Actualização: No dia 23 de Janeiro, o presidente angolano, José Eduardo Dos Santos, promulgou a nova lei de imprensa que limita a liberdade de expressão, apesar da contestação do Sindicato de Jornalistas e outros grupos. O Sindiato prometeu levar o caso ao Tribunal Constitucional.
(Joanesburgo) - O presidente angolano José Eduardo dos Santos deveria recusar-se a assinar uma nova lei sobre a comunicação social até que o parlamento reveja as disposições que restringem o direito à liberdade de expressão, defendeu hoje a Human Rights Watch. A lei concede poderes expansivos ao governo e ao partido no poder para interferir no trabalho dos jornalistas, bem como para potencialmente impedir a cobertura noticiosa de casos de corrupção ou de abusos de direitos humanos.
O parlamento aprovou a versão final da Lei de Imprensa em 18 de Novembro de 2016, quase sem qualquer debate, juntamente com Lei sobre o Estatuto do Jornalista, Lei sobre o Exercício da Actividade de Radiodifusão, Lei sobre o Exercício da Actividade de Televisão e a Lei da Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA). Estas cinco leis constituem o que o governo chama Pacote Legislativo da Comunicação Social.
"A nova Lei da Imprensa de Angola é a mais recente ameaça à liberdade de expressão e acesso à informação no país," disse Daniel Bekele, Director Sénior de Advocacia para África da Human Rights Watch. "O presidente José Eduardo dos Santos deve manter o compromisso que assumiu com os direitos humanos e recusar-se a aprovar estas restrições à comunicação social e a torná-las legislação."
Há vários artigos da Lei da Imprensa que violam as disposições internacionais que obrigam Angola a respeitar a liberdade de imprensa, disse a Human Rights Watch. Entre estes:
- O artigo 29.º dá autoridade ao Ministério da Comunicação Social para supervisionar a forma como os órgãos de comunicação social levam a cabo as directrizes editoriais, bem como para punir os infractores com a suspensão da actividade ou com multas;
- O artigo 35.º impõe taxas excessivas para a criação de um grupo de comunicação, no valor de 35 milhões de kwanzas para uma agência noticiosa (211,000.00 USD) e de 75 milhões de kwanzas (452,000.00 USD) para uma estação de rádio;
- O artigo 82.º criminaliza a publicação de qualquer texto ou imagem que "ofenda bens juridicos." Ao abrigo do Código Penal, a difamação e a calúnia são puníveis com multas e penas de prisão de até seis meses.
A definição excessivamente ampla de difamação abre a porta para que o governo julgue arbitrariamente jornalistas que denunciam actividades ilegais ou impróprias por parte de oficiais e outros indivíduos, alertou a Human Rights Watch. As leis de difamação criminal devem ser totalmente abolidas, por permitirem facilmente abusos e poderem dar origem a consequências graves, incluindo prisão.
A versão final dos projectos dos estatutos da ERCA e das outras leis sobre a comunicação social foi inesperadamente apresentada para discussão apenas alguns dias antes da sua aprovação em 18 de Novembro, apanhando vários profissionais da comunicação social desprevenidos. Os jornalistas e activistas que lutam pela liberdade da imprensa têm criticado a falta de transparência e de consulta do processo.
"Nunca fomos informados oficialmente sobre as datas de discussão ou aprovação da lei actual – nem mesmo durante a discussão na especialidade," revelou Teixeira Cândido, secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos à Human Rights Watch.
O parlamento aprovou a criação da entidade reguladora, juntamente com as primeiras versões dos outros quatro projectos de lei do Pacote Legislativo da Comunicação Social em Agosto, por iniciativa do partido no poder, Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA), que controla cerca de 80% dos assentos da assembleia. O primeiro projecto de lei dava autoridade à entidade reguladora para impor a conformidade com a ética jornalística profissional e para emitir carteiras profissionais para os jornalistas, que são necessárias para trabalhar. No entanto, no seguimento de críticas do Sindicato dos Jornalistas Angolanos, o governo concordou em limitar esta autoridade a um novo órgão controlado por profissionais da comunicação social.
Segundo a nova versão revista dos estatutos, seis dos membros da ERCA serão nomeados em conjunto pelo governo e pelo partido com a maioria dos assentos no parlamento. O Sindicato dos Jornalistas nomeia dois membros e os outros partidos políticos com assento no parlamento nomeiam os três restantes.
As novas leis da comunicação social surgem na sequência das queixas de oficiais do governo sobre o que consideram uma comunicação social irresponsável, na qual incluem as redes sociais. Em Dezembro de 2015, o presidente José Eduardo dos Santos disse que “as redes sociais não devem ser utilizadas para violar os direitos de outros indivíduos, humilhar, difamar ou transmitir conteúdo moralmente ofensivo ou degradante."
Após o parlamento ter aprovado o recente Pacote Legislativo da Comunicação Social, o ministro José Luís de Matos disse à imprensa que a nova Lei da Comunicação Social irá garantir que os jornalistas assumem maior responsabilidade pelo seu trabalho, pois estes "não podem partir do pressuposto de que têm o direito de fazer o que querem."
Algumas figuras políticas angolanas, incluindo membros do governo, utilizaram a provisão sobre difamação da antiga Lei da Imprensa de 2006 para reprimir os críticos. Em 2008, Graça Campos, jornalista e editora do semanário Angolense, foi condenada a uma pena suspensa de seis meses de prisão por publicar artigos que acusavam três ex-ministros de estarem envolvidos em casos de corrupção.
Em Março de 2011, Armando Chicoca, correspondente da Voz da América, foi condenado a um ano de prisão pela autoria de artigos que criticavam um juiz da província do Namibe. Em Fevereiro de 2014, Queirós Chilúvia, também jornalista, foi condenado a uma pena suspensa de seis meses de prisão por ter investigado os choros e gritos de ajuda que ouviu vindos de uma esquadra da polícia. Em Maio de 2015, Rafael Marques, um proeminente jornalista, foi condenado a uma pena suspensa de seis meses de prisão por ter denunciado casos de assassinato e tortura nos campos de diamantes do país.
A Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos há muito que pede a abolição das leis de difamação criminal no continente, defendendo que estas abrem o caminho para abusos e podem dar origem a consequências bastante duras para os jornalistas que denunciem casos de abuso de poder, corrupção e violações de direitos humanos, que são abundantes em Angola.
Em 2014, no julgamento Lohé Issa Konaté v. Burkina Faso, um marco na história dos julgamentos na região, que envolvia a condenação por calúnia criminosa de um jornalista do Burquina Faso, o Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos determinou que a pena de prisão por difamação violava o direito à liberdade de expressão e que tais leis só devem ser utilizadas em circunstâncias restritas. O tribunal também ordenou que o Burquina Faso alterasse a sua legislação em matéria de difamação.
Após 40 anos de independência, os meios de comunicação angolanos continuam a ser controlados em grande parte pelo MPLA. O governo detém as únicas estações de rádio e televisão que transmitem em todo o país, bem como a agência oficial de notícias.
Os Repórteres sem Fronteiras atribuíram a Angola o 123.º lugar entre 180 países no seu Índice de Liberdade de Imprensa no Mundo de 2016. Em Agosto de 2013, a Human Rights Watch instou o governo a revogar as leis de difamação criminal do país e a parar de utilizá-las para perseguir jornalistas.
"A predominância de membros do governo angolano e do mais poderoso partido político põem em risco a independência da entidade reguladora do jornalismo e arriscam torná-la um mecanismo de censura e controlo, ao invés de um mecanismo de liberdade de imprensa", alertou Bekele. "Se esta nova lei da comunicação social não for revista, a situação precária dos meios de comunicação social em Angola só irá piorar."