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Entrar nas celas desumanas, violentas e insalubres dos presídios brasileiros é encarar um mundo cruel onde nem a legislação brasileira ou o direito internacional parecem se aplicar. Para cerca de 37.000 mulheres atrás das grades, o sofrimento é ainda maior.

De acordo com a legislação brasileira, as mulheres devem ser recolhidas em estabelecimentos próprios; mas na realidade, a maioria delas é encarcerada em pavilhões dentro de prisões masculinas, onde o risco de abuso é elevado. Várias mulheres denunciaram a um defensor público e à Pastoral Carcerária que durante uma rebelião em Minas Gerais, em 2015, presos invadiram suas alas e as estupraram.

Unhas pintadas de uma presa no presídio feminino em Brasília, Brasil. 3 de agosto de 2011. © 2011 Reuters

A legislação brasileira também proíbe que homens trabalhem dentro das prisões femininas como agentes penitenciários. Mas, em outubro do ano passado, várias mulheres da prisão de Bom Pastor, no Recife, disseram separadamente aos pesquisadores da Human Rights Watch que testemunharam um mesmo agente, do sexo masculino, assediar verbalmente e “passar a mão” em presas.

A população feminina nos presídios brasileiros aumentou 161% na última década – crescimento muito mais rápido do que a população masculina. No presídio Bom Pastor, encontramos 630 mulheres amontoadas em celas para 270. Apenas tinham água três vezes por dia e durante a chuva as tubulações ficavam obstruídas, de forma que o esgoto cobria o pátio, deixando água parada e facilitando a reprodução de mosquitos. Fezes flutuavam para dentro das celas.

Apesar de uma enfermeira ter dito à “Viviane” que ela tinha sintomas do vírus da zika, ela nunca foi devidamente diagnosticada. Viviane tem 28 anos, é mãe de dois filhos e foi condenada a 7 anos de prisão por tráfico de 45 gramas de cocaína. O vírus é especialmente perigoso para mulheres grávidas, uma vez que pode causar danos neurológicos aos fetos. Embora Viviane não estivesse grávida, diagnosticá-la poderia ter mostrado se mosquitos transmissores do vírus estavam se reproduzindo no presídio, que à época tinha pelo menos seis presas grávidas.

Em 2014, havia apenas 37 ginecologistas em todo o sistema prisional brasileiro, menos de um para cada 900 mulheres. De acordo com uma das presas de Bom Pastor, elas não recebiam absorventes desde 2015.

“Joana”, de 27 anos, condenada a 7 anos por roubo, foi examinada pelo médico em Bom Pastor duas vezes em 2016. Ele disse a ela que ela tinha uma hérnia e a mandou de volta à cela. Depois de cinco meses, ela finalmente passou por um teste e lhe disseram que estava grávida. Durante a gravidez, antes do teste, ela passou 10 dias em uma cela de castigo, que era escura e mal ventilada, e onde compartilhou dois colchões finos com outras sete mulheres.

Joana teve uma cesárea de urgência, mas depois de apenas três dias no hospital já estava de volta à prisão e não recebeu cuidados pós-parto. Outras mulheres que recentemente tinham dado à luz em Bom Pastor nos disseram que lhes foram negados absorventes para o sangramento pós-parto. Joana e outras mulheres relataram que mulheres grávidas e lactantes – havia outras 7 no mesmo presídio, com seus bebês, em uma área separada – recebiam a mesma dieta das demais, quase sem frutas e vegetais. As normas internacionais de direitos humanos exigem dieta especial para mulheres grávidas ou lactantes e proíbem que sejam colocadas em celas de castigo.

Quando os bebês chegam a seis meses, os agentes penitenciários os retiram de suas mães, mesmo que elas apenas estejam aguardando julgamento, e os encaminham para a família ou outros cuidadores. As mulheres voltam às celas comuns. A agonia de se separar forçosamente de seus bebês é inexplicável. “Quero estar com ele”, disse “Bruna”. “Ter um bebê é uma experiência única na vida. Tenho certeza de que [minha mãe] vai cuidar bem dele, mas não é o mesmo que uma mãe.”

Um estudo de 2015 no Rio de Janeiro mostrou que apenas 14% das mulheres presas grávidas ou com bebês receberam visitas de seus parceiros.

Os bebês podem acabar em abrigos, e suas mães correm o risco de perderem o contato com eles. “Luciana” foi presa em dezembro, em São Paulo, depois da polícia achar drogas na casa na qual alugava um quarto. Ela foi separada de seu bebê de apenas dois meses. Um mês após ser presa, quando uma defensora pública a encontrou pela primeira vez, ela ainda não havia sido apresentada a um juiz e não sabia onde estava seu bebê. “Ela não conseguia nem falar”, disse-me a defensora, “chorou por uma hora sem parar”.

Conforme prevê a própria legislação, as autoridades brasileiras deveriam fazer muito mais uso de alternativas à prisão, especialmente para mulheres grávidas e com filhos. Deveriam também parar de prender tantas mulheres em sua desastrosa “guerra às drogas” e descriminalizar o uso da droga. Por fim, o governo brasileiro deve fazer com que as condições prisionais nos estabelecimentos femininos, que são poucos comparados ao número de prisões masculinas, cumpram as normas internacionais e sua própria legislação.

As mulheres brasileiras merecem isso.

 


Uma versão deste artigo foi publicada pela diretora da Human Rights Watch no Brasil, Maria Laura Canineu, para o #AGORAÉQUESÃOELAS.

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