(Nova York) - Os governos das Américas devem elaborar uma resposta coletiva e uniforme ao êxodo de pessoas que fogem da Venezuela, afirmou a Human Rights Watch em um relatório divulgado hoje. Eles devem considerar a adoção de um regime uniforme de proteção temporária para garantir aos venezuelanos que buscam proteção em seus países segurança e situação migratória regular. O aprofundamento da crise na Venezuela desencadeou o maior fluxo migratório dessa natureza na história recente da América Latina.
O relatório “O êxodo venezuelano: A necessidade de uma resposta regional a uma crise migratória sem precedentes”, de 37 páginas, documenta os esforços de governos sul-americanos para atender o enorme número de venezuelanos que atravessam suas fronteiras, além de recentes obstáculos que ameaçam a possibilidade dos venezuelanos buscarem proteção. Em algumas ilhas do Caribe, os venezuelanos estão sujeitos a prisões e deportações arbitrárias. Incidentes xenofóbicos são uma preocupação crescente.
“Embora muitos governos tenham feito esforços excepcionais para acolher os venezuelanos em fuga, a escala crescente da crise exige uma resposta coletiva uniforme”, afirma José Miguel Vivanco, diretor das Américas da Human Rights Watch. "Os governos devem adotar uma resposta consistente para garantir que pessoas forçadas a abandonar a Venezuela tenham a proteção que precisam para recomeçar."
O Ministério das Relações Exteriores do Equador convocou uma reunião regional em Quito para 03 e 04 de setembro, para tratar a emigração venezuelana, e o Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA) realizará outra reunião sobre este tema no dia 05 de setembro.
A Human Rights Watch recomenda que os governos da região considerem a adoção de:
- Um regime regional de proteção temporária que regularizaria a situação migratória de todos os venezuelanos, incluindo a autorização de trabalho e suspensão da deportação – por um período determinado, mas renovável – pelo menos até o julgamento de suas solicitações individuais de proteção;
- Um mecanismo regional para compartilhar de forma equitativa responsabilidades e custos associados aos fluxos migratórios, incluindo reassentamento seguro, ordenado e voluntário de refugiados e solicitantes de refúgio entre os países da região, de acordo com sua capacidade de recebê-los, processar demandas e prover integração local; e
- Estratégias multilaterais efetivas para tratar as causas que levam tantos venezuelanos a deixarem seu país, incluindo a adoção e aplicação de sanções direcionadas – como congelamento de ativos e cancelamento de vistos – a importantes autoridades venezuelanas envolvidas em graves violações de direitos humanos; e pressionando por justiça em relação às violações de direitos humanos.
Em julho e agosto de 2018, a Human Rights Watch conduziu investigações nas fronteiras da Venezuela com a Colômbia e o Brasil, onde entrevistamos funcionários governamentais e das Nações Unidas, bem como dezenas de venezuelanos que cruzaram a fronteira. O relatório também é baseado em uma revisão completa das publicações governamentais e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), e em entrevistas com outros venezuelanos que recentemente fugiram para outros países da América do Sul e Caribe, bem como advogados, especialistas e ativistas.
Mais de 2,3 milhões de venezuelanos, de uma população estimada em 32 milhões, deixaram o país desde 2014, segundo a ONU. A estes, entretanto, somam-se muitas outras pessoas que deixaram o país sem que seus casos fossem registrados pelas autoridades.
A crise política, econômica, de direitos humanos e humanitária na Venezuela cria uma combinação de fatores que leva os venezuelanos a deixarem seus lares, incapazes ou sem o desejo de voltar. Alguns poderão ser reconhecidos como refugiados; outros podem não preencher os critérios, mas precisam de proteção.
Os refugiados não podem ser forçados a regressar aos seus países de origem se tiverem um fundado temor de perseguição, como previsto pelo princípio de nonrefoulement do direito internacional. Sob a Declaração de Cartagena de 1984, 15 governos da região adotaram uma definição mais ampla de refugiado que os obriga a oferecer proteção a pessoas que estão fugindo de “violação maciça dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública”.
Alguns governos da América do Sul, incluindo o Brasil, o Chile, a Colômbia e o Peru, adotaram regras especiais para conceder permissões legais de residência aos venezuelanos. A Argentina e o Uruguai permitem que os venezuelanos solicitem um visto especial para os nacionais do Mercosul, apesar da Venezuela ter sido expulsa do bloco em dezembro de 2016. Os venezuelanos no Equador podem solicitar um visto ligado à UNASUL para permanência.
Essas autorizações regularizaram a situação migratória de centenas de milhares de venezuelanos, ajudando-os a se estabelecer fora de seu país, a trabalhar, e a ter acesso a serviços básicos. No entanto, alguns venezuelanos relataram dificuldades para conseguir regularizar sua situação migratória e, recentemente, alguns governos dificultaram aos venezuelanos o acesso à permanência legal em seus países.
Centenas de milhares de venezuelanos permanecem em situação irregular, o que prejudica gravemente sua capacidade de obter uma autorização de trabalho, matricular seus filhos à escola e ter acesso a serviços de saúde. Isso os torna mais vulneráveis à exploração sexual e laboral, bem como ao tráfico de pessoas, e menos propensos a denunciarem abusos às autoridades competentes.
No Caribe, onde vários governos mantêm vínculos econômicos e políticos estreitos com o governo venezuelano, nenhum país adotou uma política de permissão especial para que venezuelanos residam legalmente em seus países, e a maioria não tem leis para regulamentar o processo de solicitação de refúgio. Alguns venezuelanos com documentos emitidos pelo ACNUR foram detidos ou deportados para a Venezuela. Venezuelanos que buscam refúgio em países caribenhos ou no norte do Brasil também enfrentaram tratamentos xenofóbicos.
Os venezuelanos são a principal nacionalidade solicitante de refúgio nos Estados Unidos e na Espanha, mas apenas uma pequena porcentagem recebe o reconhecimento legal dessa condição.
"A Venezuela abriu suas portas para pessoas que fugiam das ditaduras e conflitos internos da América do Sul nos anos 70 e 80", disse Vivanco. "Seus vizinhos agora têm a oportunidade e a responsabilidade de fazer o mesmo pelo povo venezuelano, e os governos que reunir-se-ão em Quito nesta semana para discutir o êxodo venezuelano devem assumir esta tarefa."