo rapto de mulheres e meninas, que começaram em março de 2020. O grupo armado ocupou brevemente a vila em junho de 2020, tendo assumido o controlo total em agosto de 2020, após intensos combates com as forças do governo. As forças conjuntas de Moçambique e do Ruanda recuperaram o controlo da vila em agosto de 2021. Os combates deslocaram mais de 6000 pessoas.

“Muna,” 36 anos, que chegou a Pemba vindo de Mocímboa da Praia no dia 26 de outubro de 2020, disse que o Al-Shabab raptou a sua esposa e três filhas na vila durante o ataque de março de 2020:

Quinze mashababos armados com armas vieram em duas carrinhas Isuzu e encontraram-me a mim, à minha esposa e às minhas três filhas escondidos nas traseiras da nossa casa. Um deles agarrou nas minhas filhas mais novas, de 12 e 14 anos. Outro agarrou na minha filha de 17 anos e começou a tocar-lhe nos seios. Fiquei furioso e atirei-lhe com uma pedra, o que os fez bater-me com tanta força que perdi a consciência. Quando acordei, estava ferido e sozinho. As minhas filhas e a minha esposa tinham desaparecido... Não há um dia em que não pense nelas.

Quatro outras pessoas que fugiram para Pemba disseram que, antes de sair de Mocímboa da Praia, viram os combatentes do Al-Shabab levar entre 30 a 100 meninas adolescentes em carrinhas em direção à zona sul da cidade.

“Fatimah,” 43 anos, disse que os combatentes do Al-Shabab raptaram as suas filhas de 14 e 16 anos em 23 de março de 2020:

Escondemo-nos debaixo da cama quando vimos os mashababos a passar em carrinhas pela nossa rua. Aconteceu tudo tão depressa. Forçaram a porta da frente, entraram no quarto e levaram as meninas. Corri lá para fora para tentar impedi-los. Mas as minhas filhas já estavam na carrinha com várias outras meninas.

Um mês depois, quando os combates pararam temporariamente, o marido de Fatimah recebeu um telefonema de alguém que afirmava ser um líder do Al-Shabab, a exigir um resgate de 1 milhão de meticais (15 000 USD) para libertar as suas duas filhas. Quando pagou o resgate, as meninas foram libertadas e a família fugiu para Dar es Salaam, na Tanzânia. Fatimah disse que as filhas continuam profundamente traumatizadas: “A mais nova não fala com homens, nem mesmo com o pai. Tem pesadelos à noite e recusa-se a ir à escola.” Disse que as meninas estavam a receber aconselhamento de um grupo religioso local.

Os combatentes do Al-Shabab raptaram mais mulheres e meninas durante um ataque em junho de 2020 em Mocímboa da Praia. As reportagens da imprensa disseram que os combatentes raptaram oito meninas, mas um empresário local e um líder religioso disseram que o número é maior.

"Assumana”, 33 anos, disse que durante um ataque do Al-Shabab, os combatentes forçaram a sua tia de 54 anos, líder da comunidade, a apontar as casas onde viviam meninas com idades entre 12 e 17 anos:

Na manhã do dia 29 de junho [2020], quatro mashababos, um dos quais já tinha sido nosso vizinho, vieram a nossa casa à procura da minha tia. Chamaram-na pelo nome e disseram-lhe que se quisesse que a sua família fosse poupada, teria de colaborar com eles. Ordenaram-lhe que os levasse a todas as casas de famílias que tinham meninas. A minha tia recusou-se e chorou, implorando por misericórdia. Um dos homens deu-lhe uma bofetada na cara e apontou-lhe uma espingarda de assalto à cabeça. Ela teve de lhes obedecer.

Assumana disse que as meninas foram forçadas a entrar em dois autocarros grandes e levadas para o norte, em direção à cidade de Pundanhar. A tia confirmou que os combatentes a obrigaram a identificar mais de 200 meninas, mas não se recorda de mais detalhes. Desde então, está a receber cuidados de saúde mental e a ser seguida por um psiquiatra que conhece o seu caso.

“Faizal”, de 27 anos, disse que durante o ataque de junho de 2020, os combatentes do Al-Shabab “mandaram-me a mim e aos outros homens deitar no chão. O líder do grupo repetiu várias vezes que não tinham vindo por nós, pelos homens. Só queriam mulheres jovens e meninas.”

Os raptos continuaram quando o Al-Shabab assumiu o controlo de Mocímboa da Praia em agosto de 2020. Os residentes disseram que os combatentes do Al-Shabab raptaram centenas de mulheres e meninas, incluindo duas freiras brasileiras. As freiras foram libertadas 24 dias depois, em 6 de setembro. Não há informação sobre se o resgate foi pago.

“Sara,” 24 anos, que foi raptada em Mocímboa da Praia em 8 de agosto de 2020, disse que os combatentes a levaram a si e as outras mulheres e meninas em camiões e autocarros para a floresta. Quando o Al-Shabab assumiu o controlo da cidade, trouxeram as reféns consigo para as casas abandonadas. Disse:

Separaram-nos por idade e cor da pele. As mulheres mais escuras recebiam tarefas como limpar, cozinhar, agricultura... Às vezes, quando [os combatentes] voltavam dos combates, escolhiam algumas para ter relações sexuais. As mulheres de pele clara eram as favoritas para serem noivas. As índias, brancas e mulatas [mestiças] como eu eram mantidas separadas. Diziam que os nossos familiares iam pagar por nós.

Sara ficou refém durante 22 dias até os combatentes a terem levado numa série de viaturas até Montepuez, a mais de 300 quilómetros de distância, onde o marido estava à sua espera. O marido pagou um milhão de meticais (15 000) pela sua liberdade.

Dois homens, “Gani,” 38 anos, e “Ashaf,” 34 anos, raptados pelo Al-Shabab em agosto de 2020 em Mocímboa da Praia, disseram que foram forçados a ajudar os militantes a abusar sexualmente de mulheres e meninas raptadas, que eram mantidas em cativeiro em casas abandonadas na vila. Gani disse:

Separámos as mulheres jovens e as meninas das outras mulheres e levámo-las para outra casa, onde uma vez − às vezes duas vezes − por semana, combatentes mashababos vindos dos combates, dormiam com elas ou levavam as que queriam para outro lugar até de manhã. Algumas mulheres mais velhas [foram forçadas a] ajudar-nos a excluir [do grupo de escravas sexuais] as mulheres que estavam menstruadas ou doentes.

Ashaf disse:

Por vezes, havia dois ou três combatentes que queriam a mesma mulher. Para evitar que se agredissem uns aos outros, forçava as mulheres a ir [ter relações sexuais] com todos eles para manter a paz. Se recusassem, batia-lhes ou punia-as com isolamento ou privando-as de comida e banho. Mas a maioria das mulheres era obediente.

Palma

Em 24 de março de 2021, combatentes do Al-Shabab invadiram a cidade produtora de gás de Palma, tendo matado e ferido um número desconhecido de civis. Várias testemunhas disseram ter visto cadáveres nas ruas e os moradores em fuga enquanto os combatentes disparavam indiscriminadamente contra pessoas e edifícios.

Cinco dias após o ataque, a Província da África Central do Estado Islâmico (ISCAP) declarou que os seus aliados em Moçambique haviam assumido o controlo de Palma, o que foi confirmado por fontes de segurança à Human Rights Watch. “Rute”, 32 anos, enfermeira, disse que, quando o ataque começou, ficou escondida numa quinta na periferia da cidade durante dois dias. Em 26 de março, quando tentava fugir para Afungi, para onde os deslocados estavam a ser evacuados, foi apanhada por 15 homens armados e de uniforme:

No início, pensei que eram soldados. Mas, quando vi as faixas vermelhas nas cabeças, percebi que eram o Al-Shabab. Deram-me comida e água e levaram-me para a mesquita no centro, onde alguns homens estavam a ser mantidos como reféns. Pegaram num homem e degolaram-no à minha frente e disseram-me... “É isto que vai acontecer contigo se tentares fugir.”

Naquela noite, os combatentes levaram Rute para junto das centenas de outras mulheres e meninas mantidas reféns em quatro casas num bairro no centro. Quando as forças do governo bombardearam Palma por via aérea em 29 de março, os combatentes levaram as mulheres e crianças em três camiões pelas florestas de Pundanhar. Depois, obrigaram-nas a andar à chuva das 4.00 às 17.00 horas, quando a estrada ficou intransitável para veículos, até chegarem a Mocímboa da Praia.

Um homem conhecido como Xeque Omar ou “Rei da Floresta”, era o responsável do acampamento onde Rute morou durante seis semanas, a fazer limpezas, agricultura e a cozinhar para os combatentes do Al-Shabab. Disse que fingiu estar infetada com VIH-sida para evitar ser abusada sexualmente ou escolhida como esposa. O Xeque Omar acabou por libertar Rute e outras quatro mulheres aparentemente doentes perto da fronteira com a Tanzânia.

“Grace”, cidadã do Zimbabué de 27 anos que foi raptada, disse que o Al-Shabab a levou de Palma para Mocímboa da Praia em 29 de março. Disse que a libertaram em junho:

Muitas estrangeiras foram libertadas quando as famílias pagaram o resgate. Acho que [o Al-Shabab] finalmente percebeu que a minha família não tinha o dinheiro que queriam. Por ordem do Xeque Omar, fui transferida para a casa das trabalhadoras. Éramos tratadas como escravas. [Entre as trabalhadoras] havia mulheres com filhos e mulheres não muçulmanas que tinham dificuldade em aprender o Alcorão [durante as sessões de doutrinação]. Cozinhávamos, trabalhávamos na quinta, limpávamos... às vezes Omar chamava-nos “infiéis inúteis”.

“Farida”, 26 anos, disse que as mulheres jovens e saudáveis eram dadas como “presentes” aos combatentes, enquanto as mulheres doentes eram enviadas para a casa das trabalhadoras. Outras eram vendidas a homens da Tanzânia que faziam parte da célula ASWJ da Tanzânia:

Havia muitos combatentes − alguns jovens, meninos, que reconhecia de Palma. Tinham desaparecido da cidade por volta de novembro de 2020. Quando voltaram ao acampamento depois dos combates [noutro lugar na província], o Xeque Omar oferecia-lhes mulheres raptadas [para sexo] como presente. O Xeque selecionava pessoalmente as mulheres e separava as que estavam doentes.

Seis pessoas que fugiram de Mocímboa da Praia após as forças moçambicanas e ruandesas terem reconquistado a cidade disseram ter visto várias mulheres e raparigas grávidas, bem como outras com filhos, cujos pais parecem ser combatentes, a fugir da cidade.

“Samira,” 18 anos, fugiu das bases do Al-Shabab em Mocímboa da Praia e chegou à vila de Macomia com várias outras mulheres e meninas em 15 de setembro de 2021. Disse que foi raptada em Macomia e forçada a casar-se com um combatente da Tanzânia em junho de 2020:

Éramos quatro esposas. Levou duas delas para a Tanzânia, mas a outra mulher e eu ficámos no acampamento da aldeia perto de Mbau. Quando os combates começaram no final de julho ou início de agosto, os combatentes mandaram-nos fugir. Não consegui correr muito porque estava grávida e acabei por ficar três dias escondida no mato. Depois, fui encontrada por um grupo de deslocados, que me trouxe de volta para Macomia.

A Resposta do Governo de Moçambique

As autoridades moçambicanas fizeram poucos progressos no resgate de mulheres e raparigas raptadas, em relação ao número estimado de pessoas raptadas.

Em 13 de Janeiro de 2021, o chefe da polícia moçambicana Bernardino Rafael apresentou 15 mulheres e 6 crianças resgatadas pelas forças governamentais a jornalistas. Disse que o Al-Shabab as levou durante um ataque à ilha de Matemo, distrito de Ibo, em 6 de janeiro.

Em julho, o comandante do exército moçambicano, Cristóvão Chume, disse que as forças do governo resgataram 120 mulheres e crianças de um acampamento do Al-Shabab em Palma. Em outubro, a BBC noticiou que as forças conjuntas de Moçambique e do Ruanda resgataram algumas mulheres em Pemba.

Em setembro, o SAMIM resgatou três mulheres idosas de uma base do Al-Shabab, ao sul do rio Messalo, e entregou-as às autoridades moçambicanas. As tropas ruandesas reportaram em outubro que resgataram um número não revelado de mulheres em Cabo Delgado, uma das quais teria sido mantida como escrava sexual durante mais de um ano.

Em alguns casos, as mulheres e meninas parecem ter sido vitimizadas novamente pelos seus salvadores. Três familiares de sobreviventes e uma fonte do governo disseram que as forças do governo mantinham mulheres e meninas resgatadas contra a sua vontade dentro do Complexo Desportivo de Pemba.

“Charifo” disse em outubro que tentou visitar a sua mulher, que foi raptada em 2019, quando soube que estava no complexo desportivo, mas que os soldados lhe recusaram a entrada, dizendo-lhe que ainda não podia vê-la. “Quanto mais tempo tenho de esperar?” disse. “Os meus filhos e eu já esperámos tempo suficiente.”

Nasiima, cuja filha de 16 anos foi raptada em Palma em 2021, descreveu a atmosfera sigilosa no complexo: “A minha filha já lá está há duas semanas. Não a soltam. Não nos dizem nada. Nem podemos chegar perto do local porque está vigiado por muitos soldados. Porque nos estão a castigar assim? “

Em novembro, as autoridades moçambicanas continuaram a manter centenas de pessoas resgatadas pelas forças conjuntas de Moçambique, Ruanda e SADC em toda a província de Cabo Delgado no complexo desportivo de Pemba, sem acesso a comunicações.

Recomendações

Para o Al-Shabab (ASWJ) e outros grupos armados não estatais

  • Libertar imediatamente todos os civis, especialmente mulheres e meninas, que mantêm cativos.
  • Acabar com todas as tomadas de reféns, raptos com pedido de resgate, casamentos infantis e forçados, escravidão e venda de mulheres e meninas.
  • Punir adequadamente todos os comandantes e combatentes responsáveis por violações, abusos sexuais, casamentos infantis e forçados e exploração de mulheres e meninas.

Para o governo moçambicano

  • Garantir que todos os indivíduos resgatados a grupos armados são tratados com humanidade. Prestar informações atempadas aos seus familiares sobre o seu paradeiro e dar-lhes acesso enquanto estão sob a custódia do governo.
  • Prestar serviços de saúde mental e psicossocial adequados e acessíveis aos sobreviventes de violações, abusos sexuais, casamentos infantis e forçados, raptos e outros abusos nos grupos armados.
  • Facilitar encaminhamentos e acesso a tratamento médico de emergência e a serviços de saúde mental e de apoio psicossocial para as mulheres e meninas nos campos para pessoas deslocadas internamente.
  • Garantir que as instalações médicas que tratam os sobreviventes de rapto têm procedimentos em vigor para dar resposta aos casos de violência sexual, incluindo exames e material médico para assegurar cuidados pós-violação abrangentes e acessíveis, de acordo com os padrões da Organização Mundial da Saúde (OMS).
  • Dar formação especializada a prestadores de serviços sociais e de saúde para garantir o atendimento, tratamento e apoio dos sobreviventes de raptos por grupos armados.
  • Investigar e processar em julgamentos justos os membros de grupos armados não estatais responsáveis por atos de violência sexual e outros crimes contra mulheres e meninas.

À Comunidade Internacional, incluindo a CDAA, União Africana, Nações Unidas, União Europeia e Estados Unidos

  • Pressionar o governo moçambicano para que garanta o tratamento humanitário e a imediata libertação de todas as mulheres e meninas resgatadas de grupos armados.
  • Apoiar a prestação de serviços de saúde pós-traumáticos, psicossociais e mentais acessíveis para todas as mulheres e meninas raptadas, especialmente as vítimas de violência e abuso sexual.
  • Garantir que qualquer apoio às forças de segurança moçambicanas para prestar assistência às mulheres e meninas raptadas é totalmente consistente com os padrões internacionais de direitos humanos.
  • Apoiar investigações e processos judiciais apropriados dos membros de grupos armados não estatais responsáveis por atos de violência sexual e outros abusos cometidos contra mulheres e meninas.

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