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Brasil: Proteja os direitos sexuais e reprodutivos durante a pandemia

Servidores que defendem direitos das mulheres e meninas são exonerados de seus cargos

Manifestantes pelo direito de escolha em um protesto no Rio de Janeiro, Brasil, em 8 de agosto de 2018. © 2018 AP Photo/Silvia Izquierdo

(São Paulo) - O Brasil deveria tratar o acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo o acesso ao aborto, conforme previsto em lei, como serviços essenciais que precisam ser mantidos, sem interrupções, durante a pandemia de Covid-19, disse hoje a Human Rights Watch.

Em 1° de junho de 2020, o Ministério da Saúde editou uma nota técnica destacando as dificuldades que mulheres e meninas podem encontrar no acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva durante a pandemia, e propôs medidas para superar esses obstáculos. Dois dias depois, o presidente Jair Bolsonaro distorceu o conteúdo do documento em um tweet, dizendo que o governo estava buscando identificar seus autores e que não apoiava "qualquer proposta que vise a legalização do aborto". O Ministério da Saúde então exonerou dois dos três técnicos que assinaram a nota .

"O sistema de saúde brasileiro está sobrecarregado por causa da Covid-19, mas mulheres e meninas que precisam de abortos não podem esperar até o fim da pandemia", disse Tamara Taraciuk Broner, diretora adjunta para as Americas na Human Rights Watch. “Em vez de garantir que mulheres e meninas tenham acesso a cuidados de saúde e apoio essenciais durante esta crise, o Presidente Jair Bolsonaro ignorou as orientações de especialistas, mentiu sobre um documento do Ministério da Saúde que recomendava melhorias nos serviços e puniu os servidores que o assinaram.”

Em 11 de junho, o Brasil tinha 800.000 casos confirmados de Covid-19 e cerca de 41.000 mortes.

Reportagens na imprensa indicam que alguns gestores locais suspenderam serviços de saúde sexual e reprodutiva considerados “eletivos”, incluindo o fornecimento de determinados métodos contraceptivos, durante a pandemia de Covid-19. Além disso, apenas 42 hospitais, em um país de cerca de 210 milhões de habitantes, estão atualmente realizando abortos legais, de acordo com um levantamento realizado pela ONG Artigo 19 em parceria com as plataformas de jornalismo AzMina e Gênero e Número. Em 2019, havia 76 hospitais que ofereciam esses serviços.

Em 1º de junho, três representantes do Ministério da Saúde, incluindo a Coordenação de Saúde das Mulheres, editaram conjuntamente a Nota Técnica n° 16/2020, com o apoio da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), que atua como Escritório Regional para as Américas da Organização Mundial da Saúde (OMS). A nota foi publicada em uma página do Ministério da Saúde com a Fundação Oswaldo Cruz e o Instituto Fernandes Figueira.

A nota de cinco páginas destacava o impacto da pandemia de Covid-19 no acesso a serviços de saúde para populações vulneráveis, particularmente mulheres e meninas pobres. O documento alertava que mulheres e meninas podem não ter acesso a contraceptivos e também podem estar mais expostas à violência de gênero durante a pandemia, levando a gravidezes indesejadas.

A nota afirma que as autoridades deveriam fazer "todos os esforços possíveis" para manter os serviços de saúde sexual e reprodutiva, a fim de evitar "danos importantes e irreparáveis ​​à saúde integral das mulheres". Entre os serviços “essenciais”, listou serviços para vítimas de violência sexual, acesso à contracepção, particularmente contracepção de emergência; prevenção e tratamento de infecções sexualmente transmissíveis; e acesso ao "abortamento seguro para os casos previstos em Lei".

O aborto é legal no Brasil em casos de estupro, ou quando necessário para salvar a vida da mulher ou quando o feto tem anencefalia, uma má-formação cerebral fatal congênita. A Human Rights Watch tem pedido às autoridades brasileiras que descriminalizem o aborto e garantam acesso ao aborto seguro e aos cuidados pós-aborto, de acordo com suas obrigações sob a legislação internacional de direitos humanos.

Em 4 de junho, o Ministério da Saúde reconheceu em comunicado que sua Coordenação da Saúde da Mulher havia escrito a nota técnica. Mas alegou, de forma contraditória, que o assunto “não foi discutido no âmbito do Ministério da Saúde” e, portanto, havia adotado medidas administrativas para identificar os responsáveis ​​por sua elaboração e divulgação.

No dia seguinte, o Ministro da Saúde interino destituiu duas das pessoas que assinaram a nota de seus cargos na Coordenação-de Saúde da Mulher e na Coordenação Geral de Ciclos da Vida, respectivamente. Ambos são funcionários públicos, que só podem ser demitidos se cometerem um crime ou uma infração grave. Eles continuam a trabalhar para o ministério em cargos inferiores.

Em uma carta conjunta, divulgada em 6 de junho, 98 organizações da sociedade civil, incluindo a Human Rights Watch, denunciaram a distorção do governo quanto ao conteúdo da nota técnica e expressaram sua solidariedade aos dois servidores que sofreram represálias e a todos os outros funcionários do Ministério da Saúde que estão trabalhando para garantir uma saúde pública de qualidade.

A OMS alertou que na redução na prestação de serviços essenciais de saúde sexual e reprodutiva, incluindo serviços de saúde materna e neonatal, em todo o mundo durante a pandemia de Covid-19, resultarão em milhares de mortes maternas e neonatais devido a milhões de gestações indesejadas adicionais, abortos inseguros e complicações nos partos sem acesso a cuidados essenciais e de emergência. A OMS recomendou aos governos que priorizem o acesso à contracepção, ao aborto dentro das possibilidades permitidas por lei e à prevenção e tratamento de infecções sexualmente transmissíveis.

Mesmo antes da pandemia de Covid-19, muitas mulheres e meninas grávidas no Brasil tinham que escolher entre continuar com gestações perigosas ou indesejadas ou procurar métodos inseguros para interrompê-las.

Uma ação que contesta a criminalização do aborto nas primeiras 12 semanas de gravidez aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal. Em outra ação, o STF rejeitou, em abril, , por questão técnica, sem discutir o mérito da ação, o pedido para permitir que mulheres grávidas infectadas pelo vírus Zika, cuja exposição do feto no útero pode causar microcefalia e outros danos, possam escolher se querem prosseguir com a gravidez.

Nos dois casos, a Human Rights Watch submeteu Amicus Curiae argumentando que as leis de aborto do Brasil são incompatíveis com suas obrigações de direitos humanos sob o direito internacional.

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