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Brasil: Rejeite o projeto de lei sobre “fake news”

Projeto viola a liberdade de expressão e de associação e o direito à privacidade

Presidente do Senado do Brasil, Davi Alcolumbre, preside a sessão por videoconferência no dia 10 de junho de 2020. O Senado está realizando as discussões e as votações por videoconferência devido à pandemia de Covid-19. ©2020 Marcos Oliveira/Agência Senado

(São Paulo, 24 de junho de 2020) – O Congresso deveria garantir que qualquer medida que vise tratar de temas como a difamação e disseminação de informações falsas respeite os direitos fundamentais à liberdade de expressão, de associação e à privacidade, afirmou hoje a Human Rights Watch.

O relatório do projeto de lei das “fake news” que tramita no Senado, de autoria do Senador Angelo Coronel, contém disposições vagas e amplas que podem levar a abusos. Seu conteúdo restringiria de forma desnecessária e puniria inclusive com penas de prisão a livre expressão de opiniões protegidas legalmente e o exercício da liberdade de associação, além de enfraquecer a privacidade das comunicações. O Senado deveria rejeitar este relatório .

“O Congresso parece estar correndo para aprovar um projeto de lei que resultaria no sufocamento da liberdade de expressão nas redes e exigiria que empresas provedoras de serviços de comunicação pela Internet coletem enormes quantidades de dados sobre todos os usuários”, disse Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch no Brasil.

O projeto de lei 2.630/2020, com tramitação iniciada em 13 de maio de 2020 no Senado, está com votação marcada para 25 de junho. O texto já passou por várias modificações nesse curto período e não foi suficientemente debatido publicamente em meio à pandemia de Covid-19.

A atual proposta, do Senador Angelo Coronel, inclui disposições que ameaçam as liberdades de expressão e associação e o direito à privacidade. Por exemplo:

  • O projeto de lei torna crime, punível com um a cinco anos de prisão, criar ou compartilhar conteúdo que supostamente representa um sério perigo à “paz social” ou à “ordem econômica”, sem definir esses termos. Também tornaria crime ser membro de um grupo on-line, tendo conhecimento de que sua atividade principal está focada no compartilhamento de mensagens difamatórias, mesmo que o membro não tenha criado ou compartilhado essas mensagens.
  • O projeto de lei exige que as empresas provedoras de serviços de comunicação pela Internet coletem documentos de identidade e número de telefone celular de usuários para inscrição e acesso a serviços de mensagens e e-mails. Pessoas sem um telefone celular não poderiam abrir essas contas. Os provedores seriam obrigados a suspender as contas quando um número de telefone fosse desabilitado, por exemplo, por falta de pagamento. Essas disposições criariam bancos de dados gigantes com a identidade de todos os usuários e dificultariam o uso da Internet por pessoas mais pobres.
  • O projeto de lei estabelece que os provedores de serviço de comunicação na internet guardem os registros da cadeia de mensagens encaminhadas por qualquer brasileiro por pelo menos quatro meses. Isso criaria um banco de dados massivo que pode ser facilmente utilizado de forma abusiva para fins políticos, para rastrear as fontes de jornalistas ou para perseguir criminalmente as pessoas por compartilharem mensagens que as autoridades considerem um risco para a “paz social” ou a “ordem econômica”.
  • O projeto de lei proíbe o uso de conteúdo “manipulado” com o objetivo de “ridicularizar” candidatos. Nos casos em que isso ocorrer, o juiz determinaria a identidade do candidato “beneficiado” do ato de ridicularização e ordenaria que aquele candidato pagasse uma multa de até R$ 10 milhões. Essa disposição genérica proibiria na prática a sátira e a ironia durante as eleições e, portanto, violaria as garantias de liberdade de expressão.

A última versão do projeto de lei foi distribuída pelo Senador Angelo Coronel, relator do projeto de lei, em 19 de junho. Esta versão poderá sofrer alterações antes de ser formalmente apresentada ao plenário do Senado para votação em 25 de junho.

Embora limitar a disseminação de informações falsas que possam causar danos diretos e graves a outras pessoas possa ser um objetivo legítimo, é essencial que as leis que tratam da liberdade de opinião e expressão respeitem estritamente a legislação que protege os direitos humanos. O direito internacional estabelece que qualquer regulamentação da liberdade de expressão deve ser necessária para alcançar um propósito legítimo, como a proteção da segurança nacional, da saúde pública ou dos direitos de terceiros, e estritamente proporcional ao alcance desse propósito.

Mesmo quando uma lei tem um objetivo legítimo e parte de boas intenções, os Estados são obrigados a identificar especificamente a natureza da ameaça a ser por ela tratada e como a medida proposta se justifica como um meio necessário e proporcional para enfrentá-la. As disposições do projeto de lei em questão não atendem a esses critérios. Em particular, a prisão nunca é uma penalidade apropriada por difamação e a incorporação à lei de disposições genéricas e vagas violam a proteção da liberdade de expressão sob a legislação de direitos humanos.

Em uma declaração conjunta de março de 2017, os relatores especiais das Nações Unidas, a Organização dos Estados Americanos (OEA), a Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e a Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos (CADHP) afirmaram que os Estados devem evitar “proibições gerais à disseminação de informações com base em ideias vagas e ambíguas, incluindo ‘fake news’”, e abolir as leis que castigam a difamação no sistema penal, entre outras recomendações.

Em 2013, o então Relator Especial da ONU para a Promoção e Proteção ao Direito à Liberdade de Opinião e Expressão declarou que “a privacidade e a liberdade de expressão estão interligadas e são interdependentes” e alertou que, sem padrões legais adequados para garantir a privacidade, segurança e anonimato das comunicações, “jornalistas, defensores de direitos humanos e denunciantes de irregularidades, por exemplo, não podem ter certeza de que suas comunicações não estarão sujeitas ao escrutínio dos Estados”.

Em um relatório de 2015 sobre criptografia e anonimato nas comunicações digitais, o atual relator especial da ONU disse que os Estados devem se abster de tornar a identificação de usuários uma obrigação para o acesso a serviços on-line. “Como o anonimato facilita a opinião e a expressão on-line de maneira significativa, os Estados devem protegê-lo e, como regra, não restringir as tecnologias que o fornecem”, afirmou o relator especial.

“Se aprovado, o projeto de lei das ‘fake news' previsto para ser votado no dia 25 de junho violaria a liberdade de expressão e invadiria a privacidade de todos os brasileiros e brasileiras que se comunicam online”, disse Maria Laura. “O presidente do Senado deve cancelar a votação e permitir, de maneira significativa, mais tempo para uma ampla discussão que inclua a sociedade civil para que um novo projeto de lei não sacrifique direitos fundamentais”.

 

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