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Um ano desastroso para os direitos humanos

Caberá às instituições frear tendências autoritárias

Publicado em: Folha de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro chega ao Ministério da Defesa, janeiro de 2020. © 2020 Marcelo Camargo/Agência Brasil
Há um ano, as perspectivas para os direitos humanos no Brasil eram sombrias. Jair Bolsonaro, um parlamentar pró-tortura, intolerante, misógino e homofóbico, ganhou as eleições. Assim que assumiu o poder, adotou medidas para implementar sua agenda antidireitos. Procurou supervisionar organizações não governamentais e restringir sua participação nas políticas públicas. Atacou a imprensa, tentou restringir o acesso a informações e propôs medidas que levariam a uma maior impunidade por abusos policiais.

Em todo o mundo, líderes populistas têm implementado políticas semelhantes, com consequências nefastas para a democracia e o Estado de Direito. No entanto, no Brasil, temos visto resiliência por parte do sistema de Justiça e do Congresso, que têm conseguido, com ajuda de um debate amplo promovido pela sociedade civil e mídia independente, conter algumas das piores propostas do Planalto —mas não todas.

Essa tensão é facilmente notada na segurança pública. Apesar da queda nacional dos homicídios, que começou antes do governo Bolsonaro, a criminalidade continua grave em muitas áreas. Nossas pesquisas mostram que o uso imprudente e ilegal da força letal pela polícia dificulta o combate ao crime. Quando a polícia viola a lei, promove um ciclo de violência que põe em risco a vida dos próprios policiais. A cada ano são mortos no Brasil mais de 300 policiais, a maior parte fora de serviço.

O caminho para combater o crime passa por instituições mais fortes, o que inclui melhores ferramentas de investigação e uma força policial profissional. O presidente, no entanto, parece marchar na direção contrária. Bolsonaro defendeu um projeto de lei, por exemplo, que provavelmente levaria a uma maior impunidade por homicídios cometidos por policiais. Felizmente, após grande pressão da sociedade civil, o Congresso o derrotou.

Mas isso não foi suficiente para parar o presidente. Em dezembro, publicou um decreto usando o tradicional indulto de Natal para libertar policiais condenados por uso ilegal de força letal e outros abusos.

Antes, ele já tinha proposto um projeto de lei que trataria automaticamente homicídios cometidos por policiais ou militares como atos de legítima defesa, se executados contra qualquer pessoa que carregue de forma ostensiva uma arma ou se envolva em atos criminosos. Se aprovada, essa medida violará o direito internacional sobre o uso da força.

O governo Jair Bolsonaro tentou minar o monitoramento das prisões. Depois que o Mecanismo Nacional de Combate à Tortura encontrou evidências de “tortura generalizada” no Ceará, Bolsonaro exonerou seus peritos por decreto e aboliu os salários para os próximos membros. Mais uma vez, Bolsonaro foi derrotado, desta vez por um juiz que suspendeu o decreto.

Em algumas áreas, entretanto, os tribunais e legisladores não conseguiram parar Bolsonaro. Uma das mais significativas é o meio ambiente. O governo reduziu os orçamentos e programas das agências ambientais e minimizou as consequências para os que foram pegos desmatando ilegalmente. Isso tem permitido que redes criminosas atuem sem maiores consequências, ameaçando e matando defensores da floresta.

De janeiro a meados de dezembro de 2019, os alertas mostram que o desmatamento na Amazônia aumentou mais de 80% em comparação com o mesmo período de 2018.

O governo Bolsonaro também está aprovando novos agrotóxicos rapidamente, muitos deles restritos ou proibidos nos EUA e na Europa. Ao mesmo tempo, não monitora adequadamente a exposição a agrotóxicos, especialmente em comunidades rurais, ou resíduos de agrotóxicos em água potável e alimentos.

Muitos brasileiros estão sofrendo por causa das políticas do presidente, desde povos indígenas que tentam defender a Amazônia até pessoas LGBTs que têm que suportar seus comentários homofóbicos e moradores de comunidades que temem a violência policial. As instituições democráticas estão travando a agenda antidireitos de Bolsonaro, mas não há espaço para complacência. Neste ano, veremos como se desenrolará a luta entre as tendências autoritárias de Bolsonaro e a força de instituições independentes que protegem o Estado de Direito no Brasil.

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