(Joanesburgo) – O governo angolano deve investigar com urgência e de forma imparcial, o uso de força por parte da polícia para dispersar uma manifestação pacífica na capital, Luanda, anunciou hoje a Human Rights Watch. A polícia agrediu activistas com bastões e feriu pelo menos quatro manifestantes com cães policiais.
"As autoridades angolanas estão a responder a protestos pacíficos com bastões e cães policiais," revelou Daniel Bekele, director sénior de advocacia para África da Human Rights Watch. "É fundamental que o governo investigue a repressão policial de que os manifestantes foram alvo e chame os responsáveis a prestar contas."
No dia 24 de Fevereiro de 2017, cerca de 15 pessoas reuniram-se por volta das 14:00 no Largo Primeiro de Maio para pedir a demissão do Ministro da Administração do Território, Bornito de Sousa, o segundo nome da lista de candidatos do partido no poder, Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA), que se tornará vice-presidente se o MPLA ganhar as eleições parlamentares previstas para Agosto. Como Bornito de Sousa é responsável pelo processo de recenseamento eleitoral, os manifestantes temem que este possa vir a manipular a eleição.
Testemunhas do protesto, bem como vários participantes, contaram à Human Rights Watch por telefone, que os manifestantes agiram de forma pacífica e não traziam consigo quaisquer faixas ou armas. Estavam a caminhar em direcção ao largo, quando a polícia investiu sobre eles e começou a agredi-los com bastões.
Um vídeo gravado por um residente de um prédio nas proximidades, mostra a polícia a agredir os manifestantes com bastões e a fazer uso de cães policiais para dispersar o grupo. O vídeo não revela quaisquer atitudes agressivas por parte dos manifestantes.
Um dos organizadores do protesto, Luaty Beirão, disse ter visto cerca de uma dúzia de agentes da polícia quando chegou, tendo rapidamente emergido outro grupo de agentes, acompanhados por um rottweiler e dois pastores alemães à trela. "Discutimos com eles alguns minutos, até um dos comandantes ter começado a afugentar as pessoas e a agredir quem tinha aparecido para observar a situação," disse Beirão.
De seguida, a polícia lançou os cães sobre os manifestantes. "O rottweiler mordeu-me o braço esquerdo e um dos pastores alemães mordeu-me no lado direito da cintura," disse Beirão. "A ferida na cintura não era tão grande como a do meu braço esquerdo".
Beirão apresentou duas fotos que são consistentes com o seu relato. Numa das fotos tirada durante o protesto, ele surge com o braço esquerdo a sangrar. Já noutra, tirada após o protesto, surge com nódoas negras profundas nas costas, flancos e nádegas, que diz terem sido provocadas por bastões.
Outro ativista, Samussuku Chiconda, disse ter sido agredido com bastões pelos agentes e arrastado para uma carrinha policial. Uma das fotos que apresentou mostra um corte profundo na testa, que disse ter requerido pontos.
"Fui perguntar aos agentes por que é que nos estavam a impedir de chegar ao largo," explicou Chiconda. "Eles atiraram-me ao chão e começaram a dar-me pontapés e a espancar-me. Eu tentei fugir, mas eles vieram atrás de mim e arrastaram-me para a carrinha. Acho que queriam levar-me para a esquadra da polícia, mas um comandante mandou-os libertarem-me."
A polícia também fez uso de força para dispersar outro protesto pacífico contra Bornito de Sousa, na província de Benguela, no oeste de Angola, no dia 24 de Fevereiro. Dois activistas em Benguela contaram que a polícia deteve temporariamente, pelo menos dois membros do Movimento Revolucionário, um grupo anti-governo, tendo de seguida libertado os manifestantes sem qualquer acusação.
Nem o protesto de Luanda, nem o de Benguela foram autorizados pelos governos locais. Três activistas que falaram com a Human Rights Watch disseram que tentaram obter a autorização das autoridades de Luanda, mas não receberam resposta. Um documento do governo da província de Benguela, a que a Human Rights Watch teve acesso, explica que a realização do protesto não foi autorizada por este ter sido agendado para um dia útil e perto de uma escola. Esta justificação excessivamente vaga, para recusar a realização de um protesto, viola o direito à reunião pacífica ao abrigo da legislação internacional em matéria de direitos humanos, alerta a Human Rights Watch.
Entre os indivíduos feridos durante os protestos de Luanda estavam três membros do grupo conhecido como “15+2” – um clube de leitura inspirado no livro Da Ditadura à Democracia de Gene Sharp – cujos membros foram detidos em Junho de 2015, por terem discutido tópicos como manifestações pacíficas e democracia, numa reunião do grupo. Em Março de 2016, um tribunal em Angola declarou-os culpados de preparar uma rebelião contra o governo e condenou-os a penas até oito anos de prisão. O Supremo Tribunal libertou provisoriamente o grupo em Junho, ficando a aguardar uma decisão final sobre o recurso. Em Setembro, os 17 membros foram libertados, após a aprovação pelo Parlamento de uma lei de amnistia.
O artigo 47.º da Constituição de Angola permite que os cidadãos protestem sem autorização prévia, desde que informem as autoridades com a devida antecedência. No entanto, o governo travou e dispersou repetidamente os protestos pacíficos contra o mesmo através do uso desnecessário ou excessivo de força ou de detenções arbitrárias.
“Uma eleição justa requer respeito pela liberdade de associação, expressão e reunião pacífica”, relembrou Bekele. “O ataque da polícia à estes manifestantes pacíficos, envia uma mensagem desencorajadora a quem queira criticar o governo, e é um sinal de alerta em relação à justiça das eleições deste ano.”