Excelentíssimos Governadores,
Escrevemos para cumprimentá-los pelo compromisso assumido no âmbito do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal de combater o desmatamento ilegal na Amazônia, e também para compartilhar nossas recomendações sobre as medidas urgentes e imediatas que acreditamos que seus estados deveriam adotar para cumprir esse compromisso. Nós da Human Rights Watch apoiamos fortemente seus esforços em busca de cooperação internacional para enfrentar a crise na Amazônia. Temos defendido que o apoio internacional seja fornecido diretamente aos governos estaduais capazes de demonstrar progresso – medido em resultados concretos – na redução do desmatamento e no combate à impunidade por crimes ambientais e atos de intimidação e violência contra defensores da floresta em suas jurisdições.
A Human Rights Watch é uma organização não governamental internacional que monitora e documenta a situação dos direitos humanos em mais de 100 países ao redor do mundo, incluindo em questões relacionadas à degradação ambiental e mudanças climáticas, como práticas comerciais abusivas e insustentáveis, violações dos direitos dos povos indígenas, entre outras. Temos equipes trabalhando em 40 países, incluindo em escritórios em Washington, DC, Nova York, Berlim. Paris e São Paulo.
A Human Rights Watch documentou extensivamente a crise ambiental e de direitos humanos na Amazônia brasileira. Em 2019, publicamos um relatório detalhando a falha sistemática das autoridades brasileiras em investigar adequadamente e promover a responsabilização sobre os atos de violência relacionados ao desmatamento ilegal. Em 2020, em parceria com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), elaboramos um relatório demonstrando como as queimadas associadas ao desmatamento intoxicaram o ar que milhões de brasileiros e brasileiras respiram e levaram a milhares de hospitalizações por doenças respiratórias. Além disso, apontamos o fracasso das agências e autoridades federais na cobrança de multas por infrações ambientais e na contenção do garimpo ilegal e da violência em terras indígenas.
Desde 2019, a Human Rights Watch tem documentado como o Governo Federal tem sabotado suas próprias agências de proteção e fiscalização ambiental, atacado e tentado marginalizar organizações da sociedade civil, e enfraquecido a proteção de territórios indígenas. Embora o desmatamento ilegal e a violência a ele associada sejam problemas de longa data na Amazônia brasileira, a situação piorou dramaticamente sob a atual gestão do governo federal, cuja retórica e políticas têm, na prática, dado sinal verde às redes criminosas que impulsionam grande parte da extração ilegal de madeira, do garimpo e da grilagem de terras.
A crescente destruição da floresta amazônica tem prejudicado a imagem e a competitividade comercial do Brasil no exterior. A União Europeia (UE) tem indicado que a crise na Amazônia é um dos principais fatores no atraso da ratificação do acordo Mercosul-UE, por exemplo. O fracasso em conter esta crise também tem prejudicado as aspirações de acessão do país à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); e fundos de investimentos e supermercados ameaçaram boicotar commodities agrícolas brasileiras que tenham relação com o desmatamento.
Dada a atuação do atual governo federal, e considerando o papel crucial que os órgãos estaduais desempenham no combate ao desmatamento ilegal e na proteção dos direitos das populações locais, a Human Rights Watch tem instado o governo dos Estados Unidos da América (EUA) a dialogar com o Consórcio dos Estados da Amazônia Legal na concepção e implementação de programas de cooperação técnica e financeira à Amazônia brasileira e oferecer apoio diretamente aos estados para apoiá-los nos esforços de enfrentamento da crise.
Em abril, os EUA, o Reino Unido e a Noruega, junto a grandes empresas, lançaram a Coalizão LEAF (Lowering Emissions by Accelerating Forest Finance). A Coalizão está mobilizando pelo menos 1 bilhão de dólares em fundos a jurisdições, incluindo governos subnacionais, como os estados da Amazônia, que demonstrarem que estão reduzindo as emissões de gases de efeitos estufa oriundas do desmatamento e da degradação da floresta tropical – o que, na prática, exige a redução do desmatamento.
Para qualificarem-se ao financiamento, a Coalizão requer que os governos garantam a participação “completa e eficaz” dos povos indígenas e de comunidades locais e assegurem os direitos sobre o território nos seus projetos de redução do desmatamento. Governos estaduais da Amazônia receberam positivamente a iniciativa e alguns deram passos para submeterem propostas.
Citando a pesquisa da Human Rights Watch, em abril deste ano 15 senadores dos EUA – incluindo presidentes de comissões do Senado que desempenham papel importante na definição da política externa do país – deixaram claro, em carta ao presidente Joe Biden, que qualquer cooperação dos EUA ao Brasil relacionada à Amazônia deveria estar condicionada ao progresso significativo e sustentado das autoridades brasileiras na redução do desmatamento e combate à impunidade por crimes ambientais e atos de intimidação e violência contra os defensores da floresta. Posteriormente, o Enviado Presidencial Especial dos EUA para Mudanças Climáticas, John Kerry, e o Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, ecoaram este apelo por resultados.
Parece cada vez mais claro que os estados precisarão abordar questões de direitos humanos em conjunto com os esforços para reduzir o desmatamento a fim de serem elegíveis para financiamento, demonstrando progresso concreto.
Estamos otimistas com o fato de o Consórcio buscar construir alianças com a comunidade internacional para apoiar a conservação e o desenvolvimento sustentável que beneficia os milhões de brasileiros que vivem na Amazônia. Reconhecemos o progresso na redução do desmatamento em alguns estados, e também a iniciativa de alguns governos para aumentar a sustentabilidade das commodities agrícolas produzidas na Amazônia. Do mesmo modo, consideramos cruciais os esforços de alguns estados para desenvolver e manter seus próprios programas de proteção de defensores do meio ambiente e defensores dos direitos humanos em situação de risco.
No entanto, ainda há muito a ser feito. Mais de 11 mil km² de floresta foram desmatados em 2020, segundo o sistema de monitoramento PRODES da Agência Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) – quase o triplo da meta de 3.925 km² que o Brasil se comprometeu a atingir até 2020 como parte de sua Política Nacional sobre Mudança do Clima. As estimativas preliminares mais recentes do sistema DETER, também do INPE, indicam que cerca de 2.550 km² foram desmatados entre janeiro e maio de 2021, um aumento de 25 por cento em relação ao mesmo período no ano passado. Os recentes e graves atos de violência e ameaças contra indígenas defensores da floresta, na bacia do Tapajós e na terra indígena Yanomami, também mostram como grupos criminosos que impulsionam a destruição da Amazônia sentem-se encorajados, mesmo diante de operações contra o garimpo ilegal, e revelam que as autoridades devem trabalhar para combater esse prevalecente sentimento de impunidade.
A Human Rights Watch identificou medidas urgentes que acreditamos que seus estados deveriam adotar para reverter a tendência de desmatamento acelerado e de impunidade por crimes ambientais e atos de violência contra defensores em suas respectivas jurisdições. Essas medidas foram concebidas também com o entendimento de que os governos estaduais estão operando com recursos limitados devido à pandemia de Covid-19 e, portanto, consistem em grande parte de decisões políticas que podem ser executadas com os recursos disponíveis. Essas medidas incluem:
- Cancelar os cadastros ambientais de imóveis rurais que declaram ilegalmente a posse de terras dentro de terras indígenas e florestas públicas não destinadas;
- Dar publicidade às Guias de Trânsito Animal (GTA) para aumentar a transparência da cadeia produtiva da pecuária e coibir invasões de terras indígenas e de áreas protegidas;
- Instruir as forças de segurança estaduais a responderem prontamente a atos de violência e intimidação relacionados ao desmatamento ilegal e garantir que esses crimes sejam investigados minuciosamente.
Além disso, acreditamos que o Consórcio deveria reunir as autoridades competentes no âmbito de seus estados – incluindo as polícias civil e militar, ministério público e órgãos ambientais – para desenvolver uma estratégia coordenada que busque desmantelar redes criminosas ligadas ao desmatamento ilegal e à violência contra defensores da floresta em sua jurisdição. Ademais, os estados deveriam fortalecer ou criar programas de proteção de defensores ambientais e dos direitos humanos em situação de risco, garantindo a representação adequada da sociedade civil e dos povos indígenas em sua estrutura de governança.
Explicamos essas recomendações em detalhes no documento anexo. Compartilharemos esta carta também com potenciais países financiadores, que esperamos apoiarem seus esforços.
Acreditamos firmemente que, ao implementar estas medidas com a devida urgência e rigor, seus estados serão capazes de demonstrar liderança nesta importante missão e produzir os resultados necessários para angariar apoio internacional a seus esforços.
Esperamos poder continuar a contribuir com o Consórcio.
Sem mais, com votos de elevada estima e consideração, permanecemos à disposição.
Atenciosamente,
Maria Laura Canineu
Diretora da Human Rights Watch Brasil
Daniel Wilkinson
Diretor de meio ambiente e direitos humanos da Human Rights Watch